Discussões em Bonn terminaram sem avançar em detalhes sobre financiamento climático (Foto: UN Climate Change - Lara Murillo)

Pré-COP30: Conferência de Bonn termina sem consensos e deixa dilemas para Belém

Pré-COP30: Conferência de Bonn termina sem consensos e deixa dilemas para Belém

Por Liana Melo ODS 13

Guerras e disputas geopolíticas marcaram as negociações em Bonn, na Alemanha. Sem financiamento climático fica impossível esperar ambição e implementação em Belém

Publicada em 26 de junho de 2025 - 10:00 • Atualizada em 27 de junho de 2025 - 11:05

O fantasma de Baku, onde ocorreu a COP29 na capital do Azerbaijão, tem tudo para voltar a assombrar a Conferência do Clima em Belém. Guerras e disputas geopolíticas marcaram as negociações na pré-COP30 em Bonn, na Alemanha. Quem pagará a conta pelos esforços para bancar a transição energética e a adaptação das cidades aos eventos extremos? Se depender do humor dos países ricos, os custos recairão sobre os países pobres e em desenvolvimento. Os consensos globais por justiça climática estão emperrados e o principal entrave é… dinheiro.

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“O fracasso da COP29 em avançar no tema do financiamento — e a indignação que isso causou nos países em desenvolvimento — fez do assunto uma questão central em Bonn e que será inevitável para a COP30”, concluiu Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima (OC). Ele participou do encontro, que, depois de duas semanas, terminou ontem (26 de junho), no Centro Mundial de Conferências em Bonn. É na pré-COP onde se discute os temas técnicos e políticos que moldarão as negociações em Belém.

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Precisamos ser realistas: o mundo não precisa de mais desculpas, mas sim de liderança política, financiamento público e um compromisso com a entrega concreta para os mais vulneráveis

Natalie Unterstell
Presidente do Instituto Talanoa

Na contagem regressiva para a COP30, em novembro, já é possível vislumbrar um futuro bastante desafiador para os negociadores: “A tarefa de Belém de entregar ambição e implementação no pior contexto geopolítico possível acaba de se tornar ainda maior”, comentou Angelo. O cenário é ainda mais complexo dado que, até agora, apenas dez países atualizaram seus planos nacionais de redução das emissões de gases de efeito estufa, sigla conhecida como NDC.

Mesmo com os avanços técnicos importantes e o diálogo respeitoso ao longo de todas as reuniões nas duas últimas semanas, os países ricos demonstraram que estão muito confortáveis em levar para Belém “pouca ambição e uma meta global de adaptação figurativa com pouca resposta à emergência climática que já está matando muitas comunidades vulnerabilizadas”, alertou Thaynah Gutierrez, consultora do OC e secretária executiva da Rede de Adaptação anti-racista.

Resultados da pré-COP30 em Bonn

Na avaliação do OC, a presidência do Brasil da COP30 passou no teste, especialmente ao antecipar problemas. Dos 49 itens na agenda para deliberação dos países e em apenas dois não houve acordo. “Houve acordo praticamente sobre todos os temas em Bonn — objetivo global de adaptação, transição justa e diálogo sobre o balanço global, entre muitos outros”, comentou Lilian Chagas, negociadora-chefe do Brasil.

A discussão que mais avançou foi a da transição justa. “Chegaremos a Belém com um texto-base mais robusto, ainda que repleto de dissonâncias e linguagem não consensual. Mesmo assim, a transição justa chega a Belém em melhores condições do que chegou em Bonn”, avaliou Caroline Rocha, Diretora de Políticas Públicas e Engajamento da LACLIMA, rede de advogados latinos com foco em reduzir o gap da legislação com a questão climática.

O texto preparatório, que segue para Belém, incluiu demandas importantes de organizações da sociedade civil. “Ficou acertado compromissos com temas caros para os países em desenvolvimento significativamente superior ao dos anos anteriores”, observou Rocha. Os principais avanços foram o fato de o texto incorporar preocupações centrais do Sul Global, como uma linguagem sobre “medidas unilaterais” e, principalmente, a participação de trabalhadores informais e justiça de gênero.

Já as duas outras prioridades da presidência da COP30 foram mais do mesmo, ou seja, resultaram em conclusões que se assemelham ao que viu em Baku. Ainda que o texto sobre indicadores para a meta global de adaptação tenha avançado bem, na avaliação de Stela Herschmann, especialista em Política Climática do OC, seu lançamento foi adiado até o último minuto devido a discussões em torno de financiamento e meios de implementação.

A adaptação climática é uma urgência, à medida que presenciamos, em tempo real, o aumento de desastres como enchentes, secas e ondas de calor — eventos extremos que afetam especialmente as populações mais vulneráveis. “Por isso, vimos com otimismo o avanço nos últimos dias da discussão de indicadores globais da Meta Global de Adaptação em Bonn. Porém o travamento na reta final nos adverte que este não será um caminho sem percalços. Esses indicadores são fundamentais para monitorar o avanço da implementação de ações de adaptação nos diferentes países”, diz Flávia Martinelli, especialista em mudanças climáticas do WWF-Brasil.

Já o diálogo dos Emirados Árabes Unidos sobre a implementação do Balanço Global foi bem mais lento. Aprovado na COP28, em Dubai, o artigo visa garantir que os países cumpram os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris, especialmente em relação à redução de emissões e adaptação às mudanças climáticas. Sai de Bonn dois documentos semelhantes, já que os negociadores não conseguiram chegar a um consenso.

Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, as negociações em Bonn confirmaram o que muitos temiam: “ainda estamos longe de onde precisamos estar”. Não ficou claro o caminho que será adotado para o financiamento da adaptação em larga escala. Nenhum consenso sobre as formas de garantir uma transição justa longe dos combustíveis fósseis. Por fim, foram muitos os sinais preocupantes de que alguns países não estão dispostos a alinhar suas metas para 2035 com o limite de 1,5°C. “Precisamos ser realistas: o mundo não precisa de mais desculpas, mas sim de liderança política, financiamento público e um compromisso com a entrega concreta para os mais vulneráveis”.

Foto colorida de cartaz colocado no chão na Conferência de Bonn. No cartaz aparece a temperatura 1,5°C e a frase em inglês: Under Threat Time To Act!. Abaixo aparece o logo do Greenpeace e a cor do banner é branca com letras coloridas
Manifestação do Greenpeace em Bonn com crítica à falta de ações efetivas para frear o aumento da temperatura global para não ultrapassar o limite de 1,5°C (Foto: UN Climate Change – Lara Murillo)

Financiamento e críticas

A especialista em política climática do Greenpeace Brasil, diretora Anna Cárcamos, por sua vez, comentou que mesmo que os países em desenvolvimento tenham demonstrado em Bonn a sua insatisfação com a meta de financiamento climático insuficiente adotada na COP29, o tema foi usado “como moeda de troca” pela diminuição de ambição dos países. Conclusão: Belém precisará retomar temas como o alinhamento dos fluxos financeiros a uma economia de baixo carbono e a Rota de Baku a Belém para US$ 1,3 trilhão anuais para financiamento climático para destravar temas como mitigação, adaptação e perdas e danos. “Sem financiamento climático, não há ambição nem implementação!”, concluiu Cárcamos.

O Brasil ainda foi alvo de críticas severas por conta da logística, o que levou delegados, ambientalistas, jovens, mulheres, indígenas e afrodescendentes protestarem contra os preços abusivos cobrados pela rede hoteleira e donos de imóveis na cidade-sede da COP30. A questão ganhou relevância, tendo levado delegados do Sul Global alertar sobre o fato de a equidade de participação estar em risco.

Embora a pré-COP30 tenha terminado com um resultado aquém das expectativas, Camila Jardim, especialista em política internacional do Greenpeace Brasil, acredita que o Brasil tem demonstrado disposição para ouvir, engajar todas as partes e buscar consenso, mobilizando diplomatas experientes e mantendo um diálogo persistente desde o início. Só que boa vontade não é suficiente, defende:  “O Brasil tem todas as condições para ser não apenas um bom ouvinte e facilitador, mas também um catalisador da ambição e mostrar que a cooperação global é possível”, defende Jardim.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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