- Faltando pouco mais de quatro meses para a COP30, em Belém, em novembro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos, (OEA), anunciou, na quinta 3, uma decisão histórica. Num documento de 234 páginas, responsabilizou os estados no combate à crise climática. É a primeira vez que a emergência climática é vista, pelos olhos da Justiça, como uma crise também dos direitos humanos.
A decisão da CIDH é fruto de uma solicitação conjunta feita pela Colômbia e o Chile em janeiro de 2023 – algo inédito no âmbito da corte. Com jurisdição sobre 20 países da América Latina e do Caribe, o CIDH concluiu ainda que os países devem aprovar leis para enquadrar as empresas. Diz o texto aprovado que o setor privado deve atuar com “devida diligência em relação aos direitos humanos e às mudanças climáticas ao longo de sua cadeia de valor“. E mais: definiu que, sendo o meio ambiente um sujeito de direito, os danos ambientais são intergeracionais, o que significa que a reparação não termina com as principais vítimas, mas incide também sobre as gerações futuras.
Co-fundadora do Centro de Direitos Humanos e Meio Ambiente (CHRE, na sigla em inglês), Romina Picolotti, falou com o #Colabora sobre a decisão histórica do CIDH.
#Colabora – Como a CIDH chegou a essa decisão?
Romina Picolotti – É a primeira vez que, na história da Corte, uma decisão é precedida de tanta participação. Foram apresentadas pouco mais de 260 observações ao tribunal, sendo 36 de estados, 17 de indígenas e comunidades tradicionais, mais de 90 de sindicatos e ONGs, 70 de instituições acadêmicas e outras 45 de especialistas. É uma prova de que a questão climática requer uma enorme atenção da justiça. Ao todo, foram sete dias de reunião em Barbabos, um país altamente vulnerável às mudanças climáticas, e o Brasil, em Manaus, onde os membros do CIDH ouviram 150 depoimentos. Foi um processo de escuta riquíssimo, com reuniões diárias que chegavam a durar dez horas, e onde estiveram presentes os sete membros da CIDH.
#Colabora – A decisão da Corte pode influenciar o Tribunal Superior das Nações Unidas?
Romina Picolotti – Decididamente, terá uma influência positiva sobre as futuras decisões do Tribunal. Seria desproporcional e inconsistente contradizer uma decisão da Corte. Por isso, acredito que terá uma influência muito positiva.
#Colabora – Acredita que haverá um crescimento da litigância climática?
Romina Picolotti – A resposta é sim. Com essa decisão, os países não têm mais possibilidade de não fazer mudanças climáticas, porque passarão a ter a obrigação legal de enfrentar essa crise. O enfrentamento inclui mitigar os efeitos permanentes a longo prazo e reduzir as emissões a curto prazo. Vou dar um exemplo: a decisão da Corte é uma espécie de freio de mão para um carro que está andando em alta velocidade numa estrada. A mudança climática está numa velocidade de 100km/ hora. Precisamos diminuir essa velocidade. A mudança climática está precisando de um freio e alguns gases, como o metano, por exemplo, tem um enorme potencial para reduzir o aquecimento global no curto prazo. Essa decisão da Corte é, sem dúvida nenhuma, o documento jurídico mais importante desse século. Algumas questões que envolviam algum grau de litigância deixam, a partir de agora, de ser controversas. E países e empresas não têm mais a justificativa de não implementar ações de mitigação. A decisão da Corte fez com que a Justiça passa a ter um papel fundamental para enfrentar a mudança climática.
#Colabora – Como acha que o Brasil se enquadra nesse novo cenário?
Romina Picolotti – O Brasil precisa tomar cuidado com alguns setores políticos, representados no Congresso Nacional, que são favoráveis a enfraquecer o Ministério do Meio Ambiente e relaxar os controles e as avaliações ambientais. Com essa decisão da Corte, os estados, e também o próprio Congresso, passam a ter a obrigação de não retroceder. Retrocessos podem levar o Brasil ao banco dos réus por violar obrigações legais impostas por uma Corte internacional.
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Veja o que já enviamos#Colabora – Em que medida essa decisão por impactar o resultado da COP30?
Romina Picolotti – A decisão é uma ferramenta muito importante e levar a sociedade civil a cobrar cada vez mais. Por enquanto, não está muito claro o que vai acontecer na COP em Belém porque estamos vendo um vazio de implementação nesse momento. Portanto, penso que a opinião do Tribunal posse ser usada como um roteiro para promover medidas concretas de implementação que estejam em conformidade com as obrigações legais.