As belezas naturais e a riqueza histórica e geológica de Caçapava do Sul fizeram com que o território de cerca de 3 mil km², localizado na região central do Rio Grande do Sul, fosse reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Geoparque Mundial. Além de alavancar o turismo, o selo de geodiversidade estimula a preservação ambiental e traz novas possibilidades de renda para pessoas como a artesã Rubia Brum. “No momento em que surgiu o geoparque, começamos a trabalhar com geoprodutos. Criamos produtos utilitários e outros que pudessem ser lembranças para os turistas com as imagens aqui de Caçapava. Fazemos isso com os cactos, com os pontos turísticos e com o relevo”, conta a empreendedora local.
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Desde 2017, quando criou o “Com Arte Atelier”, Rubia faz das paisagens naturais do município uma fonte de inspiração e uma forma de aumentar sua renda. Ela conta que desde a certificação dada pela Unesco ao geoparque em março de 2023, as visitas de turistas começaram a crescer. “Notamos uma diferença muito grande nas vendas dos nossos produtos, principalmente depois da conquista do selo”, observa Rubia.
O crescimento da economia associada à geodiversidade também foi percebido pelo músico e artesão Maykel Rodrigues. “Aumenta a chance de oferecer produtos melhores e aumenta a produção, porque esse tipo de economia gera muita renda. Caçapava é uma cidade que tem muitos artistas bons, então esse selo e o geoparque como um todo vem para agregar”. No caso de Maykel, o foco do seu trabalho está em reaproveitar madeiras caídas de árvores nativas para transformar em geoprodutos.
Segundo a definição da Unesco, um geoparque é um território com características geográficas únicas, onde os locais e as paisagens de significado internacional são gerenciados com um conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável. Para a pequena cidade de aproximadamente 37 mil habitantes receber o título de Geoparque Mundial, foi necessário um intenso trabalho feito por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), em parceria com a prefeitura e a comunidade local.
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Veja o que já enviamosEntre os principais pontos que fazem de Caçapava um território único estão: o encontro dos biomas Pampa e Mata Atlântica, o que leva a ocorrência de espécies endêmicas de plantas, como certos tipos de cactos; as rochas sedimentares marinhas e continentais de mais de 500 milhões de anos; além de fósseis de animais da chamada megafauna (animais de grandes proporções), principalmente os fósseis do “megatherium” – espécie de preguiça–gigante.
Ao todo, são 22 geossítios espalhados por Caçapava, alguns deles, como as Pedras das Guaritas e a Serra do Segredo são também objeto de diferentes estudos e pesquisas geológicas, além do geoturismo. É justamente na comunidade rural das Guaritas onde fica a novelaria Santa Marta, um empreendimento criado pela professora Marta Teixeira Silveira. No local, a produção é baseada na preservação e valorização da flora nativa do Pampa gaúcho. “A novelaria traz um resgate dos saberes e fazeres que com o passar do tempo foram se perdendo na nossa região, como a fiação e todo o processo da lã”.
A sustentabilidade na produção da novelaria começa no uso de plantas tradicionais da região, como campo nativo (pega-pega, grama forquilha, guanxuma), espinho de são joão, japecanga, rapa canela, coronilha, entre outras. “O mais especial é o tingimento, porque fazemos só com as plantas nativas do Pampa, só com o que temos no pátio”, comenta Marta.. Além disso, a professora destaca que os cordeiros são criados soltos na fazenda e recebem acompanhamento veterinário constante.
Desde que Caçapava foi reconhecida como geoparque pela Unesco, houve um crescimento do número de visitas na fazenda onde é feita a lã. Quando questionada sobre o papel da geodiversidade para a novelaria, Marta é categórica: “É de extrema importância, nossa missão é passar conhecimento para as pessoas de preservação e cuidado com nossa flora local”, afirma a professora.
Trabalho com a comunidade
Administradora da Unipampa e coordenadora da Agência de Inovação e Empreendedorismo do Geoparque Soluções, Renata Miranda comenta sobre o trabalho desenvolvido para estimular a economia local através da identificação da comunidade com a geodiversidade. Segundo ela, o fomento ao desenvolvimento regional também faz parte do conceito de geoparque, por isso, um dos focos de trabalho está no artesanato. “Se não fosse o geoparque, não íamos conseguir trabalhar o artesanato local, o desenvolvimento que pode movimentar a economia. Dizer para as mães que não podem trabalhar que elas podem abordar o que sabem fazer turisticamente”.
O trabalho desenvolvido por Rubia no “Com Arte Atelier” é um dos exemplos e, conforme Renata, existem diversas outras possibilidades, inclusive para se trabalhar nas salas de aula do município. “O geoparque representa tudo isso, o desenvolvimento regional através da educação, estamos plantando hoje para colher em 10, 20 anos, mas temos certeza que vamos colher”, conclui Renata Miranda.
Além da história do município – Caçapava foi um dos palcos da Revolução Farroupilha, conflito armado que opôs elites de republicanos e federalistas (chimangos e maragatos), entre 1835 e 1845 no Rio Grande do Sul – e das belas paisagens, o território também tem como atrativo a aldeia indígena de Irapuã. Ocupada por indígenas Guarani Mbya desde 2013. a área foi reconhecida e homologada pela União em 2016.
Vice-cacique e professor em turmas que vão da 1° a 5° série, Arlindo Benítez da Silva, destaca o papel do artesanato de colares e animais de madeira para sustentar as 11 famílias que vivem na aldeia. “É com esse trabalho que conseguimos renda para comprar o que precisamos para sobreviver”. Recentemente, Caçapava sediou a 15° edição do Salão Internacional de Ensino, Pesquisa e Extensão da Unipampa. Presente no evento acadêmico, Arlindo destacou o papel do geoparque e do contato com a universidade para dar visibilidade aos indígenas de Caçapava. “Muitos não sabem que fazemos artesanato ou que existimos e é muito importante trazer para dentro da universidade e mostrar para as pessoas”, acrescenta o vice-cacique.