Os jovens e as startups: modismo ou novo modelo de trabalho?

Ambiente inovador, pouca hierarquia, decisões rápidas. Bem-vindo ao trabalho do século XXI

Por Marlene Oliveira | ODS 12 • Publicada em 30 de novembro de 2017 - 09:48 • Atualizada em 1 de dezembro de 2017 - 15:01

Os Millennials estão mais interessados em experimentar e em trabalhar em ambientes menos burocráticos e hierárquicos. Foto Eric Audras / AltoPress / PhotoAlto
Os Millennials estão mais interessados em experimentar e em trabalhar em ambientes menos burocráticos e hierárquicos. Foto Eric Audras / AltoPress / PhotoAlto
Os Millennials estão mais interessados em experimentar e em trabalhar em ambientes menos burocráticos e hierárquicos. Foto Eric Audras / AltoPress / PhotoAlto

Era um dia como outro qualquer, mas a agenda incluía uma sessão de yoga coletiva às 11 horas e um café orgânico no terraço à tarde. Bermuda, chinelo e cachorros estavam liberados e um grande lounge servia como escritório. Mais relax, impossível.

Fiz uma retrospectiva da minha vida profissional, sempre em grandes empresas, e confirmei que “os tempos mudaram”. Minha geração “aproveitou” um modelo, hoje, em vias de extinção: carteira assinada, perspectivas de crescimento à longo prazo, estabilidade, folha de ponto, crachá e um sonho de consumo ligado ao “ter”. Hoje, segundo especialistas, essa nova geração, os chamados Millennials, está interessada em “acessar e experimentar” mais do que “possuir” e em trabalhar em ambientes menos burocráticos e hierárquicos, onde suas ideias possam ser colocadas em prática e onde o risco faz parte do negócio. Um modelo onde você é “atuante” e não “coadjuvante”.

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Como, em geral, as estruturas são enxutas, o jovem se vê envolvido com múltiplas atribuições e, algumas, completamente diferentes daquelas que inicialmente se julgava preparado. Isso requer que ele pesquise e aprenda coisas novas. Além disso, muitas startups estão no segmento de tecnologia, criando novos produtos e serviços num ambiente que é empolgante, experimental e com foco no aprendizado

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Segundo Jacqueline Resch, psicóloga e profissional de Recursos Humanos com uma longa experiência em grandes corporações, as startups oferecem esta possibilidade e, ainda, um ambiente informal, jovem e com horários flexíveis. Segundo ela, o jovem não se sente cobrado pelo número de horas, mas por suas ideias, suas iniciativas e pelo resultado. “Como, em geral, as estruturas são enxutas, o jovem se vê envolvido com múltiplas atribuições e, algumas, completamente diferentes daquelas que inicialmente se julgava preparado. Isso requer que ele pesquise e aprenda coisas novas. Além disso, muitas startups estão no segmento de tecnologia, criando novos produtos e serviços num ambiente que é empolgante, experimental e com foco no aprendizado. Há liberdade para criar e as pessoas compartilham informação. Tudo isso, para eles, é muito estimulante”, conclui.

Horizontes mais próximos e curtos

Já vai longe o tempo em que os jovens – e suas mães – sonhavam com um emprego vitalício, quando trabalhar no Banco do Brasil ou numa estatal fazia de você uma pessoa realizada e satisfeita. “O jovem hoje tem uma cabeça de mudança, de inquietude. Eles se frustam se o resultado não vier na velocidade que eles esperam. E eles têm uma visão de tempo mais curta do que a geração passada”, explica Angela Lins, psicóloga organizacional, que assessora programas de trainees de empresas e orienta recém formandos no mestrado da Coppead. Para ela, as startups atraem pela agilidade, flexibilidade e porque podem fazer deles os “donos do negócio”. “Eles não querem esperar 5 anos para serem promovidos ou passar 3 anos desempenhando a mesma função”, explica.   Segundo ela, o dinheiro continua sendo importante, claro, mas eles não esperam que ele venha com o tempo ou com a experiência. “A chance de ganhar uma grande “bolada”, caso sua start-up “decole”, faz com que ele se dedique dia e noite, sete dias por semana”, assegura.

O tradicional totó num coworking de Moscou. Foto Vladimir Astapkovich/Sputnik

Com horários flexíveis – na entrada, mas também na saída – é comum “varar a madrugada”, seja para avançar num projeto ou para responder a WhatsApps dos colegas, incluindo o chefe, com quem você joga totó no lounge. No “modelo startup”, há uma identificação de objetivos, de valores, de idade, de forma de vestir e de falar. Totós, mesas de ping-pong, lounges… transformam os antigos colegas de trabalho em amigos, quase parentes. Segundo o filósofo, sociólogo e crítico social esloveno, Slavoj Žižek, transformar esses espaços de trabalho em ambientes domésticos e familiares nada mais é do que uma forma de manipular, oprimir e desarmar a classe trabalhadora. “Criando a ilusão de que o empregador é um amigo, é negado ao empregado a oportunidade de protestar, discutir, discordar e brigar por melhores condições de trabalho”. Ele ainda complementa dizendo que esses espaços informais são, na verdade, espaços políticos de controle, observação e manipulação. Vale a pena conferir neste link.

Antiguidade não é posto

Em estruturas enxutas, como nas startups, muitas vezes você não tem um chefe tradicional, mas a “cobrança” pelos resultados acaba vindo de várias partes interessadas: investidores e até de seus próprios colegas. “Temos uma cumplicidade maior do que no modelo de empresa tradicional pois somos poucos e, por isso, temos que fazer um pouco de tudo”, explica Melissa Laroche que, antes mesmo de terminar a faculdade, já trabalhava numa aceleradora na França. Ela conta, com naturalidade, que trabalha com seu próprio computador e não tem mesa de trabalho fixa – ela simplesmente ocupa uma mesa que esteja livre, se houver, e confirma que a carga de trabalho é enorme. “O objetivo de todos é passar a etapa de teste e fazer o projeto deslanchar. Se você não fizer seu trabalho, não vai funcionar. O resultado do seu trabalho, ou da sua incompetência, fica visível”, explica.

Isabel Brandão, outra jovem de 23 anos que já passou por startups e aceleradoras no Chile e no México, jura que não trabalharia no ambiente corporativo. “Você tem que se apresentar, se vestir, falar e se comportar de uma maneira que não é a sua”, desabafa. “Gosto de ambientes com menos hierarquia, equipes menores, mais jovens e dinâmicas.  Além disso, o sistema me incentiva a sair da minha área de conhecimento e acabo aprendendo fazendo, errando. É um aprendizado prático que complementa o estudo teórico, que aprendemos na faculdade”.

Mas as startups não são para todos. A começar pelos seniors. É raro encontrar representantes das gerações passadas trabalhando numa startup. A explicação é que os seniors foram “formatados” num modelo tradicional, que não funciona numa startup. Outro fator que afasta os seniors é o risco e o salário. Em matéria de startup, antiguidade não é posto!

Competição pelos melhores talentos

Os celeiros de talentos, que já foram os bancos de investimentos, as consultorias internacionais e mesmo as grandes empresas internacionais, estão tendo que competir com as startups para atrair os jovens talentos. Mas não basta atrair, é preciso reter. Para isso, as empresas estão revendo seu plano de benefícios e os programas de treinamento. Segundo Jacqueline Resch, não existe uma receita genérica. “Hoje se fala na necessidade de a empresa definir sua proposta de valor ao colaborador (EVP- Employee Value Proposition)”. Há empresas apostando em ambientes de trabalho mais agradáveis e lúdicos, benefícios diferenciados e num melhor balanço na qualidade de vida.

Jacqueline Resch ressalta que o mercado de trabalho em  startups também não é para qualquer jovem, especialmente para aqueles que preferem ambientes mais estáveis, com menos pressões e riscos. Por isso, antes de decidir que uma startup será sua melhor alternativa, avalie bem os pontos abaixo, publicados num artigo na Harvard Business Review:

  • Salário – Não há faixa salarial fixa e não costuma haver muito espaço para negociar pagamentos, no começo. Se a startup já tiver bom financiamento, o salário pode ser alto – caso contrário, o valor pode ser bastante baixo.
  • Falta de estrutura e até mesmo de um chefe – O que pode ser atraente a princípio, também pode deixar algumas pessoas perdidas. A falta de supervisão ou feedback e a mudança constante de objetivos e funções podem não funcionar para alguns perfis profissionais.
  • Pressão para trabalhar continuamente – Necessidade incessante de entregar resultados, estendendo a jornada diária e nos fins de semana. E os pedidos podem vir de colegas, não importa.
  • Falta de recursos – Na maior parte dos casos, não há departamentos estruturados como nas grandes empresas. Você pode ter que desempenhar o papel de qualquer departamento.
  • Incerteza financeira – Você pode até achar que tudo vai indo bem até que os investidores decidem não apostar mais no projeto. De um dia para o outro, a startup pode acabar.
  • Gerar resultados – sua posição está constantemente na corda bamba. Se seu trabalho for visto como desnecessário, o corte pode ser súbito e veloz.

Nunca é demais lembrar que….

O termo startup, para designar empresas jovens e rentáveis, começou a ser popularizado nos anos 1990, quando houve a primeira grande “bolha da internet”. Naquele período, grande parte da explosão de empresas startup surgiu no Vale do Silício (Silicon Valley): Google, Apple, Facebook, Yahoo!, Microsoft, entre outras. Com ideias inovadoras e promissoras, principalmente associadas à tecnologia, esses empreendedores encontraram financiamento para os seus projetos, que se mostraram extremamente lucrativos e sustentáveis. Mas, a fase inicial de uma startup é sempre marcada por um cenário de incertezas. Algumas ideias, aparentemente rentáveis, podem se revelar inaplicáveis.

As primeiras empresas a seguir o modelo startup começaram a aparecer no Brasil no começo do século XXI, sendo que, a partir de 2010, este ramo apresentou um crescimento vertiginoso. O sonho rotineiro de uma empresa de tecnologia novata é obter dinheiro de investidores e, em pouco tempo, virar um caso de sucesso. Porém, para a maioria das startups brasileiras, a realidade mais comum é o fracasso. Apenas 1 em cada 4 startups sobrevive aos cinco primeiros anos, segundo a  Associação Brasileira de Startups.

Marlene Oliveira

Jornalista e profissional de comunicação, vive em Paris e conhece bem a ebulição do ambiente corporativo. Acredita que a queda do império romano "é pouco" perto das transformações que a sociedade está vivendo mas, otimista até a raiz dos cabelos, acredita que dias melhores virão. Inxalá!

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