ODS 1
Cerrado: caixa d´àgua do Brasil está secando

Se o ritmo de degradação continuar, o bioma pode perder um terço de suas águas até 2050

Diversas ameaças ambientais pairam sobre o Cerrado, bioma conhecido como a “caixa d´água do Brasil”. O território já perdeu uma quantidade de água equivalente a 30 piscinas olímpicas da década de 1970 até hoje. É que seis grandes bacias hidrográficas tiveram uma redução de 27% na vazão, o que equivale a 1,3 mil m3/s – em 24 horas, esse volume seria suficiente para abastecer o Brasil por três dias e meio. Os dados fazem parte do estudo “Cerrado – O Elo Sagrado das Águas do Brasil”, lançado pela Ambiental Media, startup brasileira de jornalismo científico. As conclusões são que está chovendo menos no Cerrado, a vazão dos rios está diminuindo e o volume de água evaporando está aumentando.
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Faltando pouco menos de cinco meses para a COP30, em Belém, Yuri Salmona, geógrafo e coordenador científico do projeto, aproveitou para defender que, apesar do fato de a conferência do clima estar sendo chamada de COP da Amazônia, o Cerrado não pode ser negligenciado. “Não há como falar em sucesso no combate às mudanças climáticas sem incluir uma redução de, pelo menos, 70% do desmatamento no bioma e até falarmos em desmatamento zero”. E acrescentou: “Quando o Cerrado é devastado, estamos colocando em risco os recursos hídricos do Brasil, afetando a todos nós”.
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Veja o que já enviamosO Cerrado garante o abastecimento de água, geração de energia, irrigação e ciclos de chuvas no país. O estudo do bioma levou 12 meses para ser concluído e foi feito com base em dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do MapBiomas. Foram analisados 37 anos de dados de uso e ocupação do solo do MapBiomas em seis grandes bacias hidrográficas: Araguaia, Paraná, Parnaíba, São Francisco, Taquari e Tocantins. A continuar o ritmo de degradação do bioma, o estudo aponta que o Cerrado pode perder um terço de suas águas até 2050.
Duas variáveis foram cruciais para analisar o comportamento do Cerrado no período: a pluviosidade (chuva) e a evaporação potencial. Os dados de chuva, por exemplo, revelaram uma diminuição média de 21% na precipitação considerando as seis bacias hidrográficas estudadas. Enquanto a evapotranspiração potencial, que indica a quantidade de água que o solo e a vegetação devolvem à atmosfera devido à radiação solar – o que está diretamente ligada às mudanças climáticas –, mostram aumento de 8% em todas as seis bacias hidrográficas analisadas.

Desmatamento no Cerrado
Também chamado de “celeiro do Brasil”, por ser o principal palco da expansão do agronegócio exportador de commodities, o Cerrado vem sofrendo um aumento do desmatamento, à medida que cresce a área de monocultura, especialmente soja. Dados do estudo apontaram uma redução de 22% na vegetação nativa, entre 1985 e 2022, enquanto a área plantada em quase 20 vezes, passando de 620 mil hectares para mais de 12 milhões de hectares.
Segundo Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e coordenadora do núcleo Cerrado e Fogo do Mapbiomas, metade da vegetação nativa remanescente do bioma já foi destruída – o bioma é considerado por estudiosos da área da ciência ambiental como “zona de sacrifício” do desenvolvimento econômico do país. Parte importante desse desmatamento, degradação e fogo, é feito de forma legal.
É que o Código Florestal permite o desmatamento em propriedades privadas, mas com limites e regras específicas que variam de acordo com o bioma e a região. Em áreas de floresta na Amazônia Legal, por exemplo, a legislação exige a preservação de 80% da propriedade, enquanto no Cerrado essa porcentagem pode ser menor.
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Liana Melo
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.