A Amazônia brasileira no centro das atenções

oberto Brito, ex -madeireiro que agora trabalha com turismo comunitário, fala para jornalistas participantes do 13º Enecob sobre a Comunidade Tumbira, na RDS do Rio Negro (Foto: Marizilda Cruppe)

Num cenário de políticas de incertezas para a região, conheça o bom exemplo de ribeirinhos que vivem de manter a floresta em pé

Por Marizilda Cruppe | ODS 14 • Publicada em 24 de novembro de 2018 - 08:13 • Atualizada em 25 de novembro de 2018 - 12:52

oberto Brito, ex -madeireiro que agora trabalha com turismo comunitário, fala para jornalistas participantes do 13º Enecob sobre a Comunidade Tumbira, na RDS do Rio Negro (Foto: Marizilda Cruppe)
oberto Brito, ex -madeireiro que agora trabalha com turismo comunitário, fala para jornalistas participantes do 13º Enecob sobre a Comunidade Tumbira, na RDS do Rio Negro (Foto: Marizilda Cruppe)
Roberto Brito, ex -madeireiro que agora trabalha com turismo comunitário, fala para jornalistas participantes do 13º Enecob sobre a Comunidade Tumbira, na RDS do Rio Negro (Foto: Marizilda Cruppe)

Metade do Brasil é Amazônia, embora a região não tenha um projeto de conservação e desenvolvimento proporcional a sua importância. Se existe um bioma capaz de salvar o Brasil e o mundo do superaquecimento global, da falta de água e, principalmente, da falta de perspectiva de um futuro viável para seres humanos e meio-ambiente, este bioma é a floresta amazônica.

“A economia amazônica tem que ser como seu povo, plural, e o turismo de base comunitária é um dos elementos que pode desenvolver a região. É possível ter centenas de cadeias produtivas, pois a Amazônia é muito rica em cultura. Então, a pluralidade deve ser a diretriz de qualquer programa de desenvolvimento econômico para a região. No caso do turismo, é preciso que o Estado o assuma como política pública”, analisa o paraense Danicley Aguiar, engenheiro agrônomo, especialista em Amazônia do Greenpeace Brasil.

Segundo o Anuário Estatístico de Turismo 2018, no ano  passado, chegaram de avião ao Brasil 4.187.505 turistas estrangeiros. Destes, apenas 25.138 desembarcaram no estado do Amazonas, um número muito baixo dado o interesse que a floresta desperta. O Ministério do Turismo tem contratos com o estado no valor de R$134 milhões. Segundo o ministério, esses recursos são empregados em saneamento e infraestrutura turística.

Os debates relacionados à Amazônia brasileira tomaram grandes proporções desde as eleições e têm envolvido especialistas de diversos segmentos. Na semana passada, o #Colabora participou da 13ª edição do Encontro Nacional de Editores, Colunistas e Blogueiros (ENECOB) e do 2º Encuentro de Periódicos de Latinomérica  (e-latino), realizado no Amazonas. A rede ENECOB/e-latino alcança mais de 90 veículos parceiros aqui e em mais oito países da América Latina e México. Desta vez, jornalistas do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e México pegaram um barco, subiram o rio Negro, a partir de Manaus, e conheceram histórias de moradores de comunidades localizadas em áreas de conservação que vivem do turismo de base comunitária.

À distância de uma oportunidade: de madeireiro a defensor da floresta

A história de Roberto Brito de Mendonça, nascido e criado na comunidade Tumbira, hoje localizada dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Rio Negro, no município de Iranduba, a cerca de 80 quilômetros de Manaus, nos ajuda a entender como a economia da Amazônia ainda é colonial. Brito, de 43 anos, é da terceira geração de desmatadores e só conseguiu quebrar essa corrente graças à uma oportunidade.

Roberto Brito, ex-madeireiro que trabalha com turismo de base comunitária, leva os participantes do 13º Enecob até a comunidade Três Unidos, no rio Cuieiras. (Foto: Marizilda Cruppe).

Ele aprendeu a andar no mato com o avô indígena, Isaías Ferreira, e o acompanhou em suas caminhadas pela floresta, na plantação do roçado de milho e mandioca e na pescaria de flecha, até a sua morte. O avô deixou sua aldeia no alto rio Negro com 18 anos e baixou o rio em busca de trabalho. Por sua habilidade natural em andar na floresta ele conseguiu emprego como madeireiro. Derrubando árvores e plantando roça para subsistência, Seu Isaías e Dona Chiquinha criaram os quatro filhos. A tradição passou para Seu Demétrio, pai de Brito, que também virou madeireiro. Brito lembra que começou a acompanhar o pai e o avô no mato quando tinha 4 anos. Enquanto eles derrubavam árvores no machado e cortavam pranchas de madeira no serrotão – “para cortar seis tábuas levava o dia inteiro”, os meninos brincavam nos cipós. Sua infância foi curta, pois aos 12 anos também começou carreira de madeireiro pilotando uma motosserra que, quando abastecida de combustível, pesava 16 quilos.

“Eu olho um menino de 12 anos hoje indo pra escola e penso que comecei a trabalhar no mato muito cedo”. Brito e os primos foram alfabetizados pelo avô tucano, “um indígena muito educado”, diz ele. Apesar de gostar de estudar, Brito só frequentou o colégio dos 7 aos 11 anos porque a escola municipal da comunidade, até 2010, só tinha turmas de ensino fundamental 1. “Eu queria muito estudar, ter uma formação, ter informação, só que acabaram os estudos e eu parei”. Depois disso, a única oportunidade que teve foi numa escola agrícola, em Manaus, mas, quando chegou a lista de material e uniforme, Seu Demétrio Vidal, hoje com 68 anos, não pode arcar com os custos dos estudos dos três filhos.

“Meu pai hoje consegue tirar madeira no plano de manejo florestal legalizado. É totalmente diferente daquela época. Ele serrava árvore com motossera só de bermuda. Hoje ele usa bota, camisa, luva, capacete. Antes era tudo largado, a gente não tinha cuidado com nosso corpo e nem com nossa própria vida. Diz que papagaio velho não aprende a falar, mas aprende sim, porque eu vi essa mudança no meu pai.”

Brito teve a sua oportunidade de mudar de vida, em 2012, por meio do turismo. Depois de 25 anos “derrubando madeira”, ele agora é gerente de uma pousada na comunidade onde nasceu. Recebe e guia pela floresta turistas, estudantes de escolas particulares das elites carioca e paulista, professores e universitários. “O turismo é uma saída para o desenvolvimento de qualquer comunidade porque traz a oportunidade de conhecer pessoas e de fazer intercâmbio, de trocar informação”, comemora Brito.

O ex-desmatador virou um defensor da floresta quando teve a oportunidade de conhecer pessoas que valorizaram o conhecimento que ele tinha da mata. “Quando as pessoas gostam das informações que eu tenho pra passar, eu fico muito orgulhoso. Eu sei tudo isso aqui e eu não dava valor a nada. Eu vejo as pessoas empolgadas aqui dentro dessa mata ouvindo o que eu aprendi na vida e eu só tinha aquele meu olhar de destruição”

Brito vê o turismo como uma rica oportunidade de misturar mundos. “O jovem aqui da comunidade também se sente valorizado com o turismo. Às vezes vem aqui uns jovens do sudeste que são filhos de pessoas ricas, até famosas, e aprendem com os caboclinhos daqui que nunca nem foram até Manaus”.

Futuro incerto: o temor das escolhas do novo presidente

Numa avaliação do Fórum  Econômico Mundial, o Brasil está no topo de uma lista com 136 países que dispõem de mais recursos naturais. A avaliação feita no ano passado mediu o capital natural disponível e o desenvolvimento de atividades de turismo ao ar livre. Esse capital é definido em termos de paisagem, parques naturais e riqueza da fauna e flora. Pode-se dizer, portanto, que a Amazônia é grande responsável pelo primeiro lugar no pódio, já que ocupa mais de 50% do território nacional.

Praia do Iluminado, no rio Negro, Amazonas (Foto: Marizilda Cruppe)

Roberto Brito agora acredita no valor do seu saber e de manter a floresta em pé. Ele contribuiu com seu conhecimento tradicional no debate “As alternativas econômicas para a Floresta Amazônica”, atividade promovida pelo ENECOB/e-latino, em que participaram também Carlos Bueno, diretor de relacionamento institucional da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), o prêmio Nobel Philip Fearnside, cientista do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA) e a jornalista amazonense Liége Albuquerque.

As declarações do presidente eleito sobre a região, Jair Bolsonaro, e a escalação de seus ministros só reforçaram o clima de temor e incerteza entre os habitantes da Amazônia, comunidade científica, organizações ambientais e de direitos humanos.

“É gravíssimo para a Amazônia que o presidente eleito diga que quer sair do Acordo de Paris e que não acredita no aquecimento global e nas mudanças climáticas”, disse o  professor Philip Fearnside. “O mundo inteiro está muito assustado. É muito importante que haja diálogo entre o governo eleito e os cientistas, embora eu não acredite que os cientistas consigam mudar a opinião do presidente sobre aquecimento global”, completou Fearnside.

Brito, que reaprendeu a viver na floresta onde nasceu, completa: “se eu tenho uma qualidade de vida mantendo a floresta em pé, eu quero lutar por isso. Eu sinto um medo horrível, eu estou muito preocupado. Querendo ou não, nós fazemos parte da floresta, somos como uma árvore. Se acabar com a floresta, acaba com a gente. O presidente eleito não quer preservar nem um e nem o outro. Ele está muito equivocado”.

Marizilda Cruppe viajou a convite do 13º ENECOB/2º e-latino

Marizilda Cruppe

​Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.

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