Consumo de protesto: a música engajada na era digital

Canções de Mick Jagger contra Trump e o Brexit abrem debate sobre o uso de composições políticas pelas indústrias

Por Marlene Oliveira | ODS 12ODS 9 • Publicada em 1 de setembro de 2017 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 13:31

Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, acaba de lançar duas novas músicas de protesto. Foto Mark Ralston/AFP
Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, acaba de lançar duas novas músicas de protesto. Foto Mark Ralston/AFP
Mick Jagger lança duas novas músicas de protesto: anti Brexit e contra Trump. Foto: Mark Ralston/AFP

Dois dias depois de soprar as 74 velinhas de seu bolo de aniversario, Mick Jagger mostrou que continua mantendo “acesa a velha chama”. E, dessa vez, a chama política. Um dos dinossauros do rock, o líder dos Rolling Stones lançou, no fim de julho, duas novas músicas solos: “England Lost” (Inglaterra Perdida) e “Gotta Get a Grip (Controle suas Emoções), com claras mensagens anti Brexit e contra Trump.

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Identificar os desejos e as necessidades de seus consumidores e traduzir, em poesia, as questões macro e micropolíticas que inundam o noticiário é mais uma bela sacação midiática de Jagger

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Especialista em atrair a atenção da imprensa – tanto por seus talentos musicais quanto por sua vida pessoal -, Jagger viu o anúncio de suas duas novas músicas repercutir mundialmente, sobretudo pelos temas escolhidos. Identificar os desejos e as necessidades de seus consumidores e traduzir, em poesia, as questões macro e micropolíticas que inundam o noticiário é mais uma bela sacação midiática de Jagger. É como diz a expressão, “Enquanto alguns choram, outros vendem lenços”.

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Além do tempo musical, dos compassos e do ritmo, identificar o timing certo para um lançamento é meio caminho andado para ter sucesso. Mick Jagger não quis arriscar: em um ano, quando deve sair o novo álbum dos Rolling Stones, esses assuntos perderiam um quê de novidade e talvez já tivessem sido explorados pelos concorrentes.

A política costuma ser um bom motor para compositores. No caso de Jagger, a inspiração veio da ansiedade e do sentimento de vulnerabilidade com a saída da Inglaterra da Comunidade Européia. Fanático por futebol e com fama de “pé frio“, a letra de “England Lost“, usa o futebol para falar, por analogia, da turbulência política atual. “I went to see England but England lost / I went round the back but they said piss off” (“Eu fui ver a Inglaterra mas a Inglaterra perdeu / Eu virei pra trás, mas eles disseram para eu dar o fora”).

A música de protesto teve seu ápice de popularidade nos anos 60, pelo contexto sócio-histórico que sacudiu o mundo ocidental na época, mas também pelo tino comercial da indústria fonográfica que soube criar consumo numa sociedade que se batia contra velhos valores, incluindo o consumismo. Liberdade de expressão, o fim das guerras e o desarmamento nuclear, um mundo de “paz e amor” e a tolerância religiosa entre protestantes e católicos na Irlanda do Norte foram temas cantados em verso, amplificados pela indústria e transformados em produto de consumo mundial.

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A indústria de consumo, apoiada por uma publicidade eficiente e criativa, continua sabendo tirar proveito da pressão e da angústia a que estamos sendo submetidos para reforçar suas marcas e vender seus produtos

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Os compositores brasileiros cruzaram as últimas décadas alternando ritmos, mas usando suas letras para protestar, mostrando indignação e denunciando os males de que temos sido vítimas nos últimos tempos: corrupção, violência, injustiça social… A lista é grande.

Logo na primeira metade da década de 30, um samba de Noel Rosa e Ataulfo Alves já versava sobre política. E o título da canção era justamente “Onde está a honestidade?”:

Você tem palacete reluzente/Tem jóias e criados à vontade/Sem ter nenhuma herança nem parente/Só anda de automóvel na cidade/E o povo já pergunta com maldade: Onde está a honestidade?/Onde está a honestidade?

Mais atual, impossível.

A partir de 1964, a repressão e a censura instauradas pelo regime militar deram origem a movimentos que usaram a música para lutar contra a ditadura, usando metáforas e ambiguidades. “É Proibido Proibir”, “Que as Crianças Cantem Livres”, “Cálice”, e tantas outras, permitiram a toda uma geração buscar a liberdade através das composições e expressar, em versos, a angústia e o terror que estava vivendo.

O rock dos anos 80 também deu voz às questões sociais e políticas da época. As bandas de Brasília (Paralamas do Sucesso e Legião Urbana, entre outras) e outros grandes nomes do rock brasileiro demonstram o quanto a música pode ser um forte instrumento de manifestação contra o avanço do desenvolvimento desordenado no planeta, o autoritarismo e a intolerância.

Mas os tempos mudaram. Dos velhos Long Plays, passamos pelos CDs e, hoje, vivemos em rede. A TV perdeu sua hegemonia para as mídias sociais e, claro, essa mudança de hábitos fez migrar os investimentos de anunciantes para plataformas digitais, que rapidamente identificaram novas oportunidades de consumo, incluindo o “consumo de protesto”. Em rede. A indústria de consumo, apoiada por uma publicidade eficiente e criativa, continua sabendo tirar proveito da pressão e da angústia a que estamos sendo submetidos para reforçar suas marcas e vender seus produtos.

Traduzir angústias e emoções em impulso de compra é trabalho para profissionais. Uma conhecida marca de automóveis, de origem italiana, soube explorar a paixão pelo futebol com um jingle que ultrapassou o evento para o qual ele foi criado, a Copa das Confederações. Marcelo Falcão, vocalista do Rappa, foi convidado a gravar a música, daí para o Youtube, e outras plataformas digitais, e o “Vem Pra Rua” ganhou hashtag, virando um pretenso hino de mobilização, usado em manifestações políticas. O # acaba sendo usado como forma de identidade.

Mas é sempre bom lembrar que oportunidade e risco andam lado a lado. Conectar sua marca à política pode alavancar suas vendas, mas pode também ser repudiado pelas redes sociais, como forma de protesto.

Marlene Oliveira

Jornalista e profissional de comunicação, vive em Paris e conhece bem a ebulição do ambiente corporativo. Acredita que a queda do império romano "é pouco" perto das transformações que a sociedade está vivendo mas, otimista até a raiz dos cabelos, acredita que dias melhores virão. Inxalá!

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