Amazônia desponta como nova fronteira global do petróleo

Em cinco décadas, a exploração petrolífera no bioma desmatou florestas, contaminou águas, despejou gases na atmosfera, invadiu territórios indígenas e aprofundou desigualdades. Agora, uma nova onda exploratória ameaça repetir essa história

Por InfoAmazonia | ODS 12ODS 7 • Publicada em 1 de abril de 2025 - 15:01 • Atualizada em 1 de abril de 2025 - 15:15

Navio petroleiro Anrietta descarrega produtos derivados de petróleo em Georgetown, Guiana: país tem boom econômico, mas enfrenta alta da inflação e agravamento da desigualdade social (Foto: Victor Moriyama / InfoAmazonia)

(Flávia Milhorance e Renata Hirota*) – A Amazônia concentra grande parte das descobertas recentes de petróleo e gás natural do mundo, consolidando-se como uma nova fronteira global para a indústria fóssil.  Quase um quinto das reservas mundiais encontradas entre 2022 e 2024 está na região, principalmente na costa do extremo norte da América do Sul, entre Guiana e Suriname. Essa riqueza tem atraído crescente interesse internacional, tanto de empresas da cadeia petrolífera quanto de países vizinhos como o Brasil, que busca explorar sua própria margem. 

No total, a região amazônica acumula em torno de 5,3 bilhões de barris de óleo equivalente (boe) dos cerca de 25 bilhões descobertos globalmente no período, segundo análise feita a partir de informações do Monitor de Energia Global, que coleta dados sobre infraestrutura energética ao redor do mundo. 

“A Amazônia e os blocos offshore adjacentes representam uma grande parcela das recentes descobertas de petróleo e gás no mundo”, afirmou Gregor Clark, coordenador do Portal Energético para a América Latina, plataforma ligada ao Monitor de Energia Global. Para ele, esse avanço, porém, “é incompatível com as metas internacionais de redução de emissões e traz consequências ambientais e sociais significativas, tanto em escala global quanto local”.

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Além das reservas já identificadas, a Amazônia concentra uma grande proporção de áreas sub-exploradas na América do Sul. A região abriga 794 blocos de petróleo e gás — áreas oficialmente delimitadas para a exploração, sem a garantia da existência de recursos. Quase 70% desses blocos na Amazônia estão em fase de estudo ou disponíveis para oferta ao mercado, ou seja, ainda improdutivos. 

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Em contraste, 60% dos cerca de 2.250 blocos sul-americanos fora do bioma já estão concedidos – liberados para a busca de reservas e a extração de recursos –, consolidando a Amazônia como um caminho promissor de expansão da indústria. Isso é o que revela nossa análise a partir de dados dos países amazônicos compilados até julho de 2024 pelo Instituto Internacional Arayara, que monitora atividades petrolíferas na região. De todo o território amazônico, apenas não existem blocos petrolíferos na Guiana Francesa, onde os contratos são proibidos por lei desde 2017. 

A nova onda exploratória que se desenha coloca em risco um bioma essencial para o equilíbrio climático global e as populações que nele vivem, justamente quando o mundo intensifica os debates sobre a redução da dependência de combustíveis fósseis. 

“Não adianta falar em desenvolvimento sustentável se a gente segue explorando petróleo”, disse o líder indígena guianense Mario Hastings. “Precisamos de uma mudança real, que inclua as comunidades indígenas e respeite nossos direitos”.

Blocos de petróleo na costa amazônica: mais de 92% dos blocos em alto mar da Amazônia estão em fase de estudo ou oferta ao mercado (Arte: InfoAmazonia)
Blocos de petróleo na costa amazônica: mais de 92% dos blocos em alto mar da Amazônia estão em fase de estudo ou oferta ao mercado (Arte: InfoAmazonia)

Essa investida da indústria do petróleo sobre a Amazônia é o que explora, a partir desta primeira de uma série de reportagens, o projeto transfronteiriço Até a Última Gota. O especial jornalístico realizado pela InfoAmazonia, em parceria com GK, Ojo Público e Rutas del Conflicto, envolveu uma série de análises de dados aprofundadas, dezenas de entrevistas e investigações de campo em cinco países que compreendem mais de 80% do bioma: Brasil, Colômbia, Equador, Guiana e Peru.

Ao longo do último ano, esse amplo esforço jornalístico mapeou os danos socioambientais provocados por mais de 50 anos de extração de petróleo na Amazônia e os riscos de incursões mais recentes. A investigação também explorou as engrenagens econômicas e políticas que alimentam as novas expectativas em torno do velho e conhecido petróleo.

Abundante em recursos naturais, a Amazônia raramente colhe os frutos da exploração. Pelo contrário: a série mostra que, enquanto metade do óleo sul-americano é destinado a economias estrangeiras e seus royalties geram mais desigualdades que progresso local, permanecem na região o desmatamento e as águas contaminadas por suas operações. 

Enquanto as petroleiras planejam extrair até a última gota de óleo da floresta tropical e de sua costa, suas atividades atropelam unidades de conservação e territórios indígenas. Na Amazônia, 81 blocos concedidos se sobrepõem a 441 terras ancestrais, e outros 38 blocos liberados afetam 61 unidades de conservação. Além disso, entre os blocos em fase de estudo ou oferta, 114 estão situados em terras indígenas e 58 em áreas naturais protegidas, segundo a análise do projeto.

Esse movimento expansionista – que mantém o modelo extrativista predominante desde a colonização europeia das Américas – se vale de acordos desfavoráveis às populações locais, provoca conflitos internos em comunidades impactadas e atrai grupos armados a áreas ricas em recursos naturais que carecem de serviços e presença estatal. 

Empresas públicas e privadas com blocos de petróleo na Amazônia (Arte: InfoAmazonia)

Costa amazônica: a nova corrida do petróleo

A Guiana, pequena e até então discreta nação sul-americana, tornou-se o epicentro das recentes descobertas globais de petróleo, emergindo como a “nova Dubai” do óleo – expressão usada principalmente pelos estrangeiros de empresas recém-estabelecidas no país.

O petróleo levou sua população a testemunhar um boom econômico, mas também a enfrentar desafios como a alta da inflação e o agravamento da desigualdade social. Ao mesmo tempo, as operações da cadeia petrolífera ameaçam os impressionantes 90% de território guianense ainda cobertos pela Amazônia.  “O mundo está caminhando para um futuro sem combustíveis fósseis, mas a Guiana está se abrindo para o petróleo e o gás”, disse a ambientalista guianense Sherlina Nagger. “Nossos líderes estão do lado errado da história”.  

Além da Guiana, as recentes e também volumosas descobertas no vizinho Suriname reacenderam o interesse pela margem equatorial, faixa costeira de milhares de quilômetros próxima à linha do Equador, predominantemente tomada pelo bioma amazônico. 

Na região, a Venezuela renovou seu interesse em anexar Essequibo, território guianense disputado pelos impérios espanhol e britânico no século 19, que voltou a ser foco de tensões devido ao seu potencial petrolífero.

Já o Brasil, que abriga a maior extensão dessa área estratégica, enfrenta empecilhos para explorá-la. Isso inclui um histórico de perfurações malsucedidas desde a década de 1970 e, mais recentemente, repetidas negativas à estatal Petrobras para conduzir pesquisas no bloco 59. Ele está localizado na Foz do Amazonas, trecho do bioma amazônico onde o rio Amazonas deságua no oceano Atlântico. 

Em maio de 2023, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou o pedido da Petrobras de explorar o bloco. O parecer do órgão, assinado por 26 analistas e reiterado em fevereiro de 2025, apontou falhas nos planos de emergência da estatal, o que traria riscos a ecossistemas amazônicos sensíveis. Essa região abriga a maior área contínua de manguezais do mundo e um grande sistema de recifes, recentemente descrito, que guarda grande potencial científico e ecológico.

Pesquisadores também alertam para as graves ameaças ao clima da atividade naquela área. “Abrir novas áreas para exploração de petróleo na Amazônia vai contra as recomendações do Acordo de Paris para limitar o aquecimento global”, criticou Philip Fearnside, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. “Além disso, os riscos de vazamentos de petróleo nesta região seriam catastróficos”. 

Apesar dos riscos, o interesse da Petrobras em explorar a margem equatorial não arrefeceu. Com a polêmica ganhando destaque no início de 2024, o então presidente da estatal, Jean Paul Prates, afirmou que a companhia iria extrair “até a última gota de petróleo” do país. 

Após divergências com o governo brasileiro, Prates foi substituído em maio de 2024 por Magda Chambriard, que atuou por cinco anos como diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo. Ao assumir o cargo, ela mostrou que a estatal seguia determinada a avançar com o plano estratégico. “A gente não pode desistir da margem equatorial”, disse.

Ecoando a posição de Chambriard, as principais autoridades do governo brasileiro têm manifestado apoio à extração. Fernando Haddad, ministro da Fazenda, prega “toda a cautela” para garantir uma exploração segura, enquanto Alexandre Silveira, de Minas e Energia, sugeriu que a Guiana está “chupando de canudinho” o óleo da região diante da inação do Brasil.

Apesar das diferenças no tom entre as autoridades, a defesa pela exploração da área converge em um argumento familiar: desenvolver a economia local por meio de royalties e da geração de empregos. No fim das contas, a operação já é tratada como certa. “Nós vamos explorar a margem equatorial, não tem porque [não explorar]”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma entrevista em junho de 2024.

Sob pressão política, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, vem reafirmando que a decisão do Ibama, vinculado ao seu ministério, é “técnica”. Ela também reforça a importância de seguir os procedimentos do órgão para evitar danos ambientais “irreparáveis” à região.

A margem equatorial brasileira já está completamente delimitada por blocos petrolíferos, embora a maioria ainda não tenha sido concedida, segundo nossa análise. Além disso, mais de 92% dos blocos offshore (em alto mar) da Amazônia ainda estão em fase de estudo ou disponíveis para oferta ao mercado.

O petróleo da América Latina está fortemente voltado para o mercado externo, segundo dados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Atualmente, pelo menos metade da produção é exportada, principalmente para os Estados Unidos e a China, e a projeção é de um progressivo aumento nas exportações nas próximas décadas. 

Os dados da OPEP não trazem o recorte da região amazônica. No entanto, o fato de abrigar várias reservas disponíveis para licitação do mercado sugere que o bioma também pode ter um papel crescente na oferta internacional de petróleo.

Plataforma de petróleo no Parque Nacional Yasuní, no Equador: população, em plebiscito, decidiu pelo fim da exploração na área de floresta da Amazônia mas a produção ainda não foi interrompida: (Foto: Petroecuador / Divulgação)

Equador e Peru: legado de exploração – e danos

Se a exploração petrolífera dá seus primeiros passos na margem equatorial, países como Equador, Peru e Colômbia já somam décadas de extração na Amazônia. Enquanto ajudou a impulsionar suas economias, a atividade também aprofundou os danos ao bioma.

No Equador, o petróleo responde por mais de 7% do PIB nacional, mas sua exploração teve uma média de dois vazamentos de óleo por semana nos últimos anos no país. Entre 1º de janeiro de 2020 e 30 de abril de 2022, foram registrados 630 vazamentos, sendo 97% deles provocados por estatais do país.

Na Amazônia equatoriana, acidentes se repetem desde a década de 1970, quando a americana Texaco (hoje Chevron) abriu a primeira grande fronteira de exploração no bioma. Na época, a petroleira provocou graves vazamentos e descartou resíduos tóxicos de forma inadequada, contaminando rios e solos e impactando comunidades. Esse caso tornou-se um dos mais emblemáticos de prejuízos ambientais associados à indústria petrolífera no mundo. 

Apesar de sustentar que remediou os danos, a Texaco até hoje é contestada na Justiça por grupos indígenas. Quando a concessão da americana expirou, na década de 1990, a estatal Petroecuador assumiu suas operações, ampliando a produção e perpetuando os impactos.

Hoje, a Petroecuador é a principal responsável pelo desenvolvimento de áreas petrolíferas na Amazônia equatoriana. Nossa análise mostra que a estatal administra 24 blocos de petróleo e gás, o maior número dentro do Equador e o segundo maior entre os países amazônicos, atrás apenas da brasileira de gás natural Eneva.

Entre as operações da Petroecuador, está o controverso Bloco 43, no Parque Nacional Yasuní, que protege uma das regiões mais biodiversas do mundo e povos indígenas em isolamento. Em agosto de 2023, um referendo histórico determinou o fim da exploração petrolífera no Yasuní. O governo teve o prazo de um ano para encerrar as atividades, mas nesse período quase não avançou, limitando-se a criar uma comissão para supervisionar as ações aprovadas na consulta popular.

“Estão violando o mais importante que qualquer sistema democrático possui: a vontade dos cidadãos nas urnas”, criticou Alex Rivas Toledo, antropólogo e autor de um livro sobre os povos isolados do Yasuní. 

A extração nesse parque não é exceção, e sim uma tendência preocupante no Equador. Ao todo, 21 blocos já estão concedidos dentro de unidades de conservação da Amazônia equatoriana, somando mais de 7.000 km² de sobreposição – a maior área entre os países analisados.

Das 15 nacionalidades indígenas do Equador, 11 estão localizadas na Amazônia, onde seus territórios também conflitam com a exploração petrolífera. Blocos concedidos no país afetam 207 territórios indígenas, novamente o maior entre os países analisados, com uma sobreposição de quase 21.000 km² na Amazônia.

Blocos soprepostos a terras indígenas no Peru: territórios indígenas equatorianos e peruanos ameaçados pela exploração de petróleo na Amazônia (Arte: InfoAmzonia)

O Peru ocupa a segunda posição do ranking, com quase 14.000 km² de área de blocos petrolíferos sobrepostos a 143 terras indígenas. Essa realidade afeta principalmente as etnias Kichwa, Waorani e Achuar, que habitam ambos os países. 

Entre outras áreas, os Kichwa e Waorani ocupam o parque equatoriano de Yasuní, enquanto os Achuar vivem no estado de Loreto, um dos maiores produtores de petróleo e gás do Peru. Embora essa região peruana tenha a maior arrecadação de royalties de petróleo do país, suas populações, incluindo as indígenas, enfrentam a pobreza e a falta de serviços como o acesso à saúde.

A população de Loreto lida com os impactos da exploração petrolífera desde a década de 1970, quando a primeira grande fronteira de petróleo foi aberta na Amazônia peruana. No caso dos Achuar, suas terras se sobrepõem aos blocos 8 e 192, que estão entre os mais antigos e que lideram o ranking de multas ambientais da região, conforme nossa análise com dados do órgão peruano de Avaliação e Fiscalização Ambiental (Oefa, na sigla em espanhol)

Nos últimos 13 anos, o bloco 8 acumulou 88 multas relacionadas à exploração de petróleo, maior somatório de infrações na Amazônia peruana. Já o bloco 192, que abriga a maior reserva petrolífera do país, vem na sequência, com 35 multas. Ambos estão paralisados por questões contratuais. 

Eles também lideram o ranking de vazamentos de óleo. Em duas décadas, um levantamento da organização Oxfam contabilizou 189 vazamentos no bloco 8, seguido pelo bloco 192, com 155 vazamentos. 

Ao contrário do Brasil, atividades petrolíferas em territórios indígenas são permitidas no Equador e Peru, desde que realizada uma consulta prévia às comunidades afetadas. Mas na prática, esse processo muitas vezes ocorre atropelando as legislações ou sequer é realizado.  “O negócio petrolífero parece ser lucrativo apenas se, no cálculo das empresas, o meio ambiente ou a própria vida das comunidades forem descartados”, criticou David Díaz Ávalos, assessor da organização Povos Indígenas Amazônicos Unidos em Defesa de seus Territórios. 

Campo de exploração de petróleo no estado de Loreto, no Peru: região sofre com seguidos vazamentos (Foto: Agencia Peru)

Queima de gás afeta amazônidas

Além da extração de petróleo, a queima de gás natural (ou gas flaring) associada à atividade é alarmante na Amazônia. Geralmente visíveis a quilômetros de distância, chamas intensas ardem no topo de torres metálicas, liberando o gás excedente da exploração de petróleo diretamente na atmosfera. Esse processo gera emissões de CO₂ e metano, gás com potencial de aquecimento mais de 20 vezes superior ao CO₂. 

Apesar dos danos causados pela prática às mudanças climáticas e à saúde humana, vários países continuam a permiti-la. Ela é particularmente comum em regiões remotas, como a Amazônia, onde a falta de infraestrutura dificulta a captura e o processamento do gás.

Em 2023, o Equador queimou 1,6 bilhão de metros cúbicos de gás em operações de petróleo e refinarias na Amazônia, mais do triplo de todo o consumo anual de gás natural no país. Isso representa 82% de todo o gás queimado dentro do bioma naquele ano, segundo nossa análise com informações da SkyTruth Flaring, plataforma que usa imagens de satélite para detectar a queima de gás associado à extração de petróleo ao redor do mundo. 

Entre 2012 e 2023, a atividade despejou 17,6 bilhões de metros cúbicos de gás dentro da Amazônia. O Equador manteve a liderança disparada, concentrando 75% desse total, o que representa 34 milhões de toneladas CO₂ equivalentes jogadas na atmosfera.

Internamente, o Equador tenta reagir contra essas emissões. Em 2021, uma corte regional determinou ao governo eliminar parte dos mecheros (chaminés de queima de gás) da indústria petrolífera próximos a áreas povoadas das províncias amazônicas. No entanto, a sentença ainda não foi totalmente cumprida

“Crescemos ao lado de mecheros petrolíferos que, por mais de meio século, trouxeram morte, destruição e pobreza para nossa Amazônia”, disseram em um manifesto um grupo de jovens mulheres amazônidas que, junto a uma organização de vítimas da antiga Texaco, movem a ação judicial pelo fim da queima de gás no Equador. 

Em toda a Amazônia, a queima de gás afeta cerca de 1,2 milhão de pessoas que vivem em um raio de até cinco quilômetros das chaminés, com uma situação especialmente grave, respectivamente, na Bolívia, no Equador e na Venezuela. O dado vem de nossa análise, que se baseia em estimativas de densidade populacional da Kontur e em um estudo da Clean Air Task Force que adotou a mesma distância para avaliar os riscos à saúde das populações.

Campo de petróleo na Amazônia colombiana, perto da fronteira com o Equador: plano de transição energética do governo enfrenta obstáculos (Foto: Ecopetrol / Divulgação)

Colômbia: Transição enfrenta obstáculos

Desde que assumiu o cargo em 2022, o presidente Gustavo Petro tenta colocar a Colômbia na contramão de outros países da Amazônia, propondo medidas ambientalmente ambiciosas: a proibição de novas explorações de petróleo e gás; o fim do fraturamento hidráulico (ou fracking) — técnica que utiliza a injeção de fluidos em alta pressão para extrair petróleo e gás de forma mais agressiva ao meio ambiente; e a interrupção de projetos de exploração offshore

No entanto, Petro esbarra nos 381 contratos de petróleo e gás vigentes que precisam ser respeitados e na insistência do setor em buscar novas reservas, sob o argumento de que o país dispõe de menos de uma década de petróleo para suprir o consumo interno. Com isso, as pesquisas avançam: entre 2022 e 2024, a Colômbia figurou entre os 15 países com maior volume de reservas descobertas, segundo o Monitor de Energia Global. Além disso, em 2024, as estatais Ecopetrol, da Colômbia, e Petrobras, do Brasil, encontraram novas reservas de gás natural no país. 

As operadoras com maior número de blocos concedidos na região amazônica são a Gran Tierra Colombia (subsidiária da canadense de mesmo nome), a Amerisur Exploración Colombia (subsidiária da chilena GeoPark e também conhecida como Nueva Amerisur) e a estatal Ecopetrol. Elas estão entre as operadoras cujos blocos mais acumulam multas ambientais na Amazônia colombiana, principalmente devido à contaminação da água e do solo por vazamentos de óleo, segundo informações do Ministério da Defesa sobre as penalidades aplicadas no país.

Elas também somam episódios de desrespeito a populações locais. Nos últimos anos, o povo Awá vem cobrando na Justiça que a Ecopetrol repare os danos causados por uma série de vazamentos em seu território. Em 2022, a Gran Tierra Energy enfrentou críticas por violações dos direitos do povo Inga relacionados a um projeto petrolífero. No mesmo ano, a Nueva Amerisur virou alvo de uma ação internacional por seus impactos ao povo Siona.  

Segundo nossa análise, 79 terras indígenas e 30 unidades de conservação estão sobrepostas por blocos petrolíferos concedidos na Amazônia colombiana, somando cerca de 2.600 km² de sobreposição com áreas protegidas.

A situação se agrava com a presença de guerrilhas em áreas petrolíferas da Amazônia colombiana. O Acordo de Paz de 2016 buscou encerrar décadas de conflito, mas desencadeou disputas entre dissidências e novos grupos armados pelo controle de áreas ricas em recursos naturais, anteriormente dominadas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

Uma comissão da verdade, criada após o acordo de paz, revelou que petroleiras se valeram do conflito para contratar a segurança de grupos com vínculos paramilitares e contar com a proteção estatal, enquanto comunidades locais enfrentaram, ao mesmo tempo, a violência armada e a exploração petrolífera desenfreada em seus territórios.

Relatórios da comissão e investigações jornalísticas apontaram ainda que milhares de ataques a oleodutos por guerrilhas, além do roubo de óleo, foram usados como tática militar, em punição pelo não pagamento de extorsões a petroleiras. Esses atentados causaram danos ambientais irreversíveis, contaminando rios, comprometendo o acesso à água potável e ameaçando espécies da Amazônia e outras regiões

Essas práticas não cessaram após o acordo de paz ou com a recente aposta de Gustavo Petro em proteção ambiental – ao contrário. “O controle desses atores armados sobre os territórios está cada vez mais visível e frequente”, disse María Espinosa, advogada da organização Amazon Frontlines, que trabalha com comunidades amazônicas afetadas pela combinação de guerrilha e exploração petrolífera. “Está cada vez mais violenta”. 

Mas as falhas no controle dos impactos do petróleo na Amazônia são evidentes mesmo em contextos menos dramáticos. Não existe exploração de petróleo e gás segura, todos os empreendimentos possuem escapes, possuem vazamentos”, comentou Luiz Afonso Rosário, da organização 350.org Brasil. 

Ele destaca que, há décadas, o petróleo tem sido apresentado como uma promessa de libertação econômica para os países sul-americanos. No entanto, ele ressalta: “O que nós vemos são todas as mazelas sociais que aí estão, e só meia dúzia enriqueceu”.

Para Rosário, esse abismo entre as promessas e a realidade na Amazônia traz uma necessidade urgente de um debate mais amplo e inclusivo sobre o futuro do bioma. “Vão rasgar a Amazônia com mais infraestrutura para privilegiar a indústria fóssil. Nós deveríamos estar investindo em energias renováveis”, alerta.

*Flávia Milhorance – jornalista, com mestrado em Jornalismo Financeiro pela Universidade de Aarhus (Dinamarca) e City University London (Reino Unido) – é editora do Earth Dialogue, site de meio ambiente e política externa, e colaboradora do The New York Times; Renata Hirota – jornalista e estatística, com estrado em ciências estatísticas pela USP – é analista de dados na InfoAmazonia e no JusBrasil

**Com contribuições de Fábio Bispo, Isabela Ponce, Emilia Paz y Miño, Pilar Puentes e Aramís Castro

***Esta reportagem faz parte do especial Até a Última Gota, produzido com o apoio da Global Commons Alliance, um projeto patrocinado pela Rockefeller Philanthropy Advisors.

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