ODS 1
Moda sustentável para quem?
Evento na Paraíba mostra avanço na produção do algodão agroecológico em processo de certificação internacional
O final do mês de outubro foi marcado pelo “Dia da Colheita do Algodão”, em Ingá, na Paraíba, que celebrou um grande avanço na produção do algodão agroecológico em processo de certificação internacional.
Acompanhar de perto a expansão dessa rede de colaboradores para o fortalecimento da cadeia sustentável do algodão era um sonho antigo. Como autora do livro “ O Agronegócio do Algodão: meio ambiente e sustentabilidade”, tenho me dedicado a entender de que modo as marcas de moda podem se engajar no fomento de uma cadeia mais sustentável, sem o uso de agrotóxicos, e garantindo a segurança alimentar das famílias de agricultores.
Na Paraíba, pude testemunhar essa realidade acontecendo, fruto do esforço de muitas partes que trabalham em colaboração com o mesmo objetivo: melhorar a vida das pessoas do campo resgatando saberes ancestrais do cultivo do algodão e das técnicas artesanais de macramês, bordados, fuxicos, labirinto e muitas outras. Eu estava lá para celebrar a entrada de mais mulheres nessa atividade que vem proporcionando independência financeira e empoderamento feminino. Agricultoras como Josefa Maria da Silva Santos, a Fiinha, de 54 anos que, com a colheita da primeira safra comprou sua moto e reformou a casa, para orgulho de sua família.
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Veja o que já enviamosO município já é referência como polo do algodão orgânico do país. Os dados crescentes impressionam com um crescimento de quase 10 vezes de 2021 a 2023. A recente instalação da usina de beneficiamento deve estimular ainda mais a economia local. A máquina de 32 toneladas e seis metros de altura vai reduzir o trabalho de oito meses para apenas 72 horas. A usina tem como perspectiva beneficiar a safra de outros produtores do Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco, que fazem divisa com o Estado.
Este grande salto tecnológico em Ingá foi alcançado graças ao apoio das indústrias Dalila Têxtil (SC) e da Companhia Industrial Cataguases (MG) que investiram na instalação e garantiram cinco anos de prazo de pagamento para a cooperativa de agricultores. Esta ação foi importante para ajudar a cadeia produtiva a tentar viabilizar a certificação Global Organic Textile Standard (GOTS) e levar este algodão para o mercado internacional. Além disso, importantes varejistas como Lojas Renner e Calvin Klein, presentes no evento, poderão ampliar a oferta de produtos de algodão orgânico em suas coleções.
Destaca-se aqui o pioneirismo da Natural Cotton Color que, liderada por sua fundadora, a paraibana Francisca Vieira, nascida nos campos do algodão de sua família, tem persistido na articulação dessa rede colaborativa que levou as tecelagens Cataguases e Dalila a investir na tecnologia para alavancar a produção do algodão na região. Dessa rede colaborativa fazem parte também com o Banco do Brasil, o Sebrae e a Apex na internacionalização, além do desenvolvimento de novos tecidos feitos em parceria com o Centro de Tecnologia e Inovação Têxtil Senai Paraíba.
O “Dia da Colheita” foi encerrado com um desfile numa passarela montada no campo de algodão, um cenário que emocionou a todos os que estavam lá presentes. Por ali passaram looks autorais em algodão branco e colorido das marcas envolvidas no projeto local do algodão como as têxteis Cataguases e Dalila, a incrível e pioneira Santa Luzia, com suas redes artesanais e a Natural Cotton Color, com peças em alfaiataria impecável em jacquard com fios de seda, e peças em denim colorido com toques de macramê, renda de bilro e labirinto, uma técnica super sofisticada e artesanal resgatada por artesãs locais.
Francisca Vieira, CEO da Natural Cotton Color e presidente da Abrimos (Associação Brasileira da Indústria, Comércio, Serviços e Educação para Moda Sustentável), endossa a necessidade da certificação GOTS nos produtos acabados. Ela explica que a certificação é uma exigência das grandes marcas internacionais. O grupo Kering (Gucci, Yves Saint Laurent, etc) o grupo LVMH (Louis Vuitton, Möet Chandon) entre outras marcas, já sinalizaram interesse, mas não concluíram. “Querem comprar nossos tecidos, porém, a condição é ter o Gots. Por isso, a parceria com a Cataguases e a Dalila Têxtil é tão importante. Sem esta usina de beneficiamento financiada por eles, seria impossível atender as exigências e normas para tentar obter esta certificação internacional”, afirmou.
Reconhecida por liderar o movimento que fortaleceu a produção de algodão orgânico em assentamentos do Estado, a Natural Cotton Color vem gerando visibilidade e demanda para o algodão orgânico com a presença de produtos em feiras e eventos internacionais, como a Smart Creation, dentro da Première Vision, em Paris, e a Semana de Moda de Milão.
O resgate do histórico do algodão da Paraíba, um estado que já liderou a produção no país antes da crise do bicudo nos anos 80, alinha-se aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas ao promover a igualdade de gênero (ODS5), a erradicação da pobreza (ODS1), e a Produção e Consumo Responsável (ODS12).
A Moda Sustentável no Brasil deve construir seu caminho olhando para as pessoas e para o planeta. O “Dia da Colheita do Algodão” mostrou que isso é possível, e já está acontecendo.
*Yamê Reis viajou a convite da Abrimos (Associação Brasileira de Moda Sustentável)
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Yamê Reis é socióloga, fundadora do Rio Ethical Fashion e coordenadora de Design de Moda no IED Rio. Em sua carreira, liderou projetos com impacto no mercado brasileiro de moda em empresas como Cantão, Totem e Le Lis Blanc. Em 2017, fundou a Moda Verde, que atua nas áreas de Educação, Direção Criativa e projetos especiais para Moda Sustentável. É autora de 'O Agronegócio do Algodão: Meio Ambiente e Sustentabilidade'