Geodiversidade vira selo sustentável e estimula preservação ambiental no Sul

No município gaúcho de Caçapava do Sul, reconhecimento como Geoparque pela Unesco impulsiona práticas sustentáveis, turismo e economia local

Por Micael Olegário | ODS 12 • Publicada em 21 de dezembro de 2023 - 08:55 • Atualizada em 4 de janeiro de 2024 - 08:43

Rubia Brum e as peças de seu Arte Atelier: com selo de geodiverssidade, paisagens naturais de Caçapava do Sul viraram fonte de inspiração e de renda (Foto: Micael Olegário)

As belezas naturais e a riqueza histórica e geológica de Caçapava do Sul fizeram com que o território de cerca de 3 mil km², localizado na região central do Rio Grande do Sul, fosse reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Geoparque Mundial. Além de alavancar o turismo, o selo de geodiversidade estimula a preservação ambiental e traz novas possibilidades de renda para pessoas como a artesã Rubia Brum. “No momento em que surgiu o geoparque, começamos a trabalhar com geoprodutos. Criamos produtos utilitários e outros que pudessem ser lembranças para os turistas com as imagens aqui de Caçapava. Fazemos isso com os cactos, com os pontos turísticos e com o relevo”, conta a empreendedora local.

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Desde 2017, quando criou o “Com Arte Atelier”, Rubia faz das paisagens naturais do município uma fonte de inspiração e uma forma de aumentar sua renda. Ela conta que desde a certificação dada pela Unesco ao geoparque em março de 2023, as visitas de turistas começaram a crescer. “Notamos uma diferença muito grande nas vendas dos nossos produtos, principalmente depois da conquista do selo”, observa Rubia.

A novelaria traz um resgate dos saberes e fazeres que com o passar do tempo foram se perdendo na nossa região, como a fiação e todo o processo da lã. O mais especial é o tingimento, porque fazemos só com as plantas nativas do Pampa, só com o que temos no pátio

Marta Teixeira Silveira
Professora e fundadora da Novelaria Santa Marta

O crescimento da economia associada à geodiversidade também foi percebido pelo músico e artesão Maykel Rodrigues. “Aumenta a chance de oferecer produtos melhores e aumenta a produção, porque esse tipo de economia gera muita renda. Caçapava é uma cidade que tem muitos artistas bons, então esse selo e o geoparque como um todo vem para agregar”. No caso de Maykel, o foco do seu trabalho está em reaproveitar madeiras caídas de árvores nativas para transformar em geoprodutos.

Segundo a definição da Unesco, um geoparque é um território com características geográficas únicas, onde os locais e as paisagens de significado internacional são gerenciados com um conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável. Para a pequena cidade de aproximadamente 37 mil habitantes receber o título de Geoparque Mundial, foi necessário um intenso trabalho feito por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), em parceria com a prefeitura e a comunidade local.

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Entre os principais pontos que fazem de Caçapava um território único estão: o encontro dos biomas Pampa e Mata Atlântica, o que leva a ocorrência de espécies endêmicas de plantas, como certos tipos de cactos; as rochas sedimentares marinhas e continentais de mais de 500 milhões de anos; além de fósseis de animais da chamada megafauna (animais de grandes proporções), principalmente os fósseis do “megatherium” – espécie de preguiça–gigante.

Turistas visitam área rural de Caçapava do Sul, encontro dos biomas Mata Atlântica e Pampa: 22 geossítios espalhados pelo município (Foto: Ana Antunes)
Turistas visitam área rural de Caçapava do Sul, encontro dos biomas Mata Atlântica e Pampa: 22 geossítios espalhados pelo município (Foto: Ana Antunes)

Ao todo, são 22 geossítios espalhados por Caçapava, alguns deles, como as Pedras das Guaritas e a Serra do Segredo são também objeto de diferentes estudos e pesquisas geológicas, além do geoturismo. É justamente na comunidade rural das Guaritas onde fica a novelaria Santa Marta, um empreendimento criado pela professora Marta Teixeira Silveira. No local, a produção é baseada na preservação e valorização da flora nativa do Pampa gaúcho. “A novelaria traz um resgate dos saberes e fazeres que com o passar do tempo foram se perdendo na nossa região, como a fiação e todo o processo da lã”.

O geoparque representa tudo isso, o desenvolvimento regional através da educação, estamos plantando hoje para colher em 10, 20 anos, mas temos certeza que vamos colher

Renata Miranda
Administradora da Unipampa e coordenadora da Agência de Inovação e Empreendedorismo do Geoparque Soluções

A sustentabilidade na produção da novelaria começa no uso de plantas tradicionais da região, como campo nativo (pega-pega, grama forquilha, guanxuma), espinho de são joão, japecanga, rapa canela, coronilha, entre outras. “O mais especial é o tingimento, porque fazemos só com as plantas nativas do Pampa, só com o que temos no pátio”, comenta Marta.. Além disso, a professora destaca que os cordeiros são criados soltos na fazenda e recebem acompanhamento veterinário constante.

Desde que Caçapava foi reconhecida como geoparque pela Unesco, houve um crescimento do número de visitas na fazenda onde é feita a lã. Quando questionada sobre o papel da geodiversidade para a novelaria, Marta é categórica: “É de extrema importância, nossa missão é passar conhecimento para as pessoas de preservação e cuidado com nossa flora local”, afirma a professora.

Crianças indígenas brincam em evento na Unipampa, em Caçapava do Sul: Guaranis MBya, da aldeia Irapuã, também levam produtos artesanais para vender no município (Foto: Micael Olegário)

Trabalho com a comunidade

Administradora da Unipampa e coordenadora da Agência de Inovação e Empreendedorismo do Geoparque Soluções, Renata Miranda comenta sobre o trabalho desenvolvido para estimular a economia local através da identificação da comunidade com a geodiversidade. Segundo ela, o fomento ao desenvolvimento regional também faz parte do conceito de geoparque, por isso, um dos focos de trabalho está no artesanato. “Se não fosse o geoparque, não íamos conseguir trabalhar o artesanato local, o desenvolvimento que pode movimentar a economia. Dizer para as mães que não podem trabalhar que elas podem abordar o que sabem fazer turisticamente”.

O trabalho desenvolvido por Rubia no “Com Arte Atelier” é um dos exemplos e, conforme Renata, existem diversas outras possibilidades, inclusive para se trabalhar nas salas de aula do município. “O geoparque representa tudo isso, o desenvolvimento regional através da educação, estamos plantando hoje para colher em 10, 20 anos, mas temos certeza que vamos colher”, conclui Renata Miranda.

Além da história do município – Caçapava foi um dos palcos da Revolução Farroupilha, conflito armado que opôs elites de republicanos e federalistas (chimangos e maragatos), entre 1835 e 1845 no Rio Grande do Sul – e das belas paisagens, o território também tem como atrativo a aldeia indígena de Irapuã. Ocupada por indígenas Guarani Mbya desde 2013. a área foi reconhecida e homologada pela União em 2016.

Vice-cacique e professor em turmas que vão da 1° a 5° série, Arlindo Benítez da Silva, destaca o papel do artesanato de colares e animais de madeira para sustentar as 11 famílias que vivem na aldeia. “É com esse trabalho que conseguimos renda para comprar o que precisamos para sobreviver”. Recentemente, Caçapava sediou a 15° edição do Salão Internacional de Ensino, Pesquisa e Extensão da Unipampa. Presente no evento acadêmico, Arlindo destacou o papel do geoparque e do contato com a universidade para dar visibilidade aos indígenas de Caçapava. “Muitos não sabem que fazemos artesanato ou que existimos e é muito importante trazer para dentro da universidade e mostrar para as pessoas”, acrescenta o vice-cacique.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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