ODS 1
Carlos Nobre: ‘Brasil tem condições de ser um dos primeiros países a zerar emissões’
Climatologista brasileiro adverte que o mundo precisa zerar emissões até 2040: ‘É absolutamente necessário’
Os resultados modestos da COP 29, no Azerbaijão, fazem com que a COP 30, que será realizada no Brasil, no próximo ano, se transforme em uma das mais importantes, historicamente, para o planeta. A visão é do cientista brasileiro Carlos Nobre, um dos mais respeitados climatologistas do mundo. Antes mesmo do fim da COP 29, Nobre já vinha defendendo que um grupo de países, incluindo Brasil e China, antecipassem drasticamente suas metas de emissão zero para 2040: “É necessário. É uma emergência climática. Aqui não é nem falar o que é plausível. É absolutamente necessário”, afirmou em entrevista ao #Colabora.
O pesquisador cita o discurso do Presidente Lula ao fim da cúpula do G20 no Rio e indica que o país pode até liderar os demais no corte de emissões ao longo do tempo: “O Brasil tem todas as condições de zerar as emissões, talvez ser um dos primeiros países de grandes emissões a zerar as emissões”, lembrando o plano de zerar todos os desmatamentos, de todos os biomas, até 2030. “A Ministra Marina Silva, muito corretamente, tem dito que tem que zerar todos os desmatamentos, não só os chamados ilegais na Amazônia, quase todos são ilegais, mas tem que zerar os desmatamentos, tem que proteger a floresta”, complementou. Na entrevista, Nobre analisou também os impactos da eleição de Donald Trump para a presidência do Estados Unidos, a evolução do debate sobre emissões zero e o futuro da vida no planeta. Leia abaixo alguns dos principais trechos da conversa:
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Veja o que já enviamos#Colabora: Qual o seu sentimento com a eleição de Donald Trump?
Carlos Nobre: O momento é gravíssimo, porque há oito anos Trump tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e já anunciou, durante a campanha eleitoral, que vai tirar de novo. E que iria autorizar toda a nova exploração de petróleo e gás natural nos Estados Unidos. No início da campanha do Joe Biden, antes de Kamala Harris entrar na corrida, Biden havia bloqueado qualquer nova exploração de petróleo e gás natural…
#Colabora: E o que isso representa?
Carlos Nobre: Trump pediu muito dinheiro para o setor do petróleo para sua campanha e anunciou que iria autorizar todos os novos pedidos de exploração. Já há pedidos, inclusive, que haviam sido bloqueados por Biden. Ele apoiou muito o aumento da exploração de petróleo, nos quatro anos do governo dele. Em três dos quatro anos as emissões dos Estados Unidos aumentaram muito.
#Colabora: Qual o seu maior temor em relação a esse governo Trump?
Carlos Nobre: Ele é negacionista. Em tudo, em mudanças climáticas. O que vai acontecer? Os Estados Unidos são o país que mais emitiu gases de efeito de estufa na história. Há algumas décadas a China passou a ser o país que mais emite. Mas os Estados Unidos são o segundo país e ele está sinalizando que vai continuar a aumentar a exploração de combustíveis fósseis. Estamos com uma emergência tão grande. Isso dá uma sinalização para o mundo inteiro, vai ser muito triste também sair do Acordo de Paris, como se os Estados Unidos não tivessem mais compromisso. Na COP 26, em Glasgow, o país havia se comprometido a zerar todas as emissões líquidas até 2050.
#Colabora: Qual era sua expectativa para a COP 29, no Azerbaijão?
Carlos Nobre: Essa COP vinha expectativas mais positivas do que a anterior, até a eleição de Trump. Uma expectativa preocupante. A COP 28, em Dubai, país produtor de petróleo, a COP29 em Azerbaijão, país produtor de petróleo. Apesar disso, a COP 28 foi a primeira na qual as declarações finais falam sobre transição energética para reduzir a produção e consumo de petróleo, mas foi assim, foi lenta para avançar. Muito modesta.
#Colabora: O que o senhor achou da discussão financeira na COP 29?
Carlos Nobre: Houve uma frustração muito grande, porque se esperava realmente que houvesse uma atuação mais efetiva no combate à emergência climática, com metas de reduzir em 43% as emissões até 2030 e zerar as emissões líquidas até 2050, para não deixar ultrapassar 1,5 graus (de aumento). O estudo lançado no começo da COP 29, que vem da COP 28, calculou quanto de financiamento seria necessário para atingir essas metas. O número mínimo era de US$ 1,5 trilhão de dólares. Uma frustração muito grande, que a partir de 2026 até 2035 os países desenvolvidos, ricos, não concordaram. Baixaram bastante para US$ 250 bilhões, e depois aumentaram US$ 50 bilhões para 300 bilhões anuais.
#Colabora: Qual o impacto dessa decisão?
Carlos Nobre: Com esses recursos, não haverá condição nenhuma de enfrentar os desafios. Nem será possível acelerar a redução das emissões, principalmente nos países pobres, que não têm recursos para fazer uma transição energética rápida, e, também, lógico, os eventos extremos já estão explodindo no mundo. Tudo, onda de calor, seca, incêndios florestais, chuvas excessivas, rajadas de vento, furacões fortíssimos, e tudo isso, e bilhões de pessoas do mundo não se adaptam a esses eventos. Precisaria, realmente, de um valor mais expressivo e, grande parte, deveria vir de doações (grants), não de empréstimos. Alguns países são tão pobres que têm dificuldade de obter os recursos para fazer a transição energética a jato. Grande parte desse recurso teria que ir para os países pobres e serem doações. A COP 29 foi uma grande frustração.
#Colabora: Considerando essa sua visão de que os países deveriam antecipar para 2040 suas emissões zero, como viu os resultados da conferência e a posição do Brasil?
Carlos Nobre: Nós temos que zerar as emissões muito antes (de 2050), como número geral, em 2040. O presidente Lula no último dia do G20, falou sobre isso (em discurso aos países), até 2040, no máximo em 2045. E depois, em 2040, passar a remover, como estudos científicos mostram, seis a sete milhões de quilômetros quadrados em todo o planeta, com restauração dos biomas, principalmente das florestas, que vão remover uma grande quantidade de gás carbônico por mais de um século, então esses são os desafios.
#Colabora: O Brasil tem condição de liderar esse movimento?
Carlos Nobre: O país tem condições de zerar as emissões, talvez ser um dos primeiros países, dentre os grandes emissores, a zerar as emissões. Porque, por exemplo, em 2022, quando ainda os desmatamentos estavam muito altos, 75% das emissões do Brasil vieram, 50% dos desmatamentos Amazonas e Cerrado, 25% da agropecuária. O Brasil tem plano de zerar todos os desmatamentos, de todos os biomas, até 2030. A Ministra Marina Silva, muito corretamente, tem dito que precisa zerar todos os desmatamentos, não só os chamados ilegais na Amazônia, quase todos são ilegais, mas tem que zerar os desmatamentos, tem que proteger a floresta. O Brasil fazendo a sua parte dá uma acelerada na transição energética.
#Colabora: Como o senhor avalia o avanço nas renováveis nos Estados Unidos?
Carlos Nobre: O que os menos pessimistas dizem é que nos Estados Unidos também estão aumentando a produção de energia eólica e solar. Muitas vezes você adota essas formas de energia até porque economicamente elas fazem muito mais sentido, melhoram a economia. Ninguém está admitindo que o Trump vai ter poder político de proibir energias renováveis, porque isso também nos Estados Unidos está crescendo. É até gozado, um país, um estado que tem superprodução de petróleo, como o Texas, também é o estado que mais tem energia eólica. Que interessante. Então, acho que o Trump não vai conseguir proibir o crescimento da transição energética.
#Colabora: Como ficam o Brasil e o resto do mundo?
Carlos Nobre: Vou te dou um dado também, muito preocupante: se a gente for utilizar todos os postos de petróleo e gás natural e as minas de carvão, que já estão em exploração, chegaremos a 2050 ainda emitindo 40% a mais de gases de efeito de estufa que vem dos combustíveis fósseis. É uma coisa absurda, porque se a gente fizer isso, se a gente chegar em 2050 ainda com todas essas emissões, a temperatura vai passar muito de 2,5 graus.
#Colabora: Qual a sua expectativa para a COP 30 no Brasil?
Carlos Nobre: A nossa COP 30, aqui no Brasil, precisa ser a COP mais importante de todas. Porque se a gente continuar com o objetivo da COP26, que é reduzir em 43% as emissões até 2030, isso em relação à emissão de 2019, e zerar as emissões líquidas de 2050, mesmo assim, a gente atingiria 2,5 graus em 2050. Então, veja bem, se a gente atingir 1,5 grau agora até 2026, a gente precisa zerar as emissões muito antes de 2050.
#Colabora: Didaticamente, porque a COP 30 será mais importante, o senhor pode explicar melhor?
Carlos Nobre: Tem um monte de estudo sendo feito por aí, mas eu diria para você que a gente vai ter que atingir o net zero, emissões líquidas a zero, lá por 2040. Simplesmente porque nós não zeramos as emissões ainda e não tem jeito de zerar as emissões amanhã.
#Colabora: Que caminho o Brasil deve seguir?
Carlos Nobre: Com essa emergência climática, o Brasil tem que levar essa proposta (antecipar as metas de emissão zero) para a COP 30. Não depois de 2040, no máximo. Então, vai ter que ter a transição energética a jato. Tudo isso tem que acontecer. E aí, o Brasil tem que liderar essa discussão político-científica, tem que trazer, tem que convencer. Você entende? O Brasil tem que ser o grande líder desse debate. E, para isso, o Brasil tem que ser muito inovador e colocar metas de redução das emissões muito mais ambiciosas do que aquelas propostas na COP 26.
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Nilson Brandão é advogado e jornalista, foi repórter e editor em grandes jornais em Economia e atua hoje como consultor em comunicação estratégica e reputação por meio da Conteúdo Evolutivo.