O orçamento proposto pelo governo para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e órgãos vinculados para 2021 é o mais baixo desde, pelo menos, o fim do século passado. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) deste ano, que será analisado pelo Congresso em fevereiro, prevê R$ 1,72 bilhão para todas as despesas do MMA, inclusive as obrigatórias. Na série histórica, desde o ano 2000, o montante autorizado nunca foi menor do que R$ 2,9 bilhões, em valores atualizados pelo IPCA (índice de preços considerado oficial pelo governo federal). Os dados são do relatório “Passando a Boiada”, lançado nesta sexta-feira (22/1) pelo Observatório do Clima, analisando o segundo ano de desmonte ambiental do governo de Jair Bolsonaro, com dados de 2020.
Apesar de dois anos consecutivos de aumento do desmatamento e das queimadas, o governo inicia 2021 com uma redução de 27,4% no orçamento para fiscalização ambiental e combate a incêndios florestais, considerando Ibama e Instituto Chico Mendes. A atual administração aprofundou em 2020 o desmonte das estruturas de proteção socioambiental do Estado brasileiro, eliminando regulamentações e abdicando da gestão ambiental.
Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, afirma que o relatório confirma que a pauta ambiental e climática no Brasil sofreu “retrocessos inimagináveis e em escala assustadora” nos últimos dois anos. “Bolsonaro adotou a destruição do meio ambiente como política e sabotou os instrumentos de proteção dos nossos biomas, sendo responsável diretamente pelo aumento das queimadas, do desmatamento e das emissões nacionais. A situação é dramática, porque o governo federal, que é quem poderia trabalhar soluções para esse cenário, hoje é o foco do problema”, analisa Astrini.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosO Ibama está fragilizado e deslegitimado pela narrativa do próprio presidente da República e de outras autoridades. Além disso, há evidências de que o Instituto Chico Mendes tende a ser extinto ainda no primeiro semestre
[/g1_quote]O corte de recursos se soma a medidas como a flexibilização do controle da exportação de madeira, o loteamento de cargos nos órgãos ambientais com policiais militares e a proposta de extinção do Instituto Chico Mendes. Ao mesmo tempo, houve um esforço de relações-públicas de resultados pífios ao entregar também a Amazônia — além da saúde, da articulação política e de diversas outras áreas da gestão estatal — aos militares. A boiada, porém, tem encontrado a resistência de instituições, da sociedade civil e da comunidade internacional.
Especialista sênior em Políticas Públicas Observatório do Clima, a urbanista Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, vê “um projeto de destruição que está sendo concretizado” nas iniciativas dos últimos dois anos. “O governo Bolsonaro colocou em prática suas promessas de campanha em relação à política ambiental. O Ministério do Meio Ambiente/Administração Direta se apequenou como produtor de políticas públicas e, atualmente, gere valores irrisórios que nem justificam sua própria existência. O Ibama está fragilizado e deslegitimado pela narrativa do próprio presidente da República e de outras autoridades. Além disso, há evidências de que o Instituto Chico Mendes tende a ser extinto ainda no primeiro semestre deste ano, em retrocesso que não podemos deixar ocorrer”, afirma Suely Araújo.
Além da análise das políticas públicas dos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, o Observatório do Clima – rede composta por 56 organizações da sociedade civil, com foco em questões climáticas e ambientais – também alerta para as ameaças previstas para 2021, a começar pela proposta de fundir o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, possivelmente com a extinção do ICMBio, que já está sendo discutida em Grupo de Trabalho no ministério. O relatório alerta também sobre a intenção do governo de rever as Unidades de Conservação. As UCs federais abrangem 9,3% do território e mais de 20% das águas marinhas. “Na Amazônia, em muitos casos, elas formam uma barreira que pode ser eficiente para conter o avanço da devastação, caso haja ações de fiscalização regulares”, destaca o relatório.
O documento alerta ainda para a tramitação no Congresso o PL 2.633, que substituiu a MP 910, a “MP da Grilagem”, destacando que Ambientalistas temem que o plano do governo e da bancada ruralista seja botar o projeto em votação e aprovar emendas que devolvam a ampliação da anistia prevista na MP original, que acabou caducando sem ser votada. O Observatório do Clima também aponta para os projetos que ameaçam o Código Florestal. “Várias propostas de enfraquecimento do código persistem no Parlamento. Seu futuro dependerá em grande medida da eleição da presidência da Câmara, em fevereiro. Embora nenhum dos candidatos seja ambientalista, o risco para o código cresce com a eleição de um candidato alinhado com o regime Bolsonaro”.
Outras ameaças listadas no relatório são: o PL 191/2020, enviado ao Congresso por Bolsonaro, que libera a liberar a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas (TIs) e deve ser analisado em Comissão Especial da Câmara; as obras de asfaltamento da BR-319 (Manaus-Porto Velho), apesar de não haver licença ambiental para um trecho de 405 km em análise no Ibama: a estratégia do governo é fazer a obra em pedaços, pela via infralegal (olha a boiada); e a estratégia de tirar os dados de monitoramento da Amazônia do Inpe, que observa a floresta com satélites desde 1975 e mede sistematicamente a devastação desde 1988, e entregá-los às Forças Armadas.
O relatório conclui que, em 2021, “essas duas forças – o desmonte promovido por um governo que frustra qualquer esperança de normalização e as barreiras institucionais a ele – serão testadas” e ressalta a importância da disputa pela presidência da Câmara que contrapõe o deputado Arthur Lira, candidato de Bolsonaro e do Centrão, e o emedebista Baleia Rossi, lançado por Rodrigo Maia, com apoio da maioria dos partidos de oposição. “Caso Jair Bolsonaro obtenha o controle da presidência daquela Casa legislativa, a enorme pauta antiambiental represada durante a presidência de Rodrigo Maia tende a avançar”, analisa o Observatório do Clima.
Na sua conclusão, o documento destaca que a agenda de clima deve ganhar maior impulso em 2021, com a retomada de encontros internacionais e a ampliação de espaços de debate, impulsionada pela posse de Joe Biden como presidente dos EUA e a declarada intenção de marcar sua administração pela guerra contra as emissões de carbono. “Assim como os Estados Unidos, a postura de grandes potências econômicas em relação à agenda climática, como o bloco europeu e a China, poderão exercer uma pressão importante sobre o governo brasileiro”, aponta o relatório.
Pontos de destaque do relatório Passando a Boiada:
Análise histórica de todo o orçamento disponível (obrigatório e discricionário) para a área ambiental (MMA e entidades vinculadas) revela que os gastos previstos para 2021 (R$ 1,72 bilhão) são os menores em duas décadas.
Análise do Projeto de Lei Orçamentária Anual encaminhado pelo governo ao Congresso mostra queda de 27,4% no orçamento federal para fiscalização ambiental e combate a incêndios florestais na comparação com o que foi autorizado em 2020. A queda é maior em relação a 2019: 34,5%.
O orçamento proposto para 2021 reafirma a estratégia da atual gestão de continuar sufocando a fiscalização do Ibama e, na prática, acabar com o ICMBio: houve corte de 61,5% dos recursos previstos especificamente para criação e gestão de unidades de conservação na comparação com o orçamento autorizado em 2018.
O total de multas aplicadas pelo Ibama em 2020 também foi o menor em duas décadas: houve queda de 20% na comparação com o ano anterior e de 35% em relação a 2018 (governo Temer).
O novo aumento do desmatamento — 9,5% em 2020, depois de ter subido 34% em 2019 — coincide com uma queda de 42% das multas por infrações contra a flora nos nove Estados da Amazônia Legal.
O discurso antiindígena repercutiu no campo, especialmente na Amazônia: as invasões de terras indígenas cresceram 135% em 2019. Foram registrados 256 casos, segundo o Conselho Indigenista Missionário.
Pelo menos 18 pessoas foram assassinadas em conflitos no campo em 2020, de acordo com levantamento da Comissão Pastoral da Terra.