Crise climática: inverno seco e quente põe Europa em alerta

França, Espanha e Itália tomam medidas para reduzir consumo de água e garantir abastecimento para o verão

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 14 de março de 2023 - 09:50 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:07

Bancos de areia aparecem no leito do Rio Loire, na França: inverno seco obriga governo a determinar redução do consumo de água (Foto: Jean-Michel Delage / Hans Lucas / AFP – 05/03/2023)

O inverno no Hemisfério Norte só termina semana que vem (20/03), mas dados dos cientistas do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus apontam que a Europa está passando pelo segundo inverno mais quente já registrado. Entre dezembro e fevereiro, a temperatura média foi de 1,4 graus Celsius acima da média de 1991-2020. As altas temperaturas coincidiram com uma surpreendente falta de chuva – uma seca histórica que começou em dezembro e prossegue até agora.

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Após ter passado pelo verão mais quente de sua história, em 2022, a França está atravessando o inverno mais seco dos últimos 50 anos. O déficit de 30% de chuvas gera temores de que falte água no país no próximo verão. A falta de chuvas levou o governo francês a decretar medidas de restrição do uso de água em algumas regiões e pedir aos franceses que reduzam seu consumo. A Espanha introduziu medidas semelhantes desde janeiro, mas, na Catalunha, o abastecimento de água caiu tanto que as autoridades estabeleceram agora regras que incluem uma redução de 40% na água usada para agricultura, uma redução de 15% para usos industriais e um corte no abastecimento médio diário por habitante.

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A primeira onda de calor de inverno atingiu partes do continente europeu entre o fim de dezembro e meados de janeiro. Estações de esqui foram forçadas a fechar temporariamente, pois as temperaturas anormalmente amenas derreteram a neve das pistas. As grandes faixas de neve que cobrem os Alpes estão ausentes nesta temporada. De acordo com a CIMA Research Foundation, os Alpes receberam 63% menos neve neste inverno. Nas estações francesas, a situação foi semelhante. “A situação nos Pirineus ficou próxima do recorde mais baixo de quantidade de neve para essa época do ano”, disse Simon Mittelberger, climatologista da Météo-France, à CNN.

Estação de esqui fechada em Krynica-Zdroj, Polônia, por falta de neve: inverno seco e quente preocupa europeus (Foto de Artur Widak / NurPhoto / AFP - 12/01/2023)
Estação de esqui fechada em Krynica-Zdroj, Polônia, por falta de neve: inverno seco e quente preocupa europeus (Foto de Artur Widak / NurPhoto / AFP – 12/01/2023)

Recordes regionais de temperatura foram batidos em vários países. Por exemplo, a Suíça registrou sua maior temperatura de inverno ao norte dos Alpes, uma temperatura amena de 19,4°C. No norte da Espanha, os termômetros chegaram a marcar quase 25 graus em pleno inverno. As temperaturas foram particularmente altas na Europa Oriental e no norte da Escandinávia, de acordo com os dados do Copernicus, serviço da União Europeia.

Notamos que as secas no sul da Espanha estão durando mais e que, quando chegam as chuvas, elas são mais curtas, mas mais intensas

Rúbem del Campo
Porta-voz da agência meteorológica da Es

No balanço divulgado na sexta-feira (10/03), os cientistas informaram ainda que, embora as temperaturas gerais na Europa estivessem acima do normal, algumas regiões ficaram abaixo da média, incluindo partes da Rússia e da Groenlândia. O inverno excepcionalmente ameno ofereceu algum alívio de curto prazo aos governos que lutam com os altos preços do gás depois que a Rússia reduziu as entregas de combustível para a Europa no ano passado, com temperaturas mais altas reduzindo a demanda de gás para aquecimento em muitos países.

O relatório da Copernicus também alertou que o gelo do Mar Antártico caiu 34% abaixo da média de fevereiro – o nível mais baixo desde o início dos registros. “Essas condições de gelo marinho baixo podem ter implicações importantes para a estabilidade das plataformas de gelo da Antártica e, finalmente, para o aumento global do nível do mar”, destacou a vice-diretora do Copernicus Climate Change Service, Samantha Burgess.

Europa castigada pela seca

Mas a temperatura mais alta também agravou a seca enfrentada por grande parte dos países europeus pelo menos desde 2021. Após o verão mais seco em 500 anos, a seca de inverno causada pela crise climática está gerando preocupação crescente entre os governos sobre a segurança hídrica para residências, agricultores e fábricas em todo o continente. “Em fevereiro de 2023, a maior parte da Europa Ocidental e Meridional experimentou condições mais secas do que a média”, indicou a análise do Copernicus. Um mapa das secas atuais na Europa do serviço da UE mostra alertas de baixa precipitação ou pouca umidade do solo em áreas do norte e sul da Espanha, norte da Itália e sul da Alemanha e quase toda a França.

Rio Pó, maior da Itália, com areia e terra em áreas geralmente cobertas pela água: nível 60% abaixo da média do inverno (Foto: Michele Novaga / Anadolu Agency / AFP)
Rio Pó, maior da Itália, com areia e terra em áreas geralmente cobertas pela água: nível 60% abaixo da média do inverno (Foto: Michele Novaga / Anadolu Agency / AFP)

Na Itália, a linha d’água do Lago Garda está cerca de 65 centímetros abaixo da média para esta época do ano. As águas do rio Po, o maior do país, e dos lagos Maggiore e Como também estão com níveis excepcionalmente baixos. O Pó, responsável pela irrigação de boa parte das regiões agrícolas italianas, está com 60% menos água do que o normal para essa época do ano. A seca, em janeiro, atingiu até mesmo os famosos canais de Veneza, impedindo a circulação de gôndolas e táxis aquáticos. “O ano mal começou, ainda estamos no inverno, e já temos indicações de eventos climáticos extremos e seca severa no país”, afirmou Giorgio Zampetti, gerente geral da Legambiente,  grupo ambientalista italiano.

Essas condições eram raras no passado, mas as mudanças climáticas estão alterando os regimes de precipitação na Europa e tornando esses extremos mais recorrentes e intensos

Andrea Toreti
Coordenador do Copernicus

Na França, de acordo com especialistas da Météo France, a situação pode se tornar ainda mais crítica se a primavera — que começa dia 21 no Hemisfério Norte — e o verão forem secos e quentes como no ano passado. Em seis departamentos, no sudeste do país (Ain, Bouches-du-Rhône, Pirineus Orientais, Var, Drôme e Ardèche), foram impostas restrições ao uso da água, com proibição de regar plantas, irrigar plantações, além de encher piscinas e lavar carros. “Desde agosto de 2021, todos os meses tiveram déficit de precipitação, à exceção de dezembro de 2021, junho de 2022 e setembro de 2022”, registrou o serviço meteorológico francês ao destacar que o mês de fevereiro de 2023 terminou com um déficit de precipitação superior a 50 %, tornando-se um dos mais secos já registrados. “O aquecimento global representa de 15% e 40% a menos de reserva de água disponível para a França”, alertou Christophe Béchu. ministro da Transição Ecológica, na semana passada.

A Espanha também enfrenta o risco de desabastecimento de água. “Não podemos garantir o abastecimento de água para beber ou para usos econômicos contando exclusivamente com a chuva”, disse Teresa Ribera, ministra da Transição Ecológica da Espanha, em recente entrevista coletiva recentemente, lembrando que 2022 foi o ano mais quente já registrado no país. Desde 1980, a média de água disponível caiu 12% na Espanha e as previsões são que essa redução possa chegar a 40% até 2050, Devido à baixa precipitação em todo o país desde o final de janeiro, 63% dos rios estão abaixo dos níveis normais do que o normal neste momento.

Rubén del Campo, porta-voz da agência meteorológica estatal Aemet, disse que a situação não mostra sinais de melhora nos próximos meses. As áreas mais afetadas foram o terço norte do país e partes da Andaluzia e o sul de Castilla-La Mancha. Ele lembrou que, embora a seca sempre tenha sido um fenômeno natural devido à localização geográfica da Espanha, uma mudança foi observada nas últimas décadas. “Notamos que as secas no sul da Espanha estão durando mais e que, quando chegam as chuvas, elas são mais curtas, mas mais intensas”, disse. “Está tudo mal espaçado. Quando as chuvas são fortes, elas são menos úteis para reabastecer os reservatórios e regar os campos, que precisam de chuvas mais brandas”, afirmou.

Andrea Toreti, coordenador do Copernicus e do Global Drought Observatory (Observatório Global da Seca), disse à Euronews que a previsão de mais tempo seco na época de plantio colocou dezenas de milhares de colheitas em risco e os esforços estão sendo sendo tomadas desta vez para conter o impacto. Toreti também expressou preocupação com os últimos dois meses (janeiro e fevereiro) excepcionalmente secos. “Essas condições eram raras no passado, mas as mudanças climáticas estão alterando os regimes de precipitação na Europa e tornando esses extremos mais recorrentes e intensos”, disse Toreti.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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