Oferta de Elon Musk ressalta o papel único do Twitter no discurso público

Ideias do bilionário ameaçam características da rede social que facilitam pesquisas de fenômenos sociais e a tornam até uma ferramenta para verificar fatos

Por The Conversation | ODS 12 • Publicada em 20 de abril de 2022 - 09:49 • Atualizada em 1 de dezembro de 2023 - 17:52

Logo do Twitter e o perfil de Elon Musk na rede social em telas de celulares: oferta para compra destaca papel da plataforma e ameaça às suas características únicas (Foto: Jakub Porzycki / NurPhoto / AFP)

(Anjana Susarla*) – O Twitter tem frequentado muito as manchetes ultimamente, embora pelas razões erradas. O crescimento de suas ações vem perdendo fôlego e a própria plataforma permaneceu praticamente a mesma desde sua fundação em 2006. Mas, em 14 de abril de 2022, Elon Musk, a pessoa mais rica do mundo, fez uma oferta para comprar todas as ações do Twitter e tornar a empresa uma empresa de capital fechado – 10 dias antes, o bilionário tinha comprado 9,2% das ações, tornando-se o maior acionista individual.

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Em um documento para a Securities and Exchange Commission (o equivalente nos Estados Unidos à Comissão de Valores Mobiliários do Brasil), Musk declarou: “Investi no Twitter porque acredito em seu potencial para ser a plataforma de liberdade de expressão em todo o mundo e acredito que a liberdade de expressão é um imperativo social para uma democracia em funcionamento”.

Como pesquisador de plataformas de mídia social, acho que a potencial aquisição do Twitter por Musk e suas razões declaradas para comprar a empresa levantam questões importantes. Esses problemas decorrem da natureza da plataforma de mídia social e do que a diferencia das outras. O Twitter ocupa um nicho único. Seus pequenos pedaços de texto e encadeamento promovem conversas em tempo real entre milhares de pessoas, o que o torna popular entre celebridades, personalidades da mídia e políticos.

Os analistas de mídia social falam sobre a meia-vida (ou semi-vida) do conteúdo em uma plataforma, ou seja, o tempo que leva para um conteúdo atingir 50% de seu engajamento total, geralmente medido em número de visualizações ou métricas baseadas em popularidade. A meia-vida média de um tweet é de cerca de 20 minutos, em comparação com cinco horas para postagens no Facebook, 20 horas para postagens no Instagram, 24 horas para postagens no LinkedIn e 20 dias para vídeos do YouTube. A meia-vida muito mais curta ilustra o papel central que o Twitter passou a ocupar na condução de conversas em tempo real à medida que os eventos se desenrolam.

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A capacidade do Twitter de moldar o discurso em tempo real, bem como a facilidade com que os dados, incluindo dados com geotag, podem ser coletados do Twitter tornaram uma mina de ouro para pesquisadores analisarem uma variedade de fenômenos sociais, desde saúde pública até política. Os dados do Twitter têm sido usados até ​​para prever visitas ao departamento de emergência relacionadas à asma, medir a conscientização pública sobre epidemias e modelar a dispersão de fumaça de incêndios florestais.

Os tweets que fazem parte de uma conversa são mostrados em ordem cronológica e, embora grande parte do engajamento de um tweet seja antecipado, o arquivo do Twitter fornece acesso instantâneo e completo a todos os tweets públicos. Isso posiciona o Twitter como um cronista histórico de registro e, de fato, um verificador de fatos.

Musk e suas ideias sobre o Twitter

Uma questão crucial é como a propriedade do Twitter por Elon Musk e o controle privado das plataformas de mídia social em geral afetam o bem-estar público mais amplo. Em uma série de tweets depois deletados, Musk fez várias sugestões sobre como mudar o Twitter, incluindo adicionar um botão de edição para tweets e conceder marcas de verificação automática para usuários premium.

Não há evidências experimentais sobre como um botão de edição alteraria a transmissão de informações no Twitter. No entanto, é possível especular a partir de pesquisas anteriores que analisaram tweets deletados.

Existem várias maneiras de recuperar tweets deletados, o que permite que os pesquisadores os estudem. Embora alguns estudos mostrem diferenças significativas de personalidade entre usuários que excluem seus tweets e aqueles que não o fazem, essas descobertas sugerem que a exclusão de tweets é uma maneira de as pessoas gerenciarem suas identidades online.

A análise do comportamento de exclusão também pode fornecer pistas valiosas sobre credibilidade e desinformação online. Da mesma forma, se o Twitter adicionar um botão de edição, analisar os padrões de comportamento de edição pode fornecer informações sobre as motivações dos usuários do Twitter e como eles se apresentam.

Estudos de atividade gerada por bots (robôs digitais) no Twitter concluíram que quase metade das contas que tuítam sobre o COVID-19 são provavelmente bots. Dado o partidarismo e a polarização política nos espaços online, permitir aos usuários – sejam eles bots automatizados ou pessoas reais – a opção de editar seus tweets pode se tornar mais uma arma no arsenal de desinformação usado por robôs e propagandistas. A edição de tweets pode permitir que os usuários distorçam seletivamente o que disseram ou neguem fazer comentários inflamatórios, o que pode complicar os esforços para rastrear informações erradas.

Modelos de receita e moderação de conteúdo

Para entender as motivações de Musk e o que vem a seguir para plataformas de mídia social como o Twitter, é importante considerar o gigantesco – e opaco – ecossistema de publicidade online envolvendo múltiplas tecnologias utilizadas por redes de anúncios, empresas de mídia social e editores. A publicidade é a principal fonte de receita do Twitter.

A visão de Musk é gerar receita para o Twitter a partir de assinaturas em vez de publicidade. Sem ter que se preocupar em atrair e reter anunciantes, o Twitter teria menos pressão para focar na moderação de conteúdo. Isso tornaria o Twitter uma espécie de site de opinião livre para assinantes pagantes. O Twitter tem sido agressivo no uso de moderação de conteúdo em suas tentativas de lidar com a desinformação.

A descrição de Musk de uma plataforma livre de problemas de moderação de conteúdo é preocupante à luz dos danos algorítmicos causados ​​pelas plataformas de mídia social. A pesquisa mostrou uma série desses danos, como algoritmos que atribuem gênero aos usuários, possíveis imprecisões e vieses em algoritmos usados ​​para coletar informações dessas plataformas e o impacto sobre quem procura informações de saúde online.

O testemunho de Frances Haugen, ex-diretora que denunciou o Facebook, e os recentes esforços regulatórios, como o projeto de lei de segurança online divulgado no Reino Unido, mostram que há uma ampla preocupação pública sobre o papel desempenhado pelas plataformas de tecnologia na formação do discurso popular e da opinião pública. A oferta de Musk pelo Twitter joga luz sobre uma série de preocupações regulatórias.

Por causa dos outros negócios de Musk, a capacidade do Twitter de influenciar a opinião pública nos setores sensíveis da aviação e da indústria automobilística criaria automaticamente um conflito de interesses, sem mencionar afetar a divulgação de informações relevantes necessárias para os acionistas. Musk já foi acusado de adiar a divulgação de sua participação acionária no Twitter.

A própria pesquisa do Twitter sobre seu viés algorítmico concluiu que é preciso haver uma abordagem liderada pela comunidade para criar algoritmos melhores. Um exercício muito criativo desenvolvido pelo MIT Media Lab pede aos alunos do ensino médio que reimaginem a plataforma do YouTube com a ética em mente. Talvez seja hora de pedir ao Twitter que faça o mesmo – seja quem forem seus proprietários e administradores.

*Anjana Susarla é professora de Sistemas de Informação e Inteligência Artificial Responsável na Universidade de Michigan State (EUA)

The Conversation

The Conversation é uma fonte independente de notícias, opiniões e pesquisas da comunidade acadêmica internacional.

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