Uma fashion week diferente começa neste domingo, dia 17, no Rio e em outras 25 cidades brasileiras. Em desfile, em vez de tendências da moda para a próxima estação, muita discussão sobre de onde vêm as roupas que estamos usando hoje, enquanto eu digito este texto e você o lê. Isso porque o Brasil faz parte do grupo de 86 países que vestem a camisa do Fashion Revolution Day, criado para marcar a data em que, dia 24 de abril de 2013, veio abaixo o Rana Plaza, prédio de oito pisos que abrigava quatro fábricas de roupa independentes, com cerca de 5 mil empregados no total, e um centro comercial em Savar, na periferia de Daca, a capital do Bangladesh. Testemunhas contaram, na ocasião, que apesar de relatos de rachaduras, o imóvel continuou em uso até desabar. As buscas terminaram no dia 13 de maio, quando já haviam sido contabilizados 1127 mortos, além de 2.500 feridos. No local eram produzidas peças para marcas como Primark, Benetton, Mango, Walmart e El Corte Inglés, entre outras.
[g1_quote author_name=”Patrícia Barbalho Sant’Ana” author_description=”Coordenadora do Fashion Revolution Day RJ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]É caro fazer uma roupa: tecidos, tributos, mão de obra… Se ela é muito barata, tem algo muito errado. Se uma peça custa seis dólares, pode ter certeza de que a pessoa que a fez ganhou centavos para confeccioná-la
[/g1_quote]Quem nunca comprou produtos com etiquetas como essas? Mas o que prega uma das líderes do Fashion Revolution no mundo, a inglesa Carry Somers, não é o boicote às suas lojas favoritas, mas a necessidade de mudança da indústria da moda. Em entrevista à revista “Marie Claire”, ela resume: “Marcas e varejistas podem não estar prestando a atenção ao que as pessoas que abastecem suas cadeias estão dizendo, mas eles com certeza vão prestar mais atenção ao que seus consumidores estão dizendo. Nós temos um poder inacreditável como consumidores. Só precisamos usá-lo”.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamos“Buscamos uma forma de falar isso ao público. A indústria tem que mudar, mas o consumidor tem que ser chamado a atenção. O Rana não foi o primeiro e nem vai ser o último a cair por más condições de uso. Mas sua queda levantou a questão sobre as condições de trabalho das costureiras: carga horária muito grande, muita gente junta em condições insalubres, ganhando pouquíssimo… uma coisa foi puxando a outra. Na época, as marcas que tinham peças sendo feitas lá disseram que não podiam ser responsabilizadas pelo ocorrido. Como não?!”, questiona Patricia Barbalho Sant’Ana, coordenadora regional do Fashion Revolution Rio de Janeiro, que organiza o evento programado para acontecer na cidade, e que será dividido entre o Instituto Eixo Rio, em Botafogo, e o Instituto Europeo di Design (IED), na Urca: “É caro fazer uma roupa: tecidos, tributos, mão de obra… Se ela é muito barata, tem algo muito errado. Se uma peça custa seis dólares, pode ter certeza de que a pessoa que a fez ganhou centavos para confeccioná-la”.
Nove bilhões de peças de roupas são produzidas anualmente pelo mundo, e 387 bilhões de litros de água são consumidos anualmente pela indústria têxtil para isso. A boa notícia é que empresas que comercializam peças reutilizadas cresceram 210% em cinco anos. Mas é preciso mais. Entre os objetivos do movimento estão aumentar a conscientização sobre a necessidade de valorizar e respeitar as pessoas; preservar o meio-ambiente; promover criatividade e inovação; e distribuir riquezas em medidas justas. Sua missão é sensibilizar e conscientizar a sociedade para tornar estas crenças realidade. O motor dessa conscientização é a pergunta: “Quem fez minhas roupas?”
A Fashion Revolution é uma entidade mundial, com representação no Brasil e em vários países do mundo, atuando na erradicação do trabalho escravo e de péssimas condições na indústria têxtil. A organização conta com o apoio da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), do Ministério Público Federal, da prefeitura de São Paulo, da secretaria de Direitos Humanos e Trabalho Decente do ministério do Trabalho, da Stop Trafic e da 27Million Brasil, que combate o trabalho escravo, entre outros parceiros espalhados pelo globo.
“Como na Inglaterra, onde tudo começou, é a terceira vez que o Fashion Revolution Day é lembrado aqui. No ano passado, foram 15 eventos em 12 cidades. Este ano são 40, em 26 cidades. Sempre aparecem mais. O crescimento dessa lista é orgânico e contínuo”, diz Fernanda Simon, que é coordenadora do Fashion Revolution Brasil desde o primeiro ano, 2014, além de consultora de moda sustentável e ativista.
A programação do Fashion Revolution é extensa em todo país. No Rio, a abertura da semana da revolução da moda será no Instituto Eixo Rio (Rua São Clemente 117, em Botafogo, próximo ao metrô). O evento, que começa meio dia e termina às 18h, é gratuito. Lá, haverá oficinas e bate-papos, com temas como “O papel da Moda: Expressão, experimentação e empoderamento”, “Ressignificando a Moda – Consumo e descarte” e “Um novo olhar para o mercado”. Já nos dias 18, 19 e 20 de abril, o IED (Av. João Luis Alves 13, na Urca) será palco de workshops de temas como uppcycling.
Alunos de 27 faculdades e escolas de moda de todo o país estão confeccionando bandeiras para a data. Depois, elas têm que ter um uso, um fim. Podem virar enchimento ou cobertor para ser doado a pessoas carentes, por exemplo. Quem quiser participar da campanha pela internet está sendo convidado a tirar uma foto com uma peça de roupa do lado avesso e postar em suas redes sociais perguntando à marca: “#QuemFezMinhasRoupas”? (use as hashtags #whomademyclothes e #FashRev). Em todas as edições anteriores o tema chegou aos trending topics to Twitter.
Os organizadores também lançam no dia 17 um vídeo que pretendem que se torne viral mostrando a Fashion Experience, ação realizada na Avenida Paulista, em São Paulo, de 28 de janeiro a 5 de fevereiro, e que fez muito sucesso: as pessoas eram atraídas pela vitrine de uma loja com peça lindas e anunciadas por preços bem baixos. Entravam para conferir e, lá dentro, encontravam um ambiente escuro, calorento e barulhento, com vídeos exibindo o que está por trás da confecção de muitas roupas. Depois, elas entravam em uma sala branca para mostra fatores positivos da indústria têxtil. A ação foi inspirada em outra, que deu origem a este vídeo: