#RioéRua: uma militância carioca

Uma viagem pelas ruas do Rio, suas histórias e o espírito andarilho da sua gente

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 19 de fevereiro de 2018 - 09:13 • Atualizada em 19 de fevereiro de 2018 - 13:24

Ladeira da Misericórdia, a mais antiga via da cidade, acesso principal ao primeiro centro urbano carioca , o Morro do Castelo. Foto Oscar Valporto
Ladeira da Misericórdia, a mais antiga via da cidade, acesso principal ao primeiro centro urbano carioca , o Morro do Castelo. Foto Oscar Valporto
Ladeira da Misericórdia, a mais antiga via da cidade, acesso principal ao primeiro centro urbano carioca , o Morro do Castelo. Foto Oscar Valporto

Faz mais de 20 anos. Estava tomando uma cerveja gelada num começo de noite quente no quiosque Niterói, em Ipanema, quando o companheiro de balcão comentou, olhando para o movimento intenso no calçadão da orla: “Carioca é igual barata, basta esquentar e vai tudo para a rua”. Filosofia pura de botequim também é parte da cultura rueira do Rio de Janeiro onde, por muitas outras razões além das climáticas, os cariocas nascidos em todas as partes do mundo têm dificuldade de parar em casa.

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#RioéRua. Certamente há relação também com a geografia que fez a cidade crescer à beira-mar, subindo pelas encostas e disputando espaço com a floresta. Somos descendentes dos índios, donos da terra, que viviam nas praias, andarilhos pelo litoral e pela mata. Somos descendentes dos africanos, que chegaram escravos e celebravam suas tradições e sua cultura nas ruas da capital

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#RioéRua. Certamente há relação também com a geografia que fez a cidade crescer à beira-mar, subindo pelas encostas e disputando espaço com a floresta. Somos descendentes dos índios, donos da terra, que viviam nas praias, andarilhos pelo litoral e pela mata. Somos descendentes dos africanos, que chegaram escravos e celebravam suas tradições e sua cultura nas ruas da capital da colônia e depois do Império, porque não havia espaço para elas na Casa Grande. E, quando a República chegou, a cidade de São Sebastião cresceu e ganhou cara de metrópole europeia, com praças, jardins, calçadas largas – a capital retratada pelo cronista João do Rio, do clássico ‘A Alma Encantadora das Ruas’, no começo do século XX.

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Isso tudo eu aprendi. Mas, para mim, o Rio sempre foi rua, desde criança na Rua General Glicério – um canto de Laranjeiras onde era possível para a garotada jogar bola na rua, andar de bicicleta ou skate na calçada, brincar com os amigos no pátio. Depois dos 12 anos de idade, os pré-adolescentes pressionavam os pais para poderem ‘descer de noite’: ou seja, ir para rua, para a escada dos edifícios, conversar fiado. Quando viramos adolescentes, liberados para a cerveja, inventamos uma comemoração natalina na calçada que já tem quase 40 anos: o mais tradicional Natal na General é na rua.

A sempre movimentada calçada do Bracarense, no Leblon. Foto Oscar Valporto
A sempre movimentada calçada do Bracarense, no Leblon. Foto Oscar Valporto

#RioéRua. E também aprendi circulando pelo subúrbio desde garoto, visitando parentes no Riachuelo, bairro onde meus pais se conheceram. Era um lugar de casas simples, com cadeiras na calçada e, de acordo com a minha memória já não tão afiada, tomei por lá a primeira cerveja com meu pai. Foi o velho também quem me levou a Bonsucesso, Olaria, Madureira, Campo Grande e, naturalmente, Bangu. Acompanhei, mesmo antes da cerveja, banguenses sofredores atrás do time de coração em bares e biroscas perto dos estádios, na Zona Oeste e na Zona Norte. E voltei, depois, a frequentar os subúrbios como repórter de cidade só para entender que nem mesmo a insegurança crescente impedia as pessoas de frequentar a rua, no asfalto ou na favela. Já era um carioca de praia e de bar, de samba e futebol. O carioca da piada – carimbava um amigo.

Fiquei oito anos em Salvador, cidade prima do Rio pela alma encharcada de história, pela vida à beira-mar, pela força da cultura africana. Mas falta calçada na primeira capital do Brasil, que só agora busca valorizar os espaços públicos. Voltei com saudade do Rio e sua vocação para a rua, exacerbada pela demolição do Elevado da Perimetral, pela Orla Conde, pelo Boulevard Olímpico – e também facilitada pela melhoria do transporte de massa, dos trens e do metrô. Voltei disposto a reencontrar minha cidade, andar por suas ruas, batucar desafinado em rodas de samba na Ouvidor, tomar cerveja ou uísque na calçada do Bracarense, reencontrar lugares do passado, conhecer coisas novas, visitar a história do Rio de Janeiro.

#RioéRua. Foi assim que nasceu essa disposição para circular pela – e escrever sobre – a cidade e suas circunstâncias. Principalmente as boas: o Rio já tem muitos cronistas dedicados a suas mazelas. Quase uma militância pela ocupação da rua porque é ali que a cidade costuma ser mais solidária, mais tolerante, mais alegre. É isso que ofereço nessas crônicas agora abrigadas aqui no #Colabora: uma viagem pelas ruas do Rio, sua História e suas histórias; uma viagem sempre a pé ou de transporte público, acompanhada por fotos amadoras feitas com celular; uma viagem movida pela minha memória e pelo espírito andarilho e rueiro de todos os cariocas.

A tradicional roda de samba na rua do Ouvidor. Foto Oscar Valporto
A tradicional roda de samba na rua do Ouvidor. Foto Oscar Valporto

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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