Algas podem tomar lugar de corais nos recifes do litoral brasileiro

Aquecimento dos oceanos está provocando migração de peixes o que levará a mudanças em paisagens costeiras no Nordeste e do Caribe

Por Agecom UFRN | ODS 13ODS 14 • Publicada em 9 de outubro de 2020 - 09:00 • Atualizada em 7 de outubro de 2021 - 12:37

Recifes de corais – parrachos de Maracajú – no litoral do Rio Grande do Norte: cenário turístico ameaçado pelo aquecimento dos oceanos (Foto: Divulgação)

(Marcos Neves Jr.*) Nos próximos 30 anos, a distribuição e a alimentação dos peixes herbívoros vai passar por mudanças drásticas no Oceano Atlântico. Por conta do aquecimento das águas oceânicas, tende a diminuir a densidade de peixes se alimentando na região tropical, migrando para outras áreas com temperaturas mais amenas, modificando o ecossistema marinho e trazendo impactos também para atividades como pesca e turismo, inclusive no litoral brasileiro.

A previsão é feita por cientistas do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPGECO) e do Departamento de Oceanografia e Limnologia (DOL) da UFRN em artigo intitulado Interações tróficas se expandirão geograficamente, mas serão menos intensas em um oceano mais quente, publicado esta semana, no periódico científico Global Change Biology. “O aumento de temperatura pode levar os peixes a uma sobrecarga fisiológica em relação ao comportamento e à alimentação deles. Por exemplo, em um dia de calor, nós ficamos mais lentos e perdemos a fome, então seria algo semelhante com os peixes. Um ambiente mais quente pode fazer com que eles não apresentem um desempenho tão bom como têm atualmente”, explica a pesquisadora do Laboratório de Ecologia Marinha do DOL e autora principal do artigo, Kelly Inagaki.

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[g1_quote author_name=”Kelly Inagaki” author_description=”Bióloga e pesquisadora da UFRN” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Ações que reduzam a progressão e o impacto das mudanças climáticas são urgentes. Caso contrário, nós estaremos assumindo o risco de perder os ambientes recifais e todos os seus benefícios

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Ao se alimentarem, os peixes herbívoros controlam a quantidade de algas e outros organismos nos recifes, mantendo o ambiente equilibrado. O estudo, porém, alerta que esse equilíbrio está em acelerada ameaça. Com as águas mais quentes, as interações tróficas desses peixes, ou seja, a forma como se movimentam e a intensidade com a qual buscam comida, devem se modificar, podendo acontecer em outras regiões, diminuindo a diversidade desses ambientes.

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Dessa forma, paisagens conhecidas pela exuberância, como os parrachos de Maracajaú, no Rio Grande do Norte; as piscinas naturais de Porto de Galinhas, em Pernambuco, e o Caribe, na América Central, vão perder essa característica até 2050. Isso porque os recifes, antes habitados por corais, podem ser completamente tomados por algas, graças às mudanças de comportamento dos peixes com o aquecimento das águas. “Ações que reduzam a progressão e o impacto das mudanças climáticas são urgentes. Caso contrário, nós estaremos assumindo o risco de perder os ambientes recifais e todos os seus benefícios” acrescenta Kelly Inagaki.

Interações trópicas dos peixes - a forma como se movimentam e a intensidade com a qual buscam comida - devem se modificar com o aquecimento dos oceanos, alertam cientistas (Gráfico: Kelly Inagaki/UFRN)
Interações trópicas dos peixes – a forma como se movimentam e a intensidade com a qual buscam comida – devem se modificar com o aquecimento dos oceanos, alertam cientistas (Gráfico: Kelly Inagaki/UFRN)

E de quanto é essa elevação da temperatura nos oceanos? No litoral potiguar, por exemplo, a atual média anual é de 27º-28º, devendo ficar entre 28º-30º em 2050 e podendo passar dos 30º em 2100. A velocidade crescente dessa variação, somada às ondas de calor cada vez mais frequentes, oferece um desafio grandioso à habilidade de resistência da vida marinha. “Este cenário é extremamente preocupante porque ultrapassa a tolerância máxima de diversas espécies marinhas. Diferente de um lagarto que se abriga na sombra quando está muito quente, corais e peixes têm muita dificuldade e, geralmente, não conseguem encontrar esses refúgios, por isso são extremamente vulneráveis ao aquecimento”, alerta o pesquisador do DOL e professor Guilherme Longo, autor correspondente do artigo

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Precisamos rever nossos padrões de consumo, diminuindo o uso excessivo de veículos e o consumo de carne bovina, além de reduzirmos outros impactos locais sobre os recifes como poluição, pesca e uso desordenado. Com menos ameaças locais, aumentamos as chances de resistência e recuperação da vida marinha em relação aos impactos globais

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Para chegar às conclusões descritas no estudo, os pesquisadores fizeram mais de mil vídeos subaquáticos em recifes desde a Carolina do Norte, nos Estados Unidos, até Santa Catarina, no sul do Brasil. A partir dessas imagens, foram identificadas ocorrência, abundância e pressão de alimentação dos peixes sobre o recife. Então eles aplicaram modelos matemáticos para projetar como essas variáveis devem se comportar diante do aquecimento dos oceanos previstos para 2050 e 2100.

Com uma abrangência geográfica que inclui os dois hemisférios do oceano Atlântico, o estudo pode ser considerado pioneiro ao obter uma amostragem de campo dessa magnitude. Segundo Guilherme Longo, foi isso que possibilitou a abordagem sobre as interações ecológicas com tamanha base dados, possivelmente uma das maiores já registradas. “Até o momento, não conhecemos nenhum trabalho projetando respostas de interações ecológicas às mudanças climáticas em uma escala espacial tão ampla. A previsão de mudanças tão drásticas em interações ecológicas importantes, podendo levar ao surgimento de recifes com cobertura muito diferentes do que conhecemos hoje, é alarmante”, afirma o pesquisador.

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Recifes podem ter menos peixes, afetando pesca e turismo

Não bastasse o impacto ambiental, tais mudanças têm potencial para afetar o turismo e a pesca na região. Os recifes oferecem refúgio e alimento para grande parte do pescado que consumimos, a exemplo do sirigado, da cioba e de polvos e lagostas. Além disso, os passeios subaquáticos como atividade econômica importante que são para o Rio Grande do Norte dependem de um ambiente saudável e com beleza cênica.

“Uma das potenciais consequências da perda de interações é tornar os recifes homogêneos, ou seja dominados por poucos organismos, com menos peixes e pouco diverso. Mergulhadores buscam por ambientes saudáveis e diversificados. Por isso essas mudanças na paisagem subaquática podem ser tão preocupantes para a pesca e o turismo”, detalha o pesquisador.

Peixe paraguaio em recife no litoral brasileiro: aquecimento dos oceanos pode fazer peixes migrarem para águas mais frescas (Foto: Sergio Floeter/UFSC)
Peixe paraguaio em recife no litoral brasileiro: aquecimento dos oceanos pode fazer peixes migrarem para águas mais frescas (Foto: Sergio Floeter/UFSC)

Nas palavras de Guilherme Longo, “o cenário é complexo e a situação, alarmante, mas não dá para jogar a toalha”. Nesse sentido, o pesquisador explica que, além de avaliar cuidadosamente projetos e condutas ambientais dos representantes da população nas esferas municipal, estadual e federal, é extremamente importante diminuir a emissão de gases de efeito estufa, como gás carbônico e metano. “Precisamos rever nossos padrões de consumo, diminuindo o uso excessivo de veículos e o consumo de carne bovina, além de reduzirmos outros impactos locais sobre os recifes como poluição, pesca e uso desordenado. Com menos ameaças locais, aumentamos as chances de resistência e recuperação da vida marinha em relação aos impactos globais”, ressalta o professor.

Seguindo a mesma linha, Kelly Inagaki afirma que é possível desacelerar esse processo controlando melhor o uso dos recursos naturais e tendo mais atenção a hábitos individuais do cotidiano. “Aquilo que nós colocamos dentro de casa e sai pelo ralo de alguma forma vai chegar ao mar, ou seja, temos de pensar nisso como um ciclo no qual tudo está interligado”, conclui a pesquisadora. Também assinam o artigo os pesquisadores Maria Pennino, do Instituto Oceanográfico Espanhol; Mark Hay, do Georgia Institute of Technology (Estados Unidos), e Sergio Floeter, da Universidade Federal de Santa Catarina.

*Agecom UFRN

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