Recorde de furacões provoca crise humanitária na América Central

Pessoas que perderam suas casas abrigadas sob uma ponte dias após a passagem do furacão Iota em San Pedro Sula: América Central registrou milhares de refugiados ambientais (Foto: Orlando Sierra/AFP – 09/12/2020)

Após destruição causada por tempestades tropicais, região tem milhares de desabrigados e não sabe como acolher refugiados climáticos

Por Oscar Valporto | ODS 1ODS 13 • Publicada em 10 de dezembro de 2020 - 08:26 • Atualizada em 15 de dezembro de 2020 - 09:46

Pessoas que perderam suas casas abrigadas sob uma ponte dias após a passagem do furacão Iota em San Pedro Sula: América Central registrou milhares de refugiados ambientais (Foto: Orlando Sierra/AFP – 09/12/2020)

A extremamente ativa temporada de furacões no Atlântico de 2020 terminou oficialmente em 30 de novembro com um recorde de 30 tempestades tropicais batizadas com nomes (as mais fortes), incluindo 13 furacões e seis grandes furacões. Balanço da Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência ligada à ONU, apontou que este é o maior número de tempestades da história, ultrapassando as 28 de 2005, e o segundo maior número de furacões já registrado – 2020 marcou o quinto ano consecutivo com uma temporada de furacões no Atlântico acima do normal.

O balanço meteorológico foi seguido pelo trágico balanço humanitário. De acordo com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), os furacões Eta, no começo de novembro, e Iota, duas semanas depois, afetaram mais de sete milhões de pessoas – das quais, cerca dois milhões são crianças – na América Central. Além de quase 400 mortos, há ainda dezenas de milhares de pessoas ainda desabrigadas na Nicarágua, Honduras e Guatemala.

Só os nomes dos furacões já mostram como foi recorde a temporada: eles foram batizados no alfabeto grego já que as 21 iniciais do alfabeto romano que ajudam a batizar as tempestades tropicais já haviam sido usadas. Mas os furacões de novembro – duas das mais poderosas em uma temporada recorde- demoliram milhares de casas, destruíram rodovias e fábricas, derrubaram postes e torres de transmissão de energia e devastaram plantações.

Em meio à pandemia do coronavírus e já impactada pela crise econômica resultante da covid-19, a América Central ainda está tentando calcular a dimensão do desastre um mês após a passagem do primeiro furacão. As agências humanitárias já preveem uma nova leva de imigrantes em direção ao México e aos Estados Unidos; a América Central tem hoje uma concentração de refugiados climáticos que os governos da região não têm recursos para acolher.

Em Honduras, mais de 30 mil casas estão destruídas, todas as plantações foram perdidas, 110 pontes e 267 estradas ficaram danificadas. O principal aeroporto do país, o de San Pedro Sula, fechado por 10 dias, ainda não está operando normalmente. De acordo com o Banco Central de Honduras, a economia registraria queda de 7,5% neste ano, mas, após a passagem dos furacões, deve cair mais de 10%. O setor privado está parado e o Estado hondurenho quebrado. O setor produtivo de San Pedro Sula, região de onde sai 60% do PIB de Honduras, ficou destroçado. A crise social se soma à ambiental em Honduras – o país centro-americano foi o segundo mais afetado por furacões, tempestades e inundações de acordo com o índice de Risco Climático (IRC) feito todos os anos pela ONG Germanwatch. O número de mortes com os dois furacões passa de 100.

Exército guatemalteco resgata indígenas no sul do país: mais de 100 ainda desaparecidos em aldeia soterrada por deslizamento de terra (Foto: Exército da Guatemala/AFP)
Exército guatemalteco resgata indígenas no sul do país: mais de 100 ainda desaparecidos em aldeia soterrada por deslizamento de terra (Foto: Exército da Guatemala/AFP)

Na Guatemala, a conta da morte ainda está incompleta. O país registrou oficialmente 60 mortos, 100 desaparecidos e 2,1 milhões de pessoas afetadas, embora o governo admita que um deslizamento de terra provocado pelo Eta na aldeia indígena de Quejá pode ter causado mais de 100 mortes. A aldeia foi totalmente soterrada e o resgate interrompido por haver perigo de novos deslizamentos após a passagem do Iota.

Na Nicarágua, o Caribe Norte – uma das regiões mais pobres da Nicarágua, habitadas habitada principalmente por pescadores e agricultores afrodescendentes e indígenas – teve todas as suas áreas plantadas destruídas e os rios ainda estão cheios de lama 20 dias depois da passagem do Iota, que deixou milhares de pessoas sem comida, água, roupas ou eletricidade. Mais de 30 mil pessoas ainda estão desabrigadas. Pelo menos, 21 pessoas morreram na Nicarágua. Houve mortes ainda pelas passagens dos furacões no Panamá, na Costa Rica e em El Salvador, apesar da destruição ter sido menor do que nos países vizinhos.

Nicaraguense observa cenário de destruição na região Norte do Caribe: cientistas apontam que mudanças climáticas tornam furacões mais fortes e intensos (Foto: Inti Ocon/AFP)
Nicaraguense observa cenário de destruição na região Norte do Caribe: cientistas apontam que mudanças climáticas tornam furacões mais fortes e intensos (Foto: Inti Ocon/AFP)

Mudanças climáticas impactam temporada

De acordo com a OMM, a temporada recorde de 30 tempestades tropicais com direito a nomes de batismo também foi a primeira em que o Atlântico teve duas grandes formações de furacões em novembro, numa época do ano em que a temporada normalmente está terminando. Em média, uma temporada tem 12 tempestades tropicais batizadas com nomes – com seis furacões e três grandes furacões. Para ganharem nome, as tempestades devem ter ventos acima de 64km/h. Furacões têm ventos de 117 km/h (64 nós ou 74 mph) ou superior.
Em seu balanço, a Organização Meteorológica Mundial destacou que a temporada de 2020 entrou em um ritmo rápido e precoce com um recorde de nove tempestades nomeadas de maio a julho, e esgotou a lista de 21 nomes com iniciais do alfabeto romano no Atlântico com a tempestade tropical Wilfred, em 18 de setembro. Pela segunda vez na história, o alfabeto grego foi usado pelo resto da temporada, estendendo-se até o furacão Iota, o nono nome da lista.

De acordo com a OMM, esse aumento do número de furacões é uma consequência da fase quente da Oscilação Multi-Decadal do Atlântico (AMO) – que começou em 1995 – e tem favorecido tempestades mais fortes e mais duradouras desde aquela época. Essas eras ativas de furacões no Atlântico duraram, historicamente, cerca de 25 a 40 anos. Contudo, a temporada foi influenciada também por outros fatores, incluindo temperaturas da superfície do Oceano Atlântico mais quentes do que a média e uma monção (vento periódico) mais forte do oeste africano, Essas condições, combinadas com o La Niña, ajudaram a tornar possível esta temporada de furacões recorde e extremamente ativa.

O balanço da OMM aponta ainda que “além do número recorde de furacões, outro aspecto digno de nota foi que também vimos mais exemplos de intensificação muito rápida e furacões de movimentação muito lenta, ambos recentemente associados à mudança climática”. Em 2020,  houve dez furacões que se intensificaram muito rapidamente (Hanna, Laura, Sally, Teddy, Gamma, Delta, Epsilon, Zeta, Eta e Iota) – e dois furacões que praticamente parou de se mover ao chegar ao continente (Sally na Costa do Golfo e Eta na América Central). “Todas essas tempestades tinham o potencial de causar grandes danos e perda de vidas porque eram muito fortes e duravam muito tempo”, destaca a OMM.

A agência da ONU cita um dos maiores especialistas do mundo em ciclones tropicais, Jim Kossin, cientista especializado em pesquisa atmosférica do Centro de Tempo e Clima da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica) em inglês. O pesquisador explica que o principal culpado pela hiperatividade este ano foram as temperaturas oceânicas mais altas que a média. Para Kossin, esta é também a principal razão para a temporada mais longa do que a média e os numerosos eventos de rápida intensificação. Na sua visão, a frequência de eventos extremos de rápida intensificação aumentou nas últimas quatro décadas, e esse aumento está relacionado às mudanças climáticas.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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