Países passam a ter obrigação de frear danos climáticos

Em decisão inédita, Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão da OEA, define que a emergência climática é vista, pelos olhos da Justiça, como uma crise também dos direitos humanos.

Por Liana Melo | ODS 13
Publicada em 4 de julho de 2025 - 18:56  -  Atualizada em 4 de julho de 2025 - 19:25
Tempo de leitura: 5 min

Romina Picolotti (de blusa vermelha) e o cientista Carlos Nobre na audiência da Corte Internacional de Direitos Humanos em Manaus. (Foto: Arquivo pessoal)
  1. Faltando pouco mais de quatro meses para a COP30, em Belém, em novembro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos, (OEA), anunciou, na quinta 3, uma decisão histórica. Num documento de 234 páginas, responsabilizou os estados no combate à crise climática. É a primeira vez que a emergência climática é vista, pelos olhos da Justiça, como uma crise também dos direitos humanos.

A decisão da CIDH é fruto de uma solicitação conjunta feita pela Colômbia e o Chile em janeiro de 2023 – algo inédito no âmbito da corte. Com jurisdição sobre 20 países da América Latina e do Caribe, o CIDH concluiu ainda que os países devem aprovar leis para enquadrar as empresas. Diz o texto aprovado que o setor privado deve atuar com “devida diligência em relação aos direitos humanos e às mudanças climáticas ao longo de sua cadeia de valor“. E mais: definiu que, sendo o meio ambiente um sujeito de direito, os danos ambientais são intergeracionais, o que significa que a reparação não termina com as principais vítimas, mas incide também sobre as gerações futuras.

Co-fundadora do Centro de Direitos Humanos e Meio Ambiente (CHRE, na sigla em inglês), Romina Picolotti, falou com o #Colabora sobre a decisão histórica do CIDH.

Romina Picolotti (de blusa vermelha) e o cientista Carlos Nobre na audiência da Corte Internacional de Direitos Humanos em Manaus. (Foto: Arquivo pessoal)

#Colabora – Como a CIDH chegou a essa decisão?

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Romina Picolotti – É a primeira vez que, na história da Corte, uma decisão é precedida de tanta participação. Foram apresentadas pouco mais de 260 observações ao tribunal, sendo 36 de estados, 17 de indígenas e comunidades tradicionais, mais de 90 de sindicatos e ONGs, 70 de instituições acadêmicas e outras 45 de especialistas. É uma prova de que a questão climática requer uma enorme atenção da justiça. Ao todo, foram sete dias de reunião em Barbabos, um país altamente vulnerável às mudanças climáticas, e o Brasil, em Manaus, onde os membros do CIDH ouviram 150 depoimentos. Foi um processo de escuta riquíssimo, com reuniões diárias que chegavam a durar dez horas, e onde estiveram presentes os sete membros da CIDH.

#Colabora – A decisão da Corte pode influenciar o Tribunal Superior das Nações Unidas?

Romina Picolotti – Decididamente, terá uma influência positiva sobre as futuras decisões do Tribunal. Seria desproporcional e inconsistente contradizer uma decisão da Corte. Por isso, acredito que terá uma influência muito positiva. 

 #Colabora – Acredita que haverá um crescimento da litigância climática?

Romina Picolotti – A resposta é sim. Com essa decisão, os países não têm mais possibilidade de não fazer mudanças climáticas, porque passarão a ter a obrigação legal de enfrentar essa crise. O enfrentamento inclui mitigar os efeitos permanentes a longo prazo e reduzir as emissões a curto prazo. Vou dar um exemplo: a decisão da Corte é uma espécie de freio de mão para um carro que está andando em alta velocidade numa estrada. A mudança climática está numa velocidade de 100km/ hora. Precisamos diminuir essa velocidade.  A mudança climática está precisando de um freio e alguns gases, como o metano, por exemplo, tem um enorme potencial para reduzir o aquecimento global no curto prazo. Essa decisão da Corte é, sem dúvida nenhuma, o documento jurídico mais importante desse século. Algumas questões que envolviam algum grau de litigância deixam, a partir de agora, de ser controversas. E países e empresas não têm mais a justificativa de não implementar ações de mitigação. A decisão da Corte fez com que a Justiça passa a ter um papel fundamental para enfrentar a mudança climática.

#Colabora – Como acha que o Brasil se enquadra nesse novo cenário?

Romina Picolotti – O Brasil precisa tomar cuidado com alguns setores políticos, representados no Congresso Nacional, que são favoráveis a enfraquecer o Ministério do Meio Ambiente e relaxar os controles e as avaliações ambientais. Com essa decisão da Corte, os estados, e também o próprio Congresso, passam a ter a obrigação de não retroceder. Retrocessos podem levar o Brasil ao banco dos réus por violar obrigações legais impostas por uma Corte internacional.

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#Colabora – Em que medida essa decisão por impactar o resultado da COP30?

Romina Picolotti – A decisão é uma ferramenta muito importante e levar a sociedade civil a cobrar cada vez mais. Por enquanto, não está muito claro o que vai acontecer na COP em Belém porque estamos vendo um vazio de implementação nesse momento. Portanto, penso que a opinião do Tribunal posse ser usada como um roteiro para promover medidas concretas de implementação que estejam em conformidade com as obrigações legais.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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