O mundo está mais quente, mais faminto, mais desertificado, mais desmatado, mais vulnerável e em guerra. Recém-saídos de uma pandemia, que ainda ecoa com sua mortalidade com novas cepas, ou com milhares de mortos em áreas pouco ou não vacinadas, os países buscam reencontrar caminhos para seguir adiante, ante uma crise de combustível e insegurança alimentar crescente. É diante deste cenário que, paradoxalmente, mais e mais empresas têm se destacado por ações “sustentáveis”.
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Nos últimos dois anos nos vimos mergulhados numa certa overdose midiática do termo ESG (Environmental, social and Governance), e na forma como o setor empresarial se apropriou fortemente da sigla para destacar suas “boas ações”. Parece até estranho pensar que poucas responsabilidades eram atribuídas às empresas quando o mundo começou a se atentar para os riscos que oferecemos cotidianamente ao planeta nessa era antropocêntrica.
Duas menções
As empresas foram mencionadas apenas duas vezes na declaração da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente em 1972, e em ambas, em conjunto com cidadãos, comunidades, governos e instituições, instadas a arcarem com suas responsabilidades e conduta sobre a proteção do meio ambiente em toda sua dimensão.
A situação mudou muito radicalmente para o mundo corporativo, no entanto, na criação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, em 2015, com 17 metas para pautar temáticas diversas na condução das ações em prol do planeta e da sociedade por condições mais dignas e justas até 2030. O setor empresarial foi citado no documento mais de 40 vezes e, aí sim, com direcionamentos muito certeiros e claros para o engajamento, mobilização e alinhamento estratégico para o atingimento das metas globais.
A inclusão bem-vinda do setor empresarial nas responsabilidades para com o desenvolvimento sustentável começou a ser desenhada por John Elkington, em 1994, com a construção do conceito triple botton-line, que conjugava os aspectos ambiental, social e financeiro para um desenvolvimento saudável. O conceito culminou com a carta de Larry Fink, o CEO do maior grupo investidor do planeta, a BlackRock, em janeiro de 2020 no limiar da pandemia da Covid-19. Na carta, Fink conclamava os CEOs a se engajarem na causa, e mostrava que o futuro dos negócios seria das empresas mais sustentáveis. Dava inclusive o exemplo, dizendo que seria mais seletivo sobre em quais empreendimentos aportaria recursos, privilegiando os que incorporassem os riscos climáticos aos negócios, ou seja, reduzindo investimentos em combustíveis fósseis, por exemplo.
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Veja o que já enviamosA apenas 8 anos do fechamento da Agenda 2030, no entanto, o cenário descrito no primeiro parágrafo deste texto não parece o melhor retrato para otimismo. A nova conferência de Estocolmo, realizada no início de junho de 2022 ficou esvaziada, com apenas 10 líderes mundiais e não teve a participação do alto escalão das grandes corporações. Tampouco trouxe elementos de avanço para se considerar que estamos no caminho certo.
Overdose de ESG
O gestor da Fama Investimentos, Fábio Alperowitch, escreveu uma carta simbólica a Larry Fink, explanando o sentimento de frustração com os caminhos que estamos seguindo. “Apesar de ESG ter se tornado a palavra da moda no mundo corporativo e financeiro, em nada avançamos na redução de emisões de gases de efeito estufa. Salvo um discreto recuo nas emissões de CO2 em 2020 por conta da pandemia, já voltamos ao trágico ritmo normal.”
Alperowitch decidiu escrever a carta ante o anúncio de que a BlackRock votaria contra a agenda climática em assembleias corporativas neste ano por serem muito “radicais”. “É um tapa na cara”, diz Alperowitch, que reconhece a importância dos pronunciamentos anteriores de Fink, sempre subindo o tom sobre o risco climático, e a decisão do grupo de desinvestir em empreendimentos com alto risco de sustentabilidade, como os produtores de carvão para termoelétricas; e lançar novos produtos de investimento que filtrem os combustíveis fósseis.
De fato, assim como Fink chegou a ser conhecido como “o pai do ESG” – embora o termo já tenha mais de três décadas desde sua criação – agora parece ter sido colocado como um detrator, e deixado o setor empresarial um tanto perdido sobre para onde ir. A sigla começa a sofrer com a overdose da superexposição, e ser colocada em xeque, de certa forma sendo demonizada pela forma como foi incorporada sem critérios.
“Tudo passou a ser ESG”, comenta o diretor de uma empresa do setor de energia, segundo o qual até mesmo ações previstas na legislação passaram a ser ressaltadas como diferenciais de sustentabilidade. Outra crítica é que a diversidade e a inclusão – racial, gênero, etária etc – que obviamente deveriam ser amplamente consideradas, passaram a ser apenas pontos fora da curva a serem ressaltados em corporações que não cumprem o “básico” em prol da segurança ambiental. “Ter uma mulher ou uma pessoa negra no conselho de administração não pode anular todas as demais irresponsabilidades de uma empresa”, considerou.
Há, claro, sempre uma forma de ver o “copo meio cheio”, garantem alguns especialistas. Há avanços a serem considerados ao longo de 5 décadas, em especial nos últimos 10 anos.
“Quando começamos a precificar o carbono já temos um avanço. Quando substituímos os green bonds lançados em 2014 pelos atuais SLB (Sustainability Linked Bonds), que oferecem uma visão estratégica muito melhor, temos um avanço. Quando temos uma rediscussão das cadeias de valor, temos um avanço imenso”, ressalta o professor Celso Lemme, da Coppead, especialista em projetos de pesquisa em sustentabilidade corporativa, finanças sustentáveis e avaliação de empresas.
Para ele, não somente a regulamentação da implementação do Acordo de Paris, garantida na última Conferência do Clima, em Glasgow, a COP 26, como a decisão do órgão que regula os mercados de capitais dos Estados Unidos de uma série de diretrizes para melhor classificar os critérios ambientais, sociais e de governança utilizados pelos fundos de investimentos em suas estratégias. As regras da SEC (Securities and Exchange Commission) estão sob audiência pública e visam estabelecer padrões para os produtos oferecidos aos investidores. O volume de aplicações com essas características totalizou quase US$ 3 trilhões no primeiro semestre deste ano, um aumento de três vezes em relação ao volume negociado em 2019.
Especificamente falando de Brasil, o professor Celso Lemme destaca que há uma imensidão de linhas de frente para se aprofundar as estratégias ESG nesta década. “Temos mais de 20 milhões de empresas, mas quantas efetivamente estão se preocupando com risco climático, mercado de carbono, inclusão? Considerando as listadas em Bolsa, teríamos menos de 200 buscando se adequarem. Elas servem de farol, indicam o caminho, repassam sua experiência em suas cadeias, mas é preciso uma ação em massa para levar esses conceitos também para pequenas e médias empresas ou até para o comércio”, destacou.
Para ele, é preciso acelerar a equalização do tempo em que vivemos. Afinal, o século XXI é vivido na Alemanha, mas Serra Leoa permanece no século XVI. E no próprio Brasil temos a inovação do atual século em polos de inovação, mas um país imenso vivendo no século XVIII quando falamos de água e saneamento. “Não importa se não tivemos uma nova declaração definitiva e propositiva na nova reunião de Estocolmo. O que importa é que temos o plano de ação e que precisamos avançar. As grandes empresas já sabem o que fazer. Mas não podem deixar para resolver tudo em 2029 ou 2049, porque aí será tarde demais”.