Quem são os escravos das grandes cidades?

Protesto contra uma sapataria de luxo acusada de usar trabalho escravo, em março de 2014. (Foto Miguel Schincariol / AFP)

Metrópoles também têm pessoas em trabalhos análogos à escravidão, principalmente na construção civil e na moda

Por Bibiana Maia | ODS 12 • Publicada em 7 de fevereiro de 2017 - 08:40 • Atualizada em 27 de janeiro de 2022 - 13:24

Protesto contra uma sapataria de luxo acusada de usar trabalho escravo, em março de 2014. (Foto Miguel Schincariol / AFP)

Não é apenas na zona rural do Norte ou do Nordeste, como muitas pessoas imaginam, que existem casos de trabalho análogo à escravidão. Essa realidade está presente em grandes centros do Sudeste, como Rio de Janeiro e São Paulo. Se, no campo, os trabalhadores atuam na agropecuária, na cidade, os ofícios são ligados à construção civil e à indústria têxtil, principalmente.

Em 2015,  ao menos 1.111 trabalhadores foram libertados, de acordo com dados do Ministério do Trabalho. Desses resgates, 668 foram realizados na região Sudeste –  60% do total do país naquele ano. Minas Gerais foi o estado que retirou mais pessoas dessas condições (45%), seguido de Maranhão (10%) e Rio de Janeiro (9%).

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Tem muitos chineses, latino-americanos e refugiados que sentem que conseguir trabalho, da forma que for, é muito bom. Eles não conseguem entender que estão numa condição de trabalho escravo

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No Estado do Rio, 70% dos casos de tráfico de pessoas são para fins de trabalho escravo. O Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo, vinculado à Secretaria de estado de Assistência Social e Direitos Humanos,  atendeu, entre 2014 e 2016, 192 casos de tráfico de indivíduos para fins de exploração laboral.

Mig Jeans: jovens de marca de roupas que aposta na economia circular fazem campanha contra escravidão na moda (Foto de divulgação)
Mig Jeans: jovens de marca de roupas que aposta na economia circular fazem campanha contra escravidão na moda (Foto: Divulgação)

“Até 2013, trabalhávamos com a ideia de que o trabalho escravo era para a exploração sexual. Até que descobrimos que, majoritariamente, no Rio, era para trabalho urbano”, explica Savia Cordeiro, assessora da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio, que esteve presente no Esquenta Fashion Revolution, no dia 28 de janeiro. O evento, que foi realizado no Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, funcionou como uma preparação para a quarta edição do Fashion Revolution, em abril, e busca a transparência na cadeia produtiva da moda.

Segundo a ONG Repórter Brasil, de 1995 a 2015, cerca de 50 mil pessoas foram libertadas do trabalho análogo ao de escravo no país. Diz-se análogo à escravidão porque teoricamente ela foi abolida com a Lei Áurea, em 1888, assinada pela Princesa Isabel. Quatro elementos caracterizam essa violação às leis trabalhistas: condições degradantes, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida.

Esquenta do Fashion Revolution: mesa sobre trabalho análogo ao escravo nas metrópole (Foto: Divulgação)

“As pessoas falam que o trabalho escravo é cercear o direito de ir e vir, mas isso não é a regra. Depende também das condições sociais e da vulnerabilidade em que o trabalhador está. Encontramos um chinês, por exemplo, que não falava o nosso idioma e que não possuía dinheiro, então não tinha o direito de ir e vir, mas ele não estava amarrado ou algemado. Muitas vezes também não há agressões físicas. São mitos que a gente precisa retirar do conceito de trabalho escravo”, revela Guadalupe Louro Turos Couto, procuradora do Ministério Público do Trabalho.

Segundo Savia, a SEASDH buscou um modelo que já estava sendo implementado no Mato Grosso, que é o de ação integrada, com um atendimento que auxilia a qualificação profissional dos resgatados, que basicamente são migrantes. Caso o resgatado queira voltar para seu local de origem, também existe um acompanhamento para que não corra riscos. “Prestamos um atendimento para trazer autonomia, porque esta é a principal forma de quebrar o ciclo. Ele tem que perceber que é um sujeito de direito, e isso é muito difícil porque estamos falando de pessoas que vivem em condições de vulnerabilidade há décadas. Tem muitos chineses, latino-americanos e refugiados que sentem que conseguir trabalho, da forma que for, é muito bom. Eles não conseguem entender que estão numa condição de trabalho escravo”.

Segundo a Repórter Brasil, 95% das pessoas libertadas são homens, sendo 83% com idade entre 18 e 44 anos. Ainda de acordo com a ONG, 33% são analfabetos e 39% estudaram até o quinto ano, o que corrobora a necessidade de qualificação para que essas pessoas sejam reinseridas e não caiam novamente num ciclo de exploração.  “O que motiva estas pessoas é um sonho, que pode ser de uma vida melhor. Quando a gente trabalha com o libertado, o que fazemos é avaliar aquilo que ele pode ser. Ele está vindo de uma situação de aceitar e juntos vamos pensar no que ele pode se tornar”, explica Savia.

Bibiana Maia

Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.

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