500 anos de relação homem-máquina

Kodomoroid, a Andróide japonesa que lê notícias. Foto Science Museum

O fascínio e temor que os robôs exercem na humanidade são tema de exposição no Science Museum, em Londres

Por Carlos Albuquerque | ODS 12 • Publicada em 25 de agosto de 2017 - 08:41 • Atualizada em 25 de agosto de 2017 - 14:09

Kodomoroid, a Andróide japonesa que lê notícias. Foto Science Museum
Kodomoroid, a Andróide japonesa que lê notícias. Foto Science Museum
Kodomoroid, a Andróide japonesa que lê notícias. Foto Science Museum

Conheço Kodomoroid de longe. Nos encontramos, há mais ou menos dois anos, no Miraikan, museu de ciência e inovação, localizado nos arredores de Tóquio. Não tinha como deixar de notá-la naquela fria tarde de dezembro. Apesar de cercada de turistas, ela permanecia sentada atrás de uma bancada, em frente a uma câmera de televisão, concentrada, lendo as notícias do dia no pequeno estúdio montado no terceiro andar do local.  Elegante, toda vestida de branco, o cabelo preto cortado acima do pescoço, mal demonstrava emoção, a não ser por um discreto sorriso que se permitia entre as falas. Saí de lá, já à noite, com a assustadora certeza de que Kodomoroid poderia ficar naquela posição o dia inteiro, trabalhando sem hora para o almoço, para o jantar ou mesmo para um café. Bastaria programar as coisas direitinho.

Por trás da existência dos robôs, está a nossa tendência ao antropomorfismo, ou seja, nos imaginar em diferentes formatos. Somos fascinados pelos nossos corpos, como eles funcionam ou como eles deixam de funcionar.

Até o próximo dia sete de setembro, por exemplo, Kodomoroid está programada para ficar de plantão, de 10h às 19h, no Science Museum, em Londres, onde é um dos destaques da exposição “Robots”.  Andróide hiper-realista, projetada por Hiroshi Ishiguro, pesquisador da Universidade de Osaka, ela tem a companhia, entre outros, de um monge de ferro, sem nome, criado pelo italiano Gianello Torriano em 1560. Apesar dos séculos que os separam, os dois incorporam uma mesma história: o fascínio e o temor do ser humano em se ver, refletido, numa máquina com as suas formas.

– Por trás da existência dos robôs, está a nossa tendência ao antropomorfismo, ou seja, nos imaginar em diferentes formatos – conta Ben Russell, curador da exposição. – Somos fascinados pelos nossos corpos, como eles funcionam ou como eles deixam de funcionar. Construímos robôs há mais de 500 anos, racionalizando nossa existência como se fossemos peças de um mecanismo, tal qual um relógio. Há várias outras motivações, claro. Os primeiros robôs foram o reflexo das nossas superstições, do nosso fascínio pela magia e mesmo da nossa religiosidade.

O robô italiano Cygan , de 1957. Foto Science Museum
O robô italiano Cygan ,de 1957. Foto Science Museum

“Robots” conta um pouco dessa intrigante relação entre humanos e máquinas (brilhantemente sintetizada pelo grupo alemão Kraftwerk no álbum “Man machine”, de 1978). Dividida em cinco seções e contando com uma centena de exemplares (a maior já reunida em uma exposição), ela atravessa séculos de tal convivência, da revolução industrial à cultura pop. Lá estão enfileirados desde um manequim de ferro, criado na Itália, por volta de 1600, para ilustrar as articulações do corpo humano, até uma pequena criatura de prata, de 1680, com uma taça de vinho em cima e um motor embaixo do seu corpo, capaz de circular por uma mesa, servindo seus visitantes.

Num salto no tempo, é possível encontrar na mostra robôs “pioneiros” como o britânico Eric (1928), o norte-americano Robert (1955), o italiano Cygan (1957) – utilizados como performers ou mesmo brinquedos, caso de Robert – e uma réplica da icônica Maria, do clássico filme “Metropolis” (1927), de Fritz Lang.  Lá estão também Honda (Japão, 1996), o primeiro a andar de forma independente, Harry (Japão, 2005), o tocador de trompete, e o avançadíssimo Nao (França, 2015), capaz de interagir com humanos (crianças, em particular).

– Robôs estão por toda a parte, das máquinas de atendimento automático aos drones.  Mas escolhemos os robôs humanóides como o foco da exibição. Mesmo sendo apenas um pequeno grupo desse universo, foi o filtro que usamos para não torná-la maior que nossa capacidade de abrigá-la – explica o curador.

O monge de ferro, sem nome, de 1560, atribuído ao italiano Gianello Torriano. Foto Science Museum
O monge de ferro, sem nome, de 1560, atribuído ao italiano Gianello Torriano. Foto Science Museum

Apesar de ter ficado de fora da exibição, o robô de “Perdidos no espaço” – o seriado televisivo, criado por Irwin Allen nos anos 60 que marcou uma geração – tinha uma célebre expressão (“Perigo! Perigo!”) que parece ecoar, atualíssima, em torno de “Robots”. Afinal, a mostra acontece num momento em que a robótica e os progressos da inteligência artificial surgem, cada vez mais, como uma ameaça para boa parte da classe trabalhadora. Um estudo da Universidade de Oxford, publicado em 2013, estimava que 47% dos empregos existentes nos Estados Unidos seriam substituídos por máquinas nas próximas duas décadas.  Outro trabalho, mais recente, feito pelo Banco da Inglaterra, em 2016, afirmava que a “era das máquinas” poderia eliminar até metade dos postos de trabalho no Reino Unido num futuro próximo. No Brasil, de acordo com dados de 2017 da consultoria McKinsey, existe a possibilidade de 53,7 milhões de empregos (de um total de 107,3 milhões) serem substituídos por robôs. Essas questões – que poderiam ser manchetes lidas por Kodomoroid – não passaram despercebidas por Russel e sua equipe durante a montagem de “Robots”.

– Tentamos evitar trazer para a mostra qualquer opinião nossa sobre o futuro, até porque o tempo poderia facilmente mostrar que ela estava errada. Em vez disso, buscamos oferecer informações para que as pessoas possam criar suas próprias reflexões – diz ele. – Sabemos, claro, que existe uma grande preocupação de que o uso dos robôs possa aumentar o desemprego. Então, se o público estiver bem informado sobre isso, ele pode exigir mais de políticos e de fabricantes. De qualquer forma, essa é uma questão que existe desde a Revolução Industrial. E nós sempre conseguimos nos adaptar às mudanças trazidas pela tecnologia. Não devemos subestimar a capacidade do ser humano em lidar com novas situações.

Pelo sim, pelo não, vale lembrar que num dos cantos do Science Museum está T-800, o andróide assassino da franquia “O exterminador do futuro”. Desligado, até onde se sabe.

A réplica da icônica Maria, do clássico filme “Metropolis” (1927), de Fritz Lang. Foto Science Museum
A réplica da icônica Maria, do clássico filme “Metropolis” (1927), de Fritz Lang. Foto Science Museum

Carlos Albuquerque

Carlos Albuquerque (ou Calbuque) é jornalista de cultura, biólogo, DJ (daqueles que ainda usam vinil) e ocasional surfista de ondas ridiculamente pequenas. Escreve com a mão esquerda e Darwin é seu pastor.

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