Governo Bolsonaro vai ao Supremo contra Mata Atlântica

Ação tenta tornar inconstitucionais artigos da Lei da Mata Atlântica que impedem atividades agropecuárias em áreas de preservação ambiental no bioma

Por Oscar Valporto | ODS 13ODS 15 • Publicada em 5 de junho de 2020 - 09:52 • Atualizada em 25 de maio de 2021 - 13:23

Trecho de Mata Atlântica em Minas Gerais: governo vai ao STF para liberar atividades agropecuárias em áreas de preservação no bioma (Foto: IEF/MG)

Na véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente, o governo Bolsonaro, através da Advocacia Geral da União, entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal para tornar inconstitucionais artigos da Lei da Mata Atlântica que impedem o desenvolvimento de atividades agropecuárias em áreas de preservação ambiental no bioma.  No mesmo dia 4 de junho, o ministro Ricardo Salles revogou seu despacho de abril que, de acordo com ambientalistas, poderia cancelar infrações ambientais na Mata Atlântica, como desmatamento e queimadas, e regularizava invasões no bioma até julho de 2008. Salles alegou que AGU entraria no STF para resolver a questão.

No dia 6 de abril, o despacho de Salles recomendava aos órgãos ambientais (Ibama, ICMBio e Instituto de Pesquisas Jardim Botânico) que desconsiderem a Lei da Mata Atlântica (nº 11.428/2006) e apliquem regras mais brandas constantes do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) para áreas ditas consolidadas nas regiões de domínio da Mata Atlântica.   Na já famosa reunião ministerial de 22 de abril, Salles citou o despacho como exemplo das medidas infralegais que deveriam ser usadas para “ir passando a boiada” e afirmou que sua decisão havia sido pedida pelo Ministério da Agricultura. O despacho já era alvo de ações do Ministério Público em praticamente todos os 17 estados com Mata Atlântica no Brasil.

As ações do MP estão baseadas em entendimento jurídico de que os artigos 61-A e 61-B do Código Florestal, que permitem atividades de baixo impacto, como agrossilvipastoris e ecoturismo, em Áreas de Preservação Permanente (APP), não se aplicam na Mata Atlântica porque, desde 2006, a a chamada Lei da Mata Atlântica estabeleceu regras próprias para áreas do bioma – incluindo sua determinação como ‘patrimônio nacional’. “Essa especial proteção constitucional não impede a utilização dos bens situados naquelas regiões”, argumenta a ADI, impetrada no STF pelo advogado-geral da União, José Levi Mello, mas também contou com a assinatura do presidente Jair Bolsonaro.

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O governo pretende declarar a interpretação inconstitucional, para ampliar a possibilidade de exploração comercial nas áreas de Mata Atlântica. “A exclusão de toda e qualquer área integrante do Bioma da Mata Atlântica do regime das áreas consolidadas nos artigos 61-A e 61-B do atual Código Florestal tem potencial de resultar em profundo retrocesso produtivo”, afirma Levi na ação, que terá como relator o ministro Luiz Fux. “A proteção ao meio ambiente convive com outros preceitos constitucionais de igual estatura e relevância, como os direitos à propriedade e à livre iniciativa”, acrescenta.

Na semana passada, estudo mostrou um aumento no desmatamento do bioma entre 2018-2019: foram desflorestados um total de 14.502 hectares –  crescimento de 27,2% comparado com o período anterior (2017-2018), que foi de 11.399 hectares. As informações do Atlas da Mata Atlântica – iniciativa da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) realizada desde 1989 – indicam ainda  que o estado campeão de desmatamento foi Minas Gerais, que teve uma perda de quase 5.000 hectares de floresta nativa. A Bahia ficou em segundo lugar, com 3.532 hectares, seguido pelo Paraná, com 2.767 hectares. Os três líderes do ranking tiveram aumento de desflorestamento de 47%, 78% e 35% respectivamente, ao comparar com o período anterior. A Mata Atlântica cobre cerca de 13% do território nacional e atravessa 17 estados brasileiros.

O recurso do governo ao STF já havia sido adiantado pelo ministro Ricardo Salles em entrevista à Folha de S. Paulo na quarta-feira, em que anunciou a decisão de revogar o despacho. “Neste caso, não se trata de anistiar quem desmatou. Trata-se de um conflito jurídico. Nós criamos no Brasil o Código Florestal, que foi a pacificação de uma série de conflitos e significou um caminho de segurança jurídica. A Lei da Mata Atlântica é de 2006 e o Código Florestal é de 2012. O Código Florestal dá um tratamento específico às chamadas áreas consolidadas, que já estavam ocupadas anteriormente à norma”, defendeu Salles, acrescentando que a AGU iria ao STF para dar “segurança jurídica” à questão.

Escaldada com o governo Bolsonaro, a Fundação SOS Mata Atlântica foi cautelosa ao comentar a decisão de Salles de revogar o despacho e destacou que era preciso manter o alerta vermelho ligado. “Acreditamos na justiça e pedimos que a sociedade se una ainda mais contra os atos praticados pelo Governo Federal e a intenção declarada de desregulamentar as leis ambientais. A revogação do Despacho do MMA nada mais é que uma jogada do ministro e uma resposta para a pressão que pode sofrer dos setores que ele defende. Ele sabe que seu ato foi inadequado e poderia perder em juízo. Já é uma prática conhecida deste governo e seus ministros“, afirma Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da SOS.

Mantovani tinha razão: horas depois da revogação do despacho sair no Diário Oficial, o governo ingressou com a ADI no Supremo em que defende a “primazia dos direitos de liberdade econômica na ordem constitucional”. O advogado-geral da União afirma ainda que a proibição da exploração das regiões de Mata Atlântica pela agropecuária teria resultados ‘catastróficos’ para estados e municípios. “Assegurar o direito à proteção do meio ambiente não exime o Estado do dever garantir os direitos relativos ao desenvolvimento econômico”, argumenta o governo na ação junto ao STF.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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