Adentrar as águas vastas do Rio Amazonas, o portal para a Ilha das Cinzas, é uma experiência que marca. O acesso a esta comunidade no arquipélago do Marajó (PA) se dá apenas por barco, navegando por um ambiente de várzea que, para muitos, parece esquecido nas discussões de desenvolvimento. Mas ali vivem pessoas cuja vida é intrinsecamente ligada à riqueza da floresta; trabalhadores agroextrativistas com a rotina moldada pelo ciclo da natureza. E em abundância para possibilidades.
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É o caso da parceria entre Natura, WEG e a Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (Ataic), com o lançamento de uma agroindústria operada com sistema fotovoltaico e armazenamento de energia em baterias, reduzindo significativamente a dependência de geradores a diesel e beneficiando diretamente 470 famílias agroextrativistas. Além de mais sustentável, a operação permite que a associação passe a vender óleos e manteigas ao invés de sementes e frutos da Amazônia (ucuuba, tucumã, patauá e murumuru), agregando valor à comunidade e ampliando a renda em cerca de 60%. A iniciativa, pioneira, emprega um sistema inovador utilizado em uma agroindústria em área de várzea nesta região amazônica, periodicamente alagada pelos rios.
O ambiente de várzea, historicamente, nunca foi considerado nas políticas públicas de desenvolvimento. A gente precisa ter programas de fomento, de desenvolvimento, que promovam o progresso pautado no ambiente que temos, considerando este ambiente daqui, porque a população precisa sobreviver. E elas querem também voar, avançar
Marta Cardoso, de 29 anos, verbaliza os reflexos do que se pode esperar dessas transformações com a inauguração da agroindústria de óleos e manteigas vegetais. Atuante na Ataic há uma década, colheu frutos em sua própria trajetória. “Eu posso dizer assim que mudou tudo não só para mim em relação à vida econômica, como para todas as outras mulheres. Porque até a Natura entrar para comprar sementes através da Ataic, a gente não tinha nenhum tipo de renda. Hoje a gente percebe o quanto que a gente é rico vivendo nessa natureza, e não tinha alguém que abrisse nossos olhos para ver isso, mostrar para a gente o que a gente podia fazer com tanta riqueza que a gente tem”.
Mas não é só a riqueza das cifras que se refere a ribeirinha, amante da natureza e flamenguista. “Não foi nem uma, nem duas coisas (mulheres ligadas à Ataic) que chegou para mim e disse assim ‘poxa, eu prefiro mil vezes, às vezes, estar no mato coletando o murumuru, coletando o tucumã, do que estar em casa, às vezes, sem fazer nada'”, conta. Quem valida é Dona Maria, 48 anos e mãe de nove filhos, que na infância ajudava o pai e o avô a coletar látex de seringa. Ela prendeu com a própria mãe que o trabalho “não é só pro homem” e que “nós, mulheres, somos capazes de nos transformar e transformar o mundo também, juntas”. Para Maria, essa transformação para as mulheres foi “a maior vitória aqui no nosso meio”.
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Veja o que já enviamosCom a chegada da Natura, as perspectivas mudaram. “É um protagonismo na vida delas, que traz liberdade e que traz, acima de tudo, o poder de escolha das mulheres”, afirma Angela Pinhati, diretora de Sustentabilidade do grupo sobre a aliança com a Ataic. “Então eu adoro ver mulheres na liderança, nessa transformação. Vejo um pouco nelas também. E para a Natura também é super importante porque a gente tem uma agenda de diversidade, equidade e inclusão bastante forte, que a gente tem metas para atingir dentro da empresa e a gente valoriza isso muito, tanto nas nossas cadeias de fornecedores, sejam eles grandes, quanto nas comunidades. Natura como substantivo feminino”, acrescenta.
Por que fazer “com” é melhor que fazer “sobre”?
Josi Malheiro, mulher, mãe atípica, gestora ambiental e integrante da Ataic, compartilha a perspectiva da comunidade sobre a inauguração da primeira agroindústria, destacando os desafios enfrentados pelas populações da Amazônia e a importância do desenvolvimento que realmente as contemple. “É preciso considerar que há pessoas e diversas dinâmicas de ambiente. O ambiente de várzea, historicamente, nunca foi considerado nas políticas públicas de desenvolvimento. A gente precisa ter programas de fomento, de desenvolvimento, que promovam o progresso pautado no ambiente que temos, considerando este ambiente daqui, porque a população precisa sobreviver. E elas querem também voar, avançar”, afirma. “Existir a Ataic, trabalhando com a Natura, tendo a WEG como parceira, é uma possibilidade de nos verem como possíveis”.
Josi também destaca a luta da associação para ter voz e participação ativa nas discussões sobre a região, demonstrando como a pesquisa e o desenvolvimento podem gerar valor a partir dos recursos locais. “Queremos fazer parte, porque não é só sobre a discussão, né? É sobre o ‘fazer com’ e o ‘fazer sobre’. Não é só o projeto, não é? A gente tem lutado é para ter esse espaço na sociedade hoje”, afirma a gestora ambiental. “O que a Ataic e seus parceiros fazem é marcar um lugar e dizer: ‘Vamos testar tudo aqui, vamos fazer, vamos alinhar a pesquisa, vamos alinhar o desenvolvimento, vamos testar instrumentos e mecanismos diferentes’. E isso potencializa as comunidades, porque você concentra recursos e minimiza despesas. Demoramos muito a entender que a pesquisa e o desenvolvimento deveriam estar alinhados. Em algum momento, faltou essa discussão, e hoje estamos trazendo isso para o dia a dia”, ressalta.
Ela reafirma a importância das parcerias e da pesquisa para validar um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável na Amazônia. ‘’Hoje, a oportunidade que estamos mostrando é que este ambiente também é viável para desenvolver outros projetos, considerando as comunidades e as grandes empresas. Acho que a gente consegue mudar a dinâmica, inclusive, das grandes empresas, para que olhem e vejam que há esse outro valor dentro, e o potencial, talvez desconhecido, que a Amazônia tem. Com certeza, a parceria é assim que vai conseguir mostrar. É difícil, mas o que me mantém é acreditar que estamos construindo algo novo. Precisamos sensibilizar outras empresas e grandes instituições para que se voltem para esse lado e mais pessoas se associem. Sim, precisamos estar juntos. Por isso, temos que agregar governos, sociedade e a iniciativa privada para que se sensibilizem’’.
Sobre o futuro? Só um desejo de Josi: “Acho que, tendo mais voz, a gente consegue ir mais longe”.
Empresas brasileiras pela Amazônia
A iniciativa na Ilha das Cinzas é um marco que demonstra o potencial da colaboração entre empresas brasileiras para impulsionar a bioeconomia na Amazônia. A inauguração da agroindústria operada concretiza uma estratégia de impulsionar negócios, de menor impacto ambiental, alinhados às metas de zerar emissões líquidas de carbono até 2030 e de transformar toda operações regenerativas até 2050. Esta é a 20ª agroindústria apoiada pela Natura na Amazônia, um modelo testado e replicável.
Paulo Dallari, diretor de Reputação e Governo da Natura, detalha a parceria com a WEG, empresa global de equipamentos eletroeletrônicos, com foco em motores, redutores e acionamentos elétricos e transformadores de energia. “Reunimos duas empresas brasileiras líderes em seus setores. Após intensas trocas de experiências, a pergunta final era: ‘O que vamos fazer juntos? Como levaremos isso para algo concreto?’. A gente já vinha pensando em apresentar propostas de projeto, e um dos desafios era justamente a energia sustentável para agroindústrias em áreas isoladas. Como substituir os geradores a diesel e tornar uma produção que já é sustentável por natureza, pelo extrativismo e manejo, ainda mais sustentável? A expertise da WEG era a resposta perfeita”, conta Dallari.
O diretor da Natura destaca o diferencial dessa agroindústria. “Este projeto é emblemático por ser a vigésima agroindústria que a Natura apoia na Amazônia, marcando a transição de um modelo piloto para um modelo efetivamente sólido, com resultados comprovados e replicável em diversas regiões da Amazônia. Ter construído essa parceria com a WEG, compartilhando experiências e trazendo soluções de outros setores para fortalecer a bioindústria e a bioeconomia na região amazônica, demonstra a potência que o Brasil tem, de organizar atores e expandir o conhecimento que já possuímos aqui dentro, elevando ativos da Amazônia ao mesmo nível de reconhecimento que outras culturas tradicionais.”
Diretor de Sustentabilidade e Relações Institucionais da WEG, Daniel Godinho ressalta o significado da parceria para a empresa, que já tem um trabalho social na Região Sul do país. “Temos expandido nosso trabalho de investimento social, sempre com a característica de estar próximos às nossas operações. Aqui na Amazônia, temos uma fábrica em Manaus, e a WEG tem realizado projetos sociais muito bacanas na região. Em Manaus, por exemplo, temos um projeto com a Unicef para levar saneamento básico para escolas públicas”.
Godinho ainda destaca o alinhamento do projeto com a estratégia ESG da empresa e o compromisso de continuidade. “Do ponto de vista estratégico, esse projeto é talvez um dos mais completos, se não o mais completo, para a WEG. Ele é sustentabilidade na veia, com energia limpa e renovável que oferece residência energética para a comunidade. É um empoderamento social no sentido de ganho de renda e agregação de valor local, e também uma governança muito legal”, afirma. “Nós não vamos embora daqui depois da inauguração; vamos continuar monitorando tudo: a produtividade da agroindústria, a redução de emissões de carbono, e a redução do uso de diesel. Tudo isso faremos para dar perenidade a esse projeto, porque mais importante do que fazer um projeto como esse é que ele continue”, conclui.
*O jornalista Edu Carvalho viajou a convite da Natura