Uma experiência ruim no início da carreira levou o administrador Fábio de Paulo a repensar o modelo de ação que pretendia adotar ao escolher trabalhar com moda. A dificuldade em contratar mão de obra qualificada, manter um padrão de acabamento e conseguir parceiros que cumprissem prazos levou a estilista Mariana Izahias a desistir da sociedade em uma confecção de roupas esportivas e buscar uma moda sustentável.
Diego Escobar, umbandista, começou a fazer camisetas temáticas, inspiradas nas religiões de matrizes africanas, para uso próprio. Os amigos gostaram, e a produção foi aumentando até o momento em que, sozinho, ele não conseguia mais atender à demanda. Christi Dardenne, fisioterapeuta e acupunturista, começou a criar os próprios biquínis depois de esgarçar o modelo favorito, de pano, comprado dez anos atrás.
No mesmo intuito, de produzir o que gostaria de vestir e não encontrava por aí, a artista visual Julia Aizenman resolveu transformar suas criações em peças de roupa. Quando percebeu que algumas etapas do processo tomavam tempo, dinheiro, e não eram nem de longe tão sustentáveis ou socialmente justas como gostaria, juntou-se a Christi, Diego e outros 13 criadores clientes da Rosa Parks Cadeia de Produção, no Rio de Janeiro.
A escolha do nome, uma homenagem à costureira americana, negra, que, em 1955, se recusou a ceder seu assento no ônibus para um branco, em Montgomery, no Alabama, indica o propósito de estabelecer relações de trabalho satisfatórias para todos os envolvidos na linha de produção. E usar a experiência de Fábio, Mariana e algumas outras pessoas para contornar dificuldades e encontrar as melhores soluções.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosModa sustentável: parceria permite ampliar criação e produção
Diego Escobar foi o primeiro a apostar no modelo. Em 2017, a sua Pombou, que crescia aos poucos, boca a boca, entrou no edital Sebrae Moda Afro para aulas de empreendedorismo e profissionalização de marca. Vieram os convites para participar de feiras e eventos. E as necessidades de trabalhar com estoque e oferecer aos clientes opções de produto mais variadas. “Deixei de ser aquele cara que vendia camisetas e entrei no mercado. A parceria com a Rosa Parks permitiu abrir o leque. Desenvolvemos bermudas de linho e macacões, por exemplo”, conta.
A pandemia de covid-19 deu uma freada no negócio. As vendas no momento são combinadas por mensagens diretas no Instagram. Sem pontos de venda físicos, a produção caiu. Mas o empresário diz que está encarando a pausa como “recesso criativo”.
O isolamento social foi o pontapé que faltava para lançar Julia Aizenman na aventura da A/Z. No início, ela criava, cortava, estampava, costurava, divulgava, vendia, embalava e ia de máscara para os Correios enviar os pedidos. Quando a velha máquina Singer herdada da avó e os dedos cansaram, foi atrás de costureiras. Viu o perrengue que ia ser levar os cortes e buscar as peças, apesar da produção pequena. Desde que transferiu as etapas de costura, controle de qualidade e distribuição para Fábio e Mariana, está satisfeita. “Ganhei tempo para a criação e o que economizo em deslocamento pôde ser revertido em remuneração melhor para as costureiras”, comemora.
Sócios da Rosa Parks se unem por trabalho justo
Foi a visão de costureiras trabalhando em condições similares a trabalho escravo que plantou em Fábio de Paulo a semente ainda vaga do que faria no futuro: “Eu já gostava de moda desde adolescente. Em 2008, estudava marketing e um colega me chamou para fazer produção de marca. Fomos a esse prédio em São Cristóvão. Não tenho certeza, mas as mulheres pareciam bolivianas. E havia crianças ali, bebês. Saí de lá chocado e desisti do trabalho”. Foi quando uma amiga em comum o apresentou a Mariana Izahias, que tinha desenvolvido uma doença autoimune de tanto estresse. “Eu fornecia para outras empresas. Era cobrada e tinha que cobrar. A produção era longe, depois de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias. A organização era péssima”, explica.
Nascia, ali, há seis anos, uma sociedade, com Fábio cuidando da logística e Mariana, da produção, de consultoria a controle de qualidade. Maria José Barbosa Lopes de Souza, a Nena, primeira costureira a aderir ao projeto, chegou por razões sentimentais. “Vi a Mariana nascer”, conta. As duas são o que se chama filhas de peixe. Nena, que aprendeu a costurar com a mãe, trabalhou na antiga confecção da família de Mariana. E deixou um trabalho de larga escala, costurando uniformes, para se juntar à dupla. “Acho que no início ela acreditou mais do que nós”, brinca a estilista.
Para Nena, a mudança foi de qualidade: “Antes eu só costurava calça e blazer de tecido barato, tipo Oxford. Agora faço muita coisa bonita. As roupas são lindas. A maioria para jovem. Mas, de vez em quando, tiro um modelo que acho que me cai bem e faço para mim. Se eles concordam, claro. E ganho mais por peça também”.
Remuneração das costureiras é negociada individualmente
Os valores pagos às nove costureiras parceiras da empresa variam porque são negociados caso a caso. A Rosa Parks recebe uma taxa mensal fixa, que também muda de acordo com o pacote de serviços acordado com cada marca. No caso da Pombou o contrato inclui consultoria para desenvolvimento e criação, modelagem, pilotagem, corte, costura e controle de qualidade. Em tempos sem feiras e eventos, o próprio Diego faz as entregas: “Adoro conhecer os clientes”.
Da casa de parentes em Pernambuco, onde foi se recuperar da covid-19, Christi Dardenne conta que sua d’Pano Biquínis ainda é muito caseira. Ela mesma tinge os tecidos, de algodão orgânico, em um apartamento no Rio, usando vinagre de maçã para fixar a cor. Costumava enviar tudo para sua “cortadora maravilhosa” em Curitiba. Algumas peças ainda fazem este percurso. Mas uma parte agora é cortada na Rosa Parks, que costura tudo. “A Mariana me ajudou muito nesta reorganização”, diz Christi.
“Sou meio metida, dou palpite em tudo, até nos modelos, sempre que me dão oportunidade”, diz Mariana.
Slow fashion: peças em 100% algodão da d'Pano Biquínis | Fotos de divulgação
‘Slow fashion’: produção é adaptada ao ritmo de cada um
Em 2020, a necessidade de afastamento social reforçou o sistema de trabalho em que cada um atua de casa. E os roteiros para transporte das mercadorias seguem planejamentos meticulosos, que não excluem camaradagem. “Cada costureira tem seu processo e procuramos distribuir trabalho para todas sem prazo apertado. Há uma que gosta de começar a trabalhar cedo. Entregamos peças para ela às 7h. Outra é só à tarde. E tem a que reclama que a gente não vai mais à casa dela comer bolo”, conta Fábio.
“É tudo organizado, para funcionar, mas muito pessoal. São vários caderninhos”, diz Mariana, ressaltando que buscou colaboradores no entorno do bairro do Grajaú, onde a empresa está sediada. O raio inclui Lins, Jacaré, Sampaio, Rocha, Tijuca e Vila Isabel.
Há apenas um cliente fora do Rio, em Niterói. Todos têm em comum a produção artesanal, e Fábio conta que a seleção é quase natural: “Quando o conceito da marca foge muito à nossa filosofia não temos nem condições de atender. Por exemplo, uma vez recebemos uma proposta para produzir 400 macacões por semana. É muita quantidade em pouco tempo. Não aceitamos. Nosso negócio é slow fashion”.
AMEI TUDO E VOCÊS ESTÃO DE PARABÉNS…DEUS ABENÇOE