Sete das nove fronteiras planetárias foram ultrapassadas

Governança global tem pouco tempo para reverter a crise climática e evitar o colapso ambiental

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 13
Publicada em 6 de outubro de 2025 - 09:09  -  Atualizada em 6 de outubro de 2025 - 09:51
Tempo de leitura: 14 min

Urso polar no Ártico, onde o aquecimento é mais rápido e a acidificação do oceano ameaça a vida marinha e terrestre: governança global tem pouco tempo para evitar colapso ambiental (Foto: Pixabay)

Não há como sustentar um crescimento infinito das atividades antrópicas em um planeta finito. Essa verdade, embora evidente, tem sido sistematicamente ignorada. Nos últimos 250 anos, a expansão da população e da economia ultrapassou todo o avanço ocorrido nos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens.

Entre 1772 e 2022 – a economia global cresceu 177 vezes, a população mundial cresceu 9,5 vezes e a renda per capita cresceu 18,5 vezes, como mostra o gráfico abaixo com dados do Projeto Maddison e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 1772, a população mundial estava pouco abaixo de 900 milhões de pessoas e passou para 8 bilhões de habitantes em 2022. A renda per capita global, em preços constantes em poder de paridade de compra, estava abaixo de US$ 900 e passou para cerca de US$ 15 mil em 2022.

O padrão de vida médio da população mundial aumentou significativamente, a despeito das desigualdades sociais. Há 250 anos, a mortalidade na infância estava em torno de 400 óbitos por mil nascimentos e caiu para 40 por mil atualmente, enquanto, globalmente, a expectativa de vida ao nascer passou de cerca de 25 anos para mais de 70 anos na atual década. As pessoas estão vivendo mais e com maior padrão de consumo. Porém, todo o desenvolvimento humano foi realizado às custas do retrocesso ambiental.

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Crescimento da população, PIB e renda per capita global (1772/2022)

O crescimento global da produção de bens e serviços, sustentado no uso generalizado de combustíveis fósseis, elevou significativamente as emissões de gases de efeito estufa. As emissões globais de CO2 estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a 25 bilhões de toneladas no ano 2000 e atingiram quase 40 bilhões de toneladas em 2024.

Em consequência, a concentração de CO2 que manteve uma média entre 200 e 300 ppm durante mais de 800 mil anos, começou a subir no século XIX, atingiu 300 ppm em 1920, chegou a 310 ppm em 1950, alcançou 350 ppm em 1987, registrou 400 ppm no ano do Acordo de Paris, em 2015, e marcou o recorde de cerca de 430 ppm em maio de 2025.

O aumento das emissões e da concentração de CO2 na atmosfera contribuiu para o fato de os últimos 10 anos (2015 a 2024) terem sido os mais quentes já registrados no Holoceno. Sendo que os anos de 2023 e 2024 foram os mais quentes dos últimos 125 mil anos, desde o último período interglacial. O aquecimento global acelera o degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares, o que eleva o nível dos oceanos e ameaça centenas de milhões de pessoas que vivem em áreas litorâneas.

Os eventos climáticos extremos aumentam a frequência e a intensidade de fenômenos como ondas de calor, secas prolongadas, chuvas intensas (causando inundações e deslizamentos de terra), incêndios florestais e tempestades mais severas (ciclones e tufões), além de acelerar a 6ª extinção em massa das espécies.

Diversos limites ambientais – ou “fronteiras planetárias” – foram ultrapassados evidenciando que os sistemas de suporte à vida na Terra já foram muito danificados e que o planeta está se distanciando do “espaço de operação seguro para a sobrevivência da humanidade”, como mostrei no artigo “Seis fronteiras planetárias foram rompidas aumentando o risco de um colapso ambiental global” publicado aqui no # Colabora (Alves, 25/09/2023)

A metodologia das fronteiras planetárias

O conceito de “fronteiras planetárias” foi desenvolvido por um grupo de cientistas liderados por Johan Rockström e Will Steffen em 2009. Eles propuseram esse conceito como uma maneira de entender e avaliar os limites ambientais dentro dos quais a humanidade pode operar de forma segura, evitando danos graves ao planeta e à estabilidade dos sistemas naturais que sustentam a vida.

O termo “fronteiras planetárias” descreve nove limites fundamentais que representam as condições ambientais críticas para a sobrevivência da humanidade e a estabilidade do sistema Terra. Esses nove limites são:

  • Mudança climática: Representado pelo aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera e pelos índices de aquecimento global.
  • Integridade da biosfera: Refere-se à extinção de espécies e à diminuição da diversidade biológica.
  • Mudança no uso do solo: Consiste na transformação de florestas, pastagens, pântanos, tundras e outros tipos de vegetação, principalmente em terras para agricultura e pecuária, além do desenvolvimento urbano.
  • Fluxos biogeoquímicos de nitrogênio e fósforo: Mede a quantidade de nitrogênio sintético e fósforo liberados no meio ambiente, que pode causar poluição da água e do solo.
  • Destruição do ozônio estratosférico: Há mais de 35 anos, o mundo concordou em banir os clorofluorcarbonos (CFCs), substâncias químicas que estavam causando um buraco na camada de ozônio.
  • Uso global da água doce: Relacionado à quantidade de água doce consumida pela humanidade e sua disponibilidade.
  • Acidificação dos oceanos: Relacionada à diminuição do pH dos oceanos devido à absorção de dióxido de carbono, afetando ecossistemas e ameaçando a vida marinha.
  • Carga de aerossóis estratosféricos: Relacionadas à liberação de partículas na atmosfera que podem afetar o clima.
  • Incorporação de novas entidades: Trata-se de elementos ou organismos modificados por humanos, assim como substâncias totalmente novas. Isso inclui uma lista de centenas de milhares de entidades que variam de materiais radioativos até microplásticos.

O conceito das fronteiras planetárias foi desenvolvido com base na ideia de que ultrapassar esses limites pode levar a mudanças ambientais abruptas e irreversíveis que ameaçam a estabilidade do sistema Terra e, consequentemente, a capacidade da humanidade de sobreviver e prosperar no longo prazo. Portanto, a abordagem das fronteiras planetárias busca estabelecer limites seguros para esses indicadores ambientais, a fim de garantir um ambiente estável e sustentável para as gerações presentes e futuras.

A conceituação original da metodologia das “Fronteiras Planetárias” foi publicada pela primeira vez na revista Nature em 2009 (Rockström et al, 23/09/2009). A segunda atualização de toda a estrutura metodológica foi publicada na revista Science em 2015 (Steffen et al, 15/01/2015). Todos os limites planetários foram reavaliados na terceira grande atualização da estrutura metodológica publicada na revista Science Advances em 2023 (Richardson et al, 13/09/2023)

Na primeira avaliação das fronteiras planetárias, realizada em 2009, apenas três dos limites tinham sido superados. Posteriormente, em 2015, este número subiu para quatro. Em 2023, os novos estudos concluíram que foram superados seis dos nove limites dos processos que regulam a estabilidade e a resiliência do sistema da Terra.

Em novo relatório do Laboratório de Ciências de Fronteiras Planetárias do Instituto de Pesquisa de Impacto Climático de Potsdam (PIK) foi constatado que 7 das 9 fronteiras críticas do sistema terrestre já foram ultrapassadas.

Branqueamento de corais no litoral do Nordeste: efeito da acidificação dos oceanos (Foto: Beatrice Padovani / Peld / UFPE)

Acidificação dos oceanos: a sétima fronteira foi ultrapassada

Em 2025, o Laboratório de Ciências de Fronteiras Planetárias (PIK, 2025) indica que sete das nove fronteiras críticas do sistema terrestre foram ultrapassadas, deixando apenas a depleção da camada de ozônio e a carga de aerossóis dentro dos limites seguros.

Assim, o Exame de Saúde Planetária de 2025 revela uma nova e preocupante constatação: o limite de acidificação dos oceanos foi rompido pela primeira vez. Essa mudança, impulsionada principalmente pela queima de combustíveis fósseis e agravada pelo desmatamento e mudanças no uso da terra, está degradando a capacidade dos oceanos de atuarem como estabilizadores da Terra.

Isso marca a sétima fronteira transgredida, empurrando a humanidade ainda mais além da zona segura para a civilização. As consequências já são perceptíveis: a acidificação dos oceanos já ultrapassou o que é considerado seguro para a vida marinha e os ecossistemas já estão sentindo os efeitos. Corais de águas frias, recifes de corais tropicais e a vida marinha do Ártico estão especialmente em risco, à medida que a acidificação continua se intensificando. Fitoplâncton e zooplâncton, base da vida marinha, também sofrem alterações metabólicas.

Segundo o novo relatório de 2025, desde o início da era industrial, o pH da superfície do oceano caiu cerca de 0,1 unidade, um aumento de 30 a 40% na acidez, empurrando os ecossistemas marinhos para além dos limites seguros. Pequenos caracóis marinhos, conhecidos como pterópodes, já apresentam sinais de danos em suas conchas. Sendo uma importante fonte de alimento para muitas espécies, seu declínio afeta cadeias alimentares inteiras, com consequências para a pesca e, em última análise, para as pessoas e a segurança alimentar da população mundial.

Sete das nove fronteiras planetárias já foram ultrapassadas

Essa acidificação crescente decorre principalmente das emissões de combustíveis fósseis e, juntamente com o aquecimento e a desoxigenação, afeta tudo, desde a pesca costeira até o oceano aberto. As consequências se espalham, impactando a segurança alimentar, a estabilidade climática global e o bem-estar humano. A acidificação dos oceanos representa uma luz vermelha de alerta piscando no painel da estabilidade planetária. Os principais impactos para a população mundial são:

1 – Segurança alimentar: milhões de pessoas dependem da pesca e da maricultura como fonte primária de proteína. A acidificação dificulta a formação de conchas e esqueletos de moluscos (ostras, mexilhões) e crustáceos (camarões, caranguejos), além de afetar peixes em fases iniciais de vida. Isso ameaça a sustentabilidade da pesca e pode causar escassez alimentar em regiões costeiras, especialmente em países em desenvolvimento.

2 – Impactos econômicos: setores como pesca, aquicultura e turismo (particularmente o turismo associado a recifes de corais) estão em risco. Estima-se que bilhões de dólares em serviços ecossistêmicos estejam em jogo, sobretudo em países tropicais e insulares.

3 – Perda de proteção costeira: Corais e outros organismos calcificadores formam barreiras naturais contra ondas, tempestades e erosão. Com a acidificação, essas estruturas ficam mais frágeis ou deixam de se regenerar, aumentando a vulnerabilidade das populações costeiras diante de ciclones, ressacas e da elevação do nível do mar.

4 – Saúde e bem-estar: Comunidades que perdem recursos pesqueiros podem sofrer com desnutrição e insegurança alimentar. A perda de biodiversidade reduz o potencial de descobertas de novos compostos medicinais vindos do oceano. Estresse socioeconômico em populações dependentes do mar pode gerar migração forçada e conflitos.

5 – Efeitos indiretos no clima: Os oceanos absorvem cerca de 25% do CO₂ emitido pela humanidade. Se sua capacidade de regulação climática for comprometida, isso pode acelerar o aquecimento global, gerando impactos adicionais para toda a população mundial: secas, enchentes, ondas de calor e eventos extremos.

Governança global e COP30 em Belém

A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do planeta, e a crise climática e ambiental coloca em risco a própria habitabilidade da Terra. Somente uma ação firme da sociedade civil e dos líderes governamentais poderá frear a degradação dos ecossistemas e restaurar o equilíbrio climático.

Porém, a governança global está enfraquecida devido a diversos fatores:

  • – Fragmentação política – cada país tem interesses nacionais imediatos (crescimento econômico, energia, segurança alimentar), muitas vezes conflitantes com a necessidade de cooperação internacional.
  • – Desigualdade Norte–Sul – países ricos têm maior responsabilidade histórica pelas emissões e pelo consumo de recursos, mas países em desenvolvimento demandam espaço para crescer. As emissões de CO2 não caem no ritmo necessário nos países desenvolvidos e continuam subindo nos países emergentes.
  • – Instituições limitadas – a ONU e seus tratados ambientais (como a Convenção do Clima ou da Biodiversidade) têm baixa capacidade coercitiva: dependem do consenso e da boa vontade dos Estados.
  • – Curto-prazismo econômico – a lógica financeira global privilegia retornos rápidos, enquanto a sustentabilidade exige transformações estruturais e investimentos de longo prazo.
  • – Pressões corporativas e desinformação – setores ligados a combustíveis fósseis, agronegócio predatório e mineração atuam contra políticas ambientais mais rígidas e difundem ideias negacionistas.
  • – As políticas de Donald Trump na governança do clima são marcadas por ações antiambientais. Ele simboliza, ao mesmo tempo, a força da resistência contra a agenda climática global e a dificuldade de construir uma governança efetiva em torno do espaço seguro das fronteiras planetárias.

A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30, será a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, prevista para ocorrer entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025, na cidade de Belém (PA) e será um momento decisivo para evitar um colapso ambiental.

O presidente Lula, em discurso na abertura da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em 29 de setembro de 2025, fez uma forte defesa do multilateralismo, cobrou a apresentação das novas metas climáticas dos países sob o Acordo de Paris e disse que a COP30 em Belém será a “COP da Verdade”.

É inquestionável que ultrapassar as fronteiras planetárias aumenta os riscos ambientais e climáticos, tanto no presente quanto no futuro. O planeta já ingressou em um novo estado, perigoso e altamente instável. Mais do que discursos bem elaborados, o mundo necessita de ações rápidas e concretas, pois resta pouco tempo para garantir que a COP30 seja, de fato, efetiva e decisiva.

Referências:

ALVES, JED. Seis fronteiras planetárias foram rompidas aumentando o risco de um colapso ambiental global, # Colabora, 25/09/2023 https://projetocolabora.com.br/ods6/risco-de-colapso-ambiental-cresce-com-o-rompimento-de-seis-fronteiras-planetarias/

JOHAN ROCKSTRÖM et al. A safe operating space for humanity, Nature, 23 September 2009

https://www.nature.com/articles/461472a

WILL STEFFEN et al. Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet, Science, 15 January 2015 https://www.science.org/doi/10.1126/science.1259855

KATHERINE RICHARDSON et al. Earth beyond six of nine planetary boundaries, Science Advances, 13 September 2023 https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.adh2458

NOAA. Billion-Dollar Weather and Climate Disasters, National Oceanic and Atmospheric Administration, 11/09/2023  https://www.ncei.noaa.gov/access/billions/

Planetary Boundaries Science (PBScience). Planetary Health Check 2025. Potsdam Institute for

Climate Impact Research (PIK), Potsdam, Germany, 2025

https://www.planetaryhealthcheck.org/wp-content/uploads/PlanetaryHealthCheck2025.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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