ODS 1
Produtores gaúchos utilizam agricultura regenerativa para diminuir custos
Plano Safra 2023/24 e projeto de lei estadual preveem incentivos para produção sustentável que reduza os impactos ambientais
Ao anunciar o Plano Safra 2023/24, o governo federal sinalizou com incentivos para práticas sustentáveis na agricultura: taxas menores para produtores recuperarem áreas degradadas e preservar a biodiversidade no meio rural. O plano prevê R$364,2 bilhões para médios e grandes produtores. Já a agricultura familiar deve receber R$70 bilhões para financiamentos.
No Rio Grande do Sul, o Projeto de Lei 104/2023 aponta para a mesma direção: criar uma política de bioinsumos com base na agricultura regenerativa. A ideia é maximizar os recursos das propriedades pelos próprios agricultores, uma prática que, além de diminuir os custos de produção, colabora com a produção de alimentos mais saudáveis e com menos agrotóxicos. Através da iniciativa, o estado vai oferecer novas linhas de créditos para que agricultores invistam em biofábricas de produção de insumos naturais. O projeto também estabelece a criação de uma rede de apoio entre instituições de pesquisa, ensino, extensão rural e organizações de produtores rurais.
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Este exemplo regional e as sinalizações do governo Federal com o Plano Safra demonstram preocupação com a transição do modo de produção para um sistema sustentável. De acordo com o professor Vinícius Dalbianco, do curso de Agronomia da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), a agricultura regenerativa, conceito chave no projeto apresentado na Assembleia Legislativa gaúcha, é um sistema de produção baseado em processos naturais sustentáveis de recuperação dos biomas e solos.
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Veja o que já enviamosEsse conjunto de técnicas ecológicas gera efeitos positivos em termos de preservação ambiental e contribui para a redução de CO² na atmosfera.“Tem dois efeitos: a redução da emissão, por conta dos solos cobertos, e da degradação dos biomas pelo avanço das fronteiras agrícolas, porque uma lógica da agricultura regenerativa é não depender da exploração dos biomas, de áreas novas, para manter ou aumentar a produção”, explica Vinicius Dalbianco.
Compostagem reduz uso de fungicidas
Técnico da Emater/RS no município de Chiapetta, no noroeste do estado, Dionathan Rigo, trabalha com produtores locais para difundir práticas da agricultura regenerativa e de uso de insumos biológicos naturais nas lavouras da região e explica que, por conta de dificuldades no plantio do milho e das características dos ecossistemas locais, os agricultores começaram a utilizar cobertura vegetal entre as safras. O objetivo, segundo ele, foi “aumentar a biodiversidade de ‘palhada e microbiota’ do solo, incorporar uma rotação de culturas melhor e pensar em outras plantas de cobertura”. Como exemplos, ele cita capim, gramíneas, nabo, entre outras culturas perenes – plantas que não morrem após a primeira colheita.
Ao comentar sobre a agricultura regenerativa em Chiapetta, Dionathan Rigo destaca a busca pela conscientização sobre a importância da transição ecológica junto aos produtores. Um trabalho que teve início com agricultores familiares ligados à produção de hortaliças. “Sentimos essa necessidade de trabalhar com os lindeiros em torno do das unidades de produção de hortaliças orgânicas. E aí, de nada adiantava fazermos um esforço naquele ‘loco’ e ter no entorno as derivas de veneno chegando”, relata o técnico da Emater.
Aos poucos, o especialista da Emater introduziu conceitos de agroecologia e agricultura regenerativa entre os produtores. Rigo menciona as técnicas trabalhadas na Fazenda Chiapetta, local com quatro mil hectares, sendo três mil cultivados todos os anos. A produção lá é prova de como a agricultura regenerativa pode ser aplicada em grandes extensões de terra. Segundo o técnico, as inovações com compostagem utilizadas na Fazenda Chiapetta geraram uma redução de 80% a 90% no uso de fungicidas no plantio.
Uma das principais inovações é o “chá de composto ou composti”, que é produzido de forma natural com recursos do próprio estabelecimento rural. Essa compostagem é utilizada para fertilizar o solo e serve principalmente para grandes áreas, onde a adubagem somente com resíduos orgânicos seria inviável.
O chá de composto é feito com resíduos sólidos, como pedaços pequenos de madeira, restos de serragem e serapilheira, terra do mato e pó de rocha (uma espécie de resíduo mineral). “Dessa compostagem pega uma fração e inunda e agita em uma caixa d’água grande com 5 a 10 mil litros. Esse extrato é filtrado e substitui toda a água utilizada no sistema de pulverização”, explica Dionathan Rigo.
Outra estratégia regenerativa praticada pelos produtores da região é o uso de insumos biológicos para combater lagartas e outras pragas, reduzindo a dependência de agrotóxicos.
Segundo Dalbianco, com o solo das lavouras recuperado, a produtividade aumenta e os custos de produção são reduzidos de forma significativa, pois não é necessário gastar tanto com fertilizantes e adubos químicos. O professor aponta que o uso da cobertura vegetal também diminui o processo de erosão e ajuda na retenção da umidade. “Os agricultores ficaram mais dependentes das indústrias de agroquímicos; então essa prática da agricultura regenerativa permite aumentar a autonomia perante o sistema econômico, colaborando para uma agricultura mais verde”, destaca o especialista.
Rede alimentar do solo
Reduzir os custos de produção e a dependência externa de produtos químicos foi o que motivou o agricultor Maurício Piccin a adotar as práticas da agricultura regenerativa na Fazenda Santo Antônio. Médico veterinário de formação, ele assumiu a propriedade da família em General Câmara, também no interior gaúcho, há dez anos: em 2019, começou a fazer a transição no sistema de produção. “Temos uma área de 750 hectares entre terras próprias e arrendadas e cultivamos soja, milho, trigo, canola, aveia e outras plantas de cobertura”, descreve Piccin.
Na Fazenda Santo Antônio, Maurício Piccin aponta uma das técnicas de agricultura regenerativa usada para a diversidade microbiológica do solo e tornar as plantas mais saudáveis. Trata-se da multiplicação dos microrganismos em comunidade, método conhecido como “Soil Food Web” (teia alimentar do solo, em tradução livre).
“Através desse método, inoculamos no solo uma diversidade de microrganismos que compõem a chamada rede alimentar do solo buscando recuperar de forma rápida a diversidade microbiana do solo”. Segundo o agricultor, o uso de técnicas alternativas e biológicas para fertilizar o uso, transformou o solo da fazenda e permitiu reduzir em até 80% o uso de agrotóxicos, com o aparecimento de inimigos naturais para combater as pragas da lavoura.
Sobre o impacto financeiro, o produtor acredita que as estratégias regenerativas adotadas devem render boas colheitas nos próximos anos. “Do ponto de vista da produtividade ainda é difícil de dizer, pois nesses quatro anos que iniciamos de forma mais intensa a agricultura regenerativa, passamos por três anos de seca extrema. Contudo, temos todos os indicadores que nos levam a crer que estamos construindo um ambiente mais resiliente, que vai resistir mais aos extremos climáticos e, por consequência, aumentar a produtividade”, afirma Piccin.
Maurício Piccin também é um dos colaboradores do PL 104/2023 para instituir uma Política Estadual de Fomento à Agricultura Regenerativa, Biológica e Sustentável, no Rio Grande do Sul. Ele acredita que o projeto pode contribuir para divulgar formas sustentáveis de produção para pequenos, médios e grandes produtores. “É urgente uma maior autonomia dos agricultores, uma vez que poderão produzir seus próprios insumos dentro das propriedades. Além disso, está conectado com a tendência global de uma agricultura que incorpore carbono no solo contribuindo com a diminuição do efeito estufa”, destaca o agricultor sobre o projeto de lei.
O professor Dalbianco comenta que as práticas conservacionistas da agricultura regenerativa favorecem a estabilização da biodiversidade e o controle biológico dos ecossistemas, quando o próprio solo adquire maior resistência e fertilidade. Diminuir o uso de produtos químicos é benéfico também, porque essas substâncias, “têm uma carga muito grande de ácidos e sais que modificam a fauna e flora do solo. Então, uma redução desse tipo de adubação reduz o gasto econômico e colabora com a regeneração do solo”, acrescenta ele.
Agricultura regenerativa e retenção de carbono
O professor Vinícius Dalbianco destaca que é por meio da cobertura vegetal durante todo o ano, que a agricultura regenerativa contribui para a redução do carbono na atmosfera. Esse processo funciona ao “manter todos os solos cobertos e ocupados, com espécies vegetais que ao invés de emitir CO², incorporam ele no solo, levando este CO² para os sistemas de reprodução dos microrganismos”. Além disso, o sistema regenerativo colabora com a recuperação das características do solo em termos de vida microbiana, nutrientes e estrutura anteriores ao seu uso pela agricultura, a exemplo do que acontece no reflorestamento.
Outro princípio do sistema regenerativo está ligado a uma mudança de relação com o solo e passa pela diminuição da intensidade da produção. O professor Dalbianco descreve como isso é feito em algumas lavouras de soja do Rio Grande do Sul. De acordo com ele, os agricultores que praticam esse modelo não fazem a safra e a safrinha, que é plantar milho ou feijão logo após a colheita da soja em fevereiro e março.
“Geralmente, eles não têm feito isso, porque têm plantado o soja um pouco mais tarde para fugir da seca de janeiro e fevereiro, colhendo mais tarde e deixando o solo “pousando”, descansando com cobertura vegetal, para ele se regenerar do impacto do ciclo produtivo anterior”, relata Dalbianco.
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.