ODS 1
Desastre no sul teve mais de 15 mil deslizamentos de terra em maior evento do tipo no Brasil

Áreas mais afetadas por deslizamentos de terra foram encostas voltadas para o Norte, com maior intervenção humana e menos vegetação natural

O pior desastre socioambiental da história do Rio Grande do Sul provocou 15.376 deslizamentos de terra. O número representa o maior evento do tipo no Brasil, superando os cerca de 4 mil deslizamentos durante o desastre na região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011. Foi um deslizamento no Morro do Cechella que causou as mortes de Liane Ulguin da Rocha, 45 anos, e Emily Ulguin da Rocha, 17 anos. Mãe e filha moravam em uma casa no bairro Itararé, em Santa Maria (RS).
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Cerca de 30% do território gaúcho foi impactado por movimentos de terra em maio de 2024, decorrentes das chuvas fortes e potencializados pela dinâmica de ocupação urbana. Estudo publicado nesta quinta-feira (28/08) na revista Landslides mostra a dimensão dos deslizamentos que afetaram o Estado. O mapeamento foi feito a partir de imagens de satélite, com coordenação de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e participação de outras instituições nacionais e internacionais, como o Instituto Federal de Goiás (IFG) e o Serviço Geológico do Brasil (SGB).
Uma das características identificadas no estudo é a dinâmica de ocupação dos locais onde ocorreram mais deslizamentos. Os maiores números de pontos de ruptura foram em encostas voltadas para norte, norte-nordeste e noroeste-norte, áreas com menos cobertura vegetal e mais impactadas pela ação humana, como o desmatamento e a construção de estradas e residências.
O mapeamento utilizou 474 imagens, captadas entre 4 de maio e 31 de agosto de 2024. Foram reconhecidos 16.862 pontos de início de deslizamento, distribuídos ao longo de cerca de 18 mil quilômetros quadrados em 150 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul. Os municípios mais atingidos pelos movimentos de massa foram na Região Hidrográfica do Guaíba, incluindo as regiões Central, Vales e Serra.
“Tem muitos casos em que temos em um mesmo morro diferentes pontos iniciais de ruptura que se juntam ao longo da encosta, o que aumenta o potencial de dano do deslizamento”, explica Clódis de Oliveira Andrades-Filho, professor do Instituto de Geociências da UFRGS e um dos responsáveis por coordenar o mapeamento.
Segundo o pesquisador, o mapeamento começou a ser feito a partir do trabalho emergencial para auxiliar as equipes de resgate, inicialmente no Vale do Taquari. “Esses profissionais sentiram a necessidade de saberem onde tinham sido as áreas mais atingidas para focar os seus esforços e agilizar toda a atuação. Foi quando nós começamos a gerar os primeiros mapas e fazer as primeiras identificações dos deslizamentos”, recorda Clódis.

Dimensão e gestão de riscos
As chuvas, deslizamentos e enchentes atingiram 96% dos municípios gaúchos e afetaram mais de 2,4 milhões de pessoas. Recentemente, a Defesa Civil do RS atualizou o número de mortes para 184, 25 pessoas seguem desaparecidas. “Quando conseguimos ter a noção de que se tratava de um evento de grandes dimensões, percebemos que o trabalho deveria ir além da emergência”, descreve Clódis Andrades-Filho.
O professor da UFRGS destaca a importância da pesquisa sobre os movimentos de massa para a elaboração de planos de prevenção e gestão de riscos. “A gente consegue, a partir de todos esses dados gerados, fazer uma análise, por exemplo, trabalhar na identificação de áreas que podem ser atingidas, no caso de um novo episódio de chuvas”, aponta Clódis.
Nota técnica divulgada também pelo Instituto de Geociências da UFRGS descreve os municípios mais atingidos pelos movimentos de massa. Mais de 50 registraram pelo menos 100 deslizamentos, Caxias do Sul teve 656 cicatrizes (marcas de movimento visíveis no terreno), na sequência aparecem Veranópolis (636), Agudo (540), Bento Gonçalves (516) e Fontoura Xavier (485).
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Comunidades isoladas
O trabalho de resgate e as respostas ao desastre no Rio Grande do Sul foram impactados pela dificuldade de deslocamento entre cidades, regiões e comunidades. Cerca de 13,7 mil km de estradas sofreram danos pelas chuvas, entre rodovias federais e estaduais. O estudo liderado pelos pesquisadores da UFRGS mostra que 2.430 trechos de estradas foram afetados por deslizamentos de terra.
Clódis pontua que, além dos deslizamentos terem atingido veículos e pessoas que estavam trafegando pelas estradas, muitas comunidades ficaram isoladas. “Temos um grande número de trechos atingidos em zonas rurais. 80% foram em estradas que a gente chama de vicinais e que têm um papel também muito importante para a interligação das comunidades rurais”, explica o professor.
No contexto de mudanças climáticas e diante da tendência de novos eventos extremos, aprimorar a comunicação de risco geológico passa a ser essencial, principalmente, em localidades rurais e nas periferias de cidades. “A comunicação de risco geológico é ainda mais complexa, porque o risco se dá em áreas mais pontuais nos municípios. E essas áreas pontuais são áreas onde normalmente moram as comunidades rurais que têm menor acesso à internet e a outros meios de comunicação”, complementa Clódis. A intenção dos pesquisadores do Instituto de Geociências da UFRGS é aprimorar tecnologias e ampliar o diálogo com profissionais que atuam nos municípios para construir planos de prevenção e resposta aos deslizamentos de terra.
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.