Um Brasil mais urbano e mais sustentável ainda é possível

Urbanização compacta e planejada favorece o transporte público, minimiza destruição ambiental e incentiva o convívio social

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 11 • Publicada em 30 de setembro de 2024 - 09:19 • Atualizada em 2 de outubro de 2024 - 09:42

Movimentação do comércio na rua 25 de março, em São Paulo. População da cidade equivale a de 2.374 municípios. Foto Tom Vieira, AGIF via AFP

O Brasil era um país pouco populoso e predominantemente rural na maior parte dos primeiros 500 anos de sua história. Em 1872, quando foi realizado o primeiro censo demográfico, a cidade de São Paulo tinha apenas 31 mil habitantes e a soma da população das capitais das Unidades da Federação estava abaixo de 1 milhão de habitantes e representava menos de 10% da população total do país.  Mas a população nacional cresceu 10 vezes no século XX, passando de 17 milhões em 1900 para cerca de 170 milhões de habitantes no ano 2000. Até a década de 1960, a maior parte da população estava no meio rural e a proporção de moradores urbanos só passou a ser maioria na década de 1970.

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Desta forma, o Brasil vivenciou uma transição urbana no século XX e a população foi se concentrando nas grandes cidades e em grandes metrópoles. O gráfico abaixo mostra que as cidades com mais de 100 mil habitantes concentravam 47,9% da população total em 1991, passou para 51,2% em 2001, atingiu 54,7% em 2010 e alcançou 58,2% em 2024. Assim, no século XXI, a maior parte da população brasileira está concentrada em municípios com mais de uma centena de mil habitantes.

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As cidades entre 20 mil e 100 mil habitantes reuniam 31,9% da população total em 1991, passaram para 29,4% em 2001, para 28,1% em 2010 e caíram para 26,7% em 2024. Já as cidades com menos de 20 mil habitantes concentravam 20,2% da população total em 1991, passaram para 19,4% em 2001, para 17,1% em 2010 e caíram para 15,1% em 2024.

As 4 tabelas abaixo mostram a distribuição da população brasileira por grupos mais detalhados do tamanho da população em 1991, 2001, 2010 e 2024. A tendência tem sido aumentar a participação populacional dos grupos de cidades maiores e a diminuição da concentração da população dos grupos menores. Para efeito de comparação, a cidade de São Paulo tem uma população em 2024 (11.895.578) maior do que a de 2.374 municípios de menor população (11.895.134).

 

 

A tabela abaixo mostra a população dos 15 maiores municípios brasileiros em 2000, 2010 e 2024.  Nota-se que o conjunto das 15 cidades tinha uma população de 36,2 milhões de habitantes no ano 2000, representando 21,3% da população total de 169,8 milhões de habitantes, passando para 40,2 milhões em 2010 (21,1% do total de 190,8 milhões) e chegando a 42,8 milhões de habitantes em 2024, representando 20,1% da população total de 212,6 milhões de habitantes. O percentual da cidade de São Paulo caiu de 6,1% no ano 2000 para 5,6% em 2024 e o percentual da cidade do Rio de Janeiro caiu de 3,4% no ano 2000 para 3,2% em 2024. Por outro lado, Brasília passou de 1,2% para 1,4% da população total em 24 anos.

 Desta forma, o Brasil está cada vez mais urbano e mais concentrado em grandes cidades, especialmente cidades com mais de 100 mil habitantes. O peso das 15 maiores cidades tem caído ligeiramente no século XXI, mas o grupo de cidades entre 100 mil e 1 milhão de habitantes continua concentrando um percentual cada vez mais significativo da população brasileira. Já o grupo de cidades com menos de 100 mil habitantes tem um peso populacional cada vez menor.

As projeções populacionais do IBGE (revisão 2014) indicam que a população brasileira irá começar a decrescer a partir de 2042 e deverá perder cerca de 20 milhões de habitantes até 2070. Mas este decrescimento deve ocorrer principalmente nas cidades menores de 100 mil habitantes. O Brasil terá redução populacional, mas a taxa de urbanização não deve recuar, pois a população deve continuar concentrada nos municípios com mais de 100 mil habitantes, embora com pequena redução da parcela concentrada nas duas grandes megacidades do país.

A urbanização compacta versus a urbanização espraiada

Existe um grande debate acadêmico sobre as opostas alternativas de se espalhar a população pela área rural e pelas pequenas cidades ou, ao contrário, concentrar a população em cidades maiores e mais concentradas. As análises científicas indicam que o impacto da degradação ambiental do espraiamento é maior do que o da concentração urbana. Por exemplo, o impacto ambiental de Los Angeles é maior do que o de Nova York, uma vez que o crescimento dos subúrbios de alta renda são mais prejudiciais ao meio ambiente do que cidades altamente concentradas como Nova York, Tóquio ou Xangai. Neste sentido, a urbanização concentrada seria menos danosa ao meio ambiente do que o espraiamento rural e urbano.

A discussão entre urbanização compacta e urbanização espraiada é central nas áreas de planejamento urbano e desenvolvimento sustentável, pois reflete diferentes abordagens de crescimento das cidades, com impactos econômicos, ambientais e sociais distintos.

Como mostraram Martine, Alves e Cavenaghi (2013), a transição urbana acontece de forma sincrônica com a transição demográfica, sendo que ambas criam uma grande janela de oportunidade para a melhoria das condições de vida da população. A taxa de urbanização no mundo era de 29,6% em 1950 e está próxima de 60% em 2024, praticamente dobrando em 75 anos. No mesmo período, a expectativa de vida ao nascer da população mundial passou de 46 anos para 74 anos e a mortalidade infantil caiu de 138 por mil para 27 por mil. As taxas de fecundidade caíram de 5 filhos por mulher para 2,3 filhos por mulher. Também houve aumento da renda e dos níveis educacionais dos habitantes do globo. Portanto, o processo de urbanização, a despeito das desigualdades, tem sido acompanhado por melhoria dos indicadores sociais.

As vantagens da urbanização compacta são: a) Eficiência de transporte – A proximidade entre moradia e trabalho diminui a necessidade de longos deslocamentos, favorecendo o uso de transporte público e meios não motorizados, como bicicletas; b) Menor impacto ambiental – Reduz a expansão descontrolada da cidade sobre áreas verdes e agrícolas. Promove o uso eficiente da infraestrutura já existente, como redes de água, energia e saneamento e c) Vitalidade urbana – Favorece a criação de espaços públicos ativos, com mais interação social e diversidade de usos.

As possíveis desvantagens são: a) Sobrecarga de infraestrutura – A alta densidade pode sobrecarregar sistemas urbanos, como transporte e saneamento, se o crescimento não for bem planejado; Problemas de habitação – Em algumas cidades, a urbanização concentrada pode aumentar o custo de vida e gerar escassez de moradias acessíveis e c) Congestionamento – Se não houver planejamento adequado, pode ocorrer excesso de tráfego e poluição.

A Urbanização Espraiada (Dispersa) é caracterizada pela expansão horizontal das cidades, onde as áreas urbanas se espalham por grandes regiões com baixa densidade populacional. Esse tipo de urbanização se observa principalmente em subúrbios e regiões periféricas.

As vantagens da urbanização espraiada são: a) Espaço maior para habitação – Oferece moradias mais amplas, com quintais e áreas verdes privadas, o que muitas vezes é atraente para famílias; Menor pressão sobre áreas centrais – Pode aliviar a pressão das áreas centrais das cidades, descentralizando serviços e atividades econômicas e c) Qualidade de vida percebida – Muitos veem esse estilo de vida como mais tranquilo, com menos congestionamento e maior proximidade com a natureza.

As desvantagens são: a) Impacto ambiental elevado – A expansão para áreas rurais ou naturais aumenta a destruição de ecossistemas e o consumo de energia devido à maior necessidade de deslocamentos motorizados; b) Custo de infraestrutura – O fornecimento de serviços públicos como transporte, saneamento e eletricidade em áreas espraiadas é mais caro e menos eficiente e c) Dependência do carro – O espaçamento entre moradias, comércios e empregos cria uma forte dependência de veículos privados, levando a mais congestionamento e emissões de gases de efeito estufa.

Atualmente, há um movimento crescente para encontrar soluções híbridas, que equilibrem os benefícios da urbanização compacta e da espraiada. O conceito de desenvolvimento urbano sustentável propõe a criação de cidades mais densas, mas com infraestruturas verdes, uso de tecnologias que minimizem o impacto ambiental e modelos de mobilidade que priorizem o transporte público e ativo (bicicletas e caminhadas).

A cidade de 15 minutos, um conceito proposto por diversos urbanistas, é um exemplo de modelo que tenta combinar o melhor dos dois mundos, incentivando a criação de núcleos urbanos autossuficientes onde os cidadãos podem acessar tudo o que precisam a uma curta distância. A escolha entre um modelo e outro tem impactos profundos e reflete as prioridades de cada sociedade, seja em termos de qualidade de vida, sustentabilidade ou crescimento econômico.

O Brasil será um país cada vez mais urbano no século XXI. Mas as duas grandes megalópoles – São Paulo e Rio de Janeiro – já atingiram a proporção demográfica máxima e devem perder população em termos absoluto e relativo. Mas as cidades entre 100 mil e 1 milhão de habitantes devem continuar se destacando. O grande desafio será proporcionar qualidade de vida social e ambiental para as pessoas e o meio ambiente nesta nova configuração urbana e demográfica do século XXI.

Referências:

IBGE. Projeções da População, 22/08/2024 https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-projecao-da-populacao.html?edicao=41053&t=resultados

George Martine, Jose Eustaquio Alves, Suzana Cavenaghi. Urbanization and fertility decline: Cashing in on Structural Change, IIED Working Paper. IIED, London, December 2013. ISBN 978-1-84369-995-8

http://pubs.iied.org/pdfs/10653IIED.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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