Guerra contra os carros em São Paulo

Manifestantes protestam contra a morte de uma ciclista na Avenida Paulista

Haddad irrita parcela da classe média, mas é apontado como visionário urbano lá fora

Por Germano Oliveira | Mobilidade UrbanaODS 11ODS 16 • Publicada em 7 de novembro de 2015 - 03:17 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:07

Manifestantes protestam contra a morte de uma ciclista na Avenida Paulista

Com a prefeitura endividada e sem dinheiro para tocar as grandes obras prometidas em 2012 – quando foi eleito, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), corre contra o tempo para implantar ideias criativas para atacar o quarto maior problema da cidade: a falta de mobilidade urbana. O paulistano perde, em média, 2h e 33 minutos diariamente no engarrafamento. Pesquisas de opinião identificaram que, na lista de preocupações dos moradores da cidade, o caos urbano só perde para a saúde, a segurança e a educação.

Ao herdar uma dívida de R$ 57 bilhões com a União, Haddad ficou sem recursos para construir hospitais, melhorar a segurança e edificar novas escolas. Na tentativa de melhorar o trânsito na cidade, o prefeito lançou mão de uma solução ao mesmo tempo barata e eficiente. Com uma mão de tinta aqui outra acolá, saiu pintando faixas exclusivas para ciclistas e espalhou ciclovias pela cidade. Também abriu guerra contra os carros de passeio, que perderam faixas para os ônibus.

Se o prefeito Fernando Haddad fosse chefe de São Francisco, Berlim ou alguma outra metrópole que olha para o futuro, ele seria considerado um visionário urbano

As medidas irritaram a classe média da capital paulista, dona de uma frota de 7 milhões de carros. A última pesquisa Datafolha, divulgada em 2 de novembro, mostrou que um em cada dois paulistanos reprova a administração de Haddad. O apoio às ciclovias também caiu de 80% em 2014 para 56%. Entre os cidadãos, no entanto, subiu dez pontos percentuais. Os especialistas em trânsito aprovaram as medidas para melhorar o trânsito na cidade, ainda que considerem que as soluções são paliativas. Avaliam que, para melhor de fato a mobilidade urbana, seria necessário tirar de circulação  30% dos carros de passeio. As propostas sobre a mesa vão de aumentar o rodízio para dois dias por semana – hoje é apenas um e, neste dia, 2 milhões de carros deixam de circular – à cobrança de um pedágio urbano. Por serem consideradas impopulares por uma parcela da população, o prefeito vem postergando soluções mais de longo prazo, adotando medidas paliativas em ano pré-eleitoral.

A cidade de São Paulo virou um exemplo emblemático da dificuldade de enfrentar o problema da mobilidade urbana em uma área tão densamente povoada. E a situação só tende a piorar. Estudo da consultoria Ernest&Young mostra que, até 2050, o problema de transporte de massa no mundo vai se agravar. Se hoje metade das pessoas usa o carro como transporte; em pouco mais de 30 anos, a previsão é que esse percentual suba para 70%. Cada motorista passará a ficar 106 horas anuais no trânsito – o dobro do que fica atualmente. A relação ideal entre transporte individual e de massa é de 40% e 60%, respectivamente.

Em 2014, as ciclovias cresceram 130% em São Paulo, pulando de 63 quilômetros para 144,7 quilômetros. Estatísticas apontam para 261 mil o número de ciclistas que circulam pela cidade, seja usando a bicicleta para passear no final de semana ou como meio de transporte. Alguns ciclistas passaram a combinar a “magrela” com ônibus, metrô ou trem – o que vem obrigando empresas a criarem infraestrutura para o ciclista nos ambientes de trabalho.

Não foram só os ciclistas que bateram palmas para Haddad. O prefeito foi chamado de “visionário urbano” pelo jornalão americano, o “Wall Street Journal“, em setembro último. No mês seguinte, foi a vez do “The New York Times”  também saiu em defesa do político. Para o jornal, o petista desafiou a supremacia do automóvel e, na mesma matéria, criticou prefeitos anteriores por demolirem praças arborizadas e não investiram no transporte público como Haddad está fazendo.

A fama do prefeito de São Paulo chegou a Europa. Em final de setembro, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, disse, em alto e bom som, em um debate na Universidade Sciences Po, que “votaria em Haddad”. Afirmou ainda não entender os que criticam o prefeito por tomar medidas ousadas pela mobilidade urbana. Para o diretor da universidade, Frédéric Mion, Anne e Haddad são exemplos de políticos inovadores e progressistas nas questões sociais e ambientais.

Se na Europa Haddad fez sucesso; em São Paulo, o prefeito passou a ser criticado por uma parcela da população ao anunciar mudanças na velocidade permitida na cidade: de 70kms para 60km/s em algumas avenidas e, em outras, a redução foi de 60kms/h para 50kms/h. A punição passou a ser em forma de multa e perda de pontos na carteira de habilitação. O paulistano estava acostumado a dirigir a 80kms/h nas marginais da cidade. Alheio às críticas, Haddad já anunciou seu desejo de estender a velocidade média para 50kms/h em toda a cidade.

Uma das consequências foi a imediata redução no número de acidentes com vítimas. Dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) apontam para uma redução de 36% entre 20 de julho (quando a medida foi implantada) e 13 de setembro.  O número de acidentes com vítimas caiu de 532 para 414. E, inexplicavelmente, os engarrafamentos também diminuíram, caindo de 124,4 quilômetros para 104,8 quilômetros.

Apesar do esforço concentrado de Haddad para enfrentar o problema na maior cidade da América Latina, as soluções adotadas até agora são paliativas. A ampliação da linha do metrô é a resposta mais definitiva para melhorar a mobilidade urbana em São Paulo. Ainda que metrô esteja fora da alçada do prefeito, Haddad poderia trabalhar em parceria com o governo do Estado para melhorar a vida do paulistano.

Germano Oliveira

É jornalista em São Paulo. Trabalhou os últimos 20 anos na sucursal paulista do jornal "O Globo". Foi chefe de redação da sucursal durante 12 anos. Antes, foi coordenador de Economia, de Política e Nacional e repórter especial. Foi assessor de imprensa do governo do Estado de São Paulo, no período de 1991 a 1995. Também trabalhou por 13 anos nos jornais "O Estado de S. Paulo" e "Jornal da Tarde" e foi chefe de reportagem do SBT

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