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Marcas de azeite português em supermercado no Rio: seca prolongada e calor extrema na Europa provocou disparada de preços no Brasil (Foto: Oscar Valporto)
Seca e calor na Europa fazem preço do azeite disparar no Brasil
Três safras seguidas de oliveiras foram afetadas pelos eventos climáticos; produção despencou, atingindo bolso dos consumidores
A inflação climática não fez subir apenas o preço do café, produto tipicamente nacional, no Brasil. Desde o começo de 2024, os consumidores brasileiros também vêm assistindo uma disparada dos preços do azeite, a maior parte importada da Europa, onde uma seca histórica atingiu os principais produtores do produto como Espanha, Portugal e Itália.. A redução da oferta fez o preço do azeite alcançar a sua maior alta no Brasil, em junho de 2024, quando o produto disparou 50%, segundo uma série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística iniciada em 2012: nos supermercados, marcas tradicionais portuguesas chegaram a custar mais de R$ 60 (a embalagem de 500ml).
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As mudanças climáticas estão transformando a produção de azeite de oliva no Mediterrâneo. De acordo com o IPCC, a região está se aquecendo 20% mais rápido do que a média global, com temperaturas extremas e padrões de precipitação erráticos que reduziram a produção global de azeite de oliva de 3,42 milhões de toneladas em 2021-2022 para 2,41 milhões em 2023-2024. Desde o começo de 2022, a região do Mediterrâneo, onde são cultivadas as oliveiras, foi ainda mais impactada por secas extremas e calor recorde, que reduziram drasticamente a produção na Itália, Espanha, Portugal e Grécia.
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Veja o que já enviamosA Espanha, a maior fabricante de azeite do mundo, viu a sua produção despencar 60% entre as safras de 2021/22 e 2022/23 – de 1,5 milhão de toneladas para cerca de 600 mil toneladas. No ciclo seguinte, em 2023/24, a produção se recuperou muito pouco, para cerca de 760 mil toneladas, segundo o International Olive Council (Conselho Internacional do Azeite). Em Portugal, também houve queda na fabricação de azeite, da ordem de 40%, desde a safra 2021/2022. A redução na oferta fez com que os preços do azeite subissem até 70% em 2024 na Europa.
Em recente entrevista, a nutricionista Jessica Fanzo, professora de clima e alimentos na Universidade de Columbia, os eventos climáticos dramáticos na agricultura na região do Mediterrâneo incluem secas prolongadas, ondas de calor e incêndios florestais. “As temperaturas na Europa foram 0,75 °C mais altas nos últimos dois anos do que a média de 1990 a 2020, colocando pressão crescente nos sistemas de produção agrícola, incluindo as necessidades de água. A produção global de azeite de oliva diminuiu nos últimos anos devido a alguns desses eventos prolongados”, explicou a pesquisadora, integrante da Academia Nacional de Ciências dos EUA.. “Como a maior parte do azeite de oliva é alimentada pela chuva, secas prolongadas tornam muito mais difícil para o solo reter água, colocando estresse nas árvores”, explicou a professora que atribui a esse estresse extremo à incapacidade de muitas oliveiras de amadurecer completamente.
O clima mais quente traz outros problemas para os produtores de azeitonas e seus pomares — principalmente infestações de insetos que atacam diretamente as frutas ou introduzem patógenos nas árvores. Essas infestações, incluindo a emergente Xylella fastidiosa, uma das bactérias vegetais mais perigosas do mundo, que causa uma variedade de doenças nas plantas, com enorme impacto econômico para a agricultura, jardins públicos e o meio ambiente. Nas oliveiras, essa bactéria pode causar efeitos devastadores em suas plantas hospedeiras — contaminando os óleos, causando deficiências de água e prejudicando a capacidade da árvore de absorver minerais vitais. As oliveiras vêm sendo o principal alvo dessa bactéria na Europa, mas a Xylella pode afetar também amendoeiras e árvores cítricas. Com invernos europeus mais quentes se tornando mais frequentes, os agricultores têm menos alívio de insetos pestilentos que tendem a se dissipar em temperaturas mais frias.
Na Europa, há uma expectativa de queda nos preços de azeite já em 2025. A safra de azeitonas começou em outubro na Europa e o mercado tem projetado uma boa recuperação: relatório da União Europeia projeta que a produção de azeite na continente deve crescer 32% na safra 2024/205, em relação ao ciclo anterior. Essa retomada deve acontecer devido a uma melhora do clima. Entre janeiro e fevereiro de 2025, houve um bom nível de chuvas nas regiões produtoras espanholas, o que ajudou as reservas de água a se recuperarem e favoreceu, principalmente, os olivais não irrigados.
Espanha, Portugal e Itália estão projetando aumentos na produção de azeite, em 25%, pelo menos. A Turquia, que se tornou o segundo maior produtor de azeite de oliva do mundo em 2024, está estimando uma colheita recorde, que renderia 475 mil toneladas de azeite de oliva. A Grécia ainda está lutando contra uma seca prolongada, frustrando as esperanças de uma colheita robusta. Mas, no balanço geral, os consumidores europeus já verificam redução nos preços e a indústria espera que, caso o clima siga ajudando, uma queda maior durante o ano, ainda que sem um retorno aos patamares de antes da crise do azeite. No Brasil, de acordo com especialistas, essa queda pode demorar mais a ser sentida, porque o Brasil importa 99% do azeite consumido internamente, e o câmbio desvalorizado não deve ajudar.
Para enfrentar esses desafios provocados pelas mudanças climáticas, os produtores estão implementando técnicas inovadoras, como irrigação por gotejamento, pesquisando variedades de azeitonas mais resistentes ao calor e expandindo o cultivo para regiões menos afetadas pela seca e o calor. Os esforços incluem ainda pesquisas sobre novas variedades resistentes, melhorias na gestão da água e o uso de olivais como sumidouros de carbono. Especialistas apontam que adotar modelos agrícolas regenerativos, incentivar a diversificação econômica nas regiões produtoras e promover a educação sobre o impacto das mudanças climáticas no setor são ações que podem garantir a sobrevivência do azeite de oliva. “Instituir sistemas eficientes de gestão de água (armazenamento de água, monitoramento da umidade do solo), considerar novas variedades de culturas que sejam mais tolerantes à seca, dimensionar práticas de cultivo de conservação e colocar culturas de cobertura serão fundamentais”, apontou a professora Jessica Fanzo.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade