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O que a mulher da terra planta, a cidade janta

ODS 12ODS 2 • Publicada em 13 de março de 2023 - 08:30 • Atualizada em 14 de março de 2023 - 10:43

(Maria Agnelina Santos de Jesus*) – Sou Maria Agnelina, tenho 50 anos e moro no povoado Malhada do Alto, no município de Serrinha, Bahia. Sou mulher nordestina e orgulhosa do que faço: a agroecologia. Foi com essa prática que consegui ter autonomia financeira, estudar, ver minhas filhas ingressarem na universidade e alcançar soberania alimentar e qualidade de vida, além de contribuir para melhorias na minha comunidade. Mas nem sempre foi bom assim. Eu, como a grande maioria das mulheres da terra nesse país, precisei superar muitas dificuldades, inclusive a fome. Só que não fiz isso sozinha.

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Sou filha de produtores rurais, que tiveram 12 crianças. Na minha infância, meus pais precisavam dividir um ovo de galinha caipira para cada 4 filhos. Ficar com um quarto de ovo na barriga é passar fome. Ainda pequena, precisei ir trabalhar no motor de sisal com minha família, e ali, vi que eu precisaria superar aquelas dificuldades através das minhas próprias mãos e do meu suor. Eu nunca desisti.

Maria Agnelina com abóboras de sua horta: agroecologia como base de soberania alimentar e autonomia financeira (Foto: Allan Suzart / MOC / ActionAid)
Maria Agnelina com abóboras de sua horta: agroecologia como base de soberania alimentar e autonomia financeira (Foto: Allan Suzart / MOC / ActionAid)

Com o passar dos anos, fui me movimentando e buscando formas de mudar aquela realidade, conhecendo mulheres e organizações que queriam a transformação tanto quanto eu. Me casei, com meu marido que está ao meu lado até hoje, formei família tendo duas filhas lindas, Kamila e Lorena. Conheci o MOC – Movimento de Organização Comunitária na Bahia e, como são parceiros, também conheci a ActionAid. Ingressei nas formações, nas assessorias técnicas, nas rodas de mulheres. Conheci a agroecologia e vi que com essa prática sustentável eu poderia plantar horta o ano inteiro para subsistência e vender o excedente nas feiras daqui e restaurantes da cidade. Conheci mais a fundo meus direitos como agricultora e como mulher. Hoje, eu não conto ovos para ter o que comer. Eu comercializo os ovos e muito mais. Gero renda e tenho fartura no meu quintal. E não paro por aí.

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Diferentemente de minha mãe, que nos criou com a lida na terra e sem acesso à educação, a agroecologia me permitiu seguir estudando. Hoje tenho graduação em história pela FTC e sou pós-graduada em Educação no Campo pelo Instituto Federal Baiano/Campus Serrinha, além disso, sou membro integrante do NEA (Núcleo de Estudo em Agroecologia), representando a entidade APAEB (Associação dos Pequenos Agricultores do Estado da Bahia). Minha filha mais velha é enfermeira com pós-graduação em Enfermagem do Trabalho, e a mais nova fez um curso técnico em Agroecologia, também pelo Instituto Federal Baiano/Campus Serrinha, e está terminando Urbanismo e estagiando.

Assim, a agricultura familiar para as mulheres da minha casa, hoje, é uma das opções possíveis. E eu sigo a escolhendo, dentre muitas outras atividades que faço, porque além de ser um grande orgulho complementar o sustento da minha família com produtos que fazem bem à saúde, eu levo comida de verdade para o campo e para a cidade e lido com práticas inovadoras que cuidam de nós e do planeta.

Sigo aprendendo e hoje me considero uma disseminadora de conhecimento nas associações, nos grupos de produção, nas cooperativas, nas entidades parceiras. Gosto de dizer que sou uma mulher empoderada. Fazer o que gosta e ter autonomia financeira ajuda inclusive a nossa mente a ficar em paz.

Hoje, me sinto realizada, mas consciente de que nós, mulheres agricultoras, precisamos de muito mais apoio, porque ainda somos esquecidas. Quero mais mudança de vida, transformação social, ambiental, mental. Quero que todas as mulheres sejam o que quiserem, sem serem afetadas pelos preconceitos sociais, de gênero, de classe, de cor ou raça, por todas essas injustiças. Quero políticas públicas que possibilitem que eu siga lutando e conquistando melhorias para mim e para todas nós.

A agroecologia me ensina que a transformação precisa ser coletiva. Afinal, para que a comida saudável chegue à mesa do povo da cidade, tem aqui a nossa luta das mulheres da terra. As minhas mãos produzem e levam a garantia de soberania alimentar para muitas mesas. Como falamos sempre por aqui: “Se a mulher não planta, a cidade não janta”. Por isso, neste mês de março em que celebramos o Dia Internacional da Mulher, eu celebro também a agroecologia e convido você a se juntar na defesa pela nossa melhoria de vida e por nossos direitos.

*Maria Agnelina é agricultora familiar vinculada ao MOC – Movimento de Organização Comunitária na Bahia e uma das mulheres participantes da campanha Mulheres da Terra, da ActionAid. Para saber mais, acesse: https://mulheresdaterra.org.br/

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