#RioéRua: Melancolia pré-Carnavalesca no Catete

Caminhos do pensamento levam até um bairro cheio de história que merecia melhor tratamento

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 17 de fevereiro de 2020 - 12:21 • Atualizada em 12 de março de 2020 - 10:41

Imóvel secular reformado e de portas fechadas: Casarão Ameno Resedá, estabelecimento para shows e eventos, engolido pela crise (Foto: Oscar Valporto)

Horas na sala de espera de hospital e lembro, por razões que não cabe aqui contar, de meu pai, que foi embora há oito anos. Dou um google com o nome completo dele: aparece pouca coisa, a mais significativa o encontro de amigos do Banco do Brasil. Nas variações sobre o nome, aparece um Oscar José de Almeida, violonista e compositor – sem parentesco com os Valporto – integrante do Ameno Resedá, mais famoso rancho das primeiras décadas do século passado.Os ranchos eram grupos carnavalescos com instrumentos de sopro e percussão; o Ameno Resedá – ameno pelo tom da música e resedá em homenagem a uma flor de Paquetá, onde surgiu a ideia do rancho – nasceu em 1907 e consta que foi o primeiro a fazer desfiles temáticos, o que leva a ser apontado com um precursor dos enredos das escolas de samba.

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Estamos às vésperas do Carnaval e o Ameno Resedá foi fundado num 17 de fevereiro, dia de publicação deste #RioéRua, 113 anos atrás. Foram esses os caminhos que me levaram ao Catete: a sede do rancho ficava na Rua Correia Dutra e existe, agora, um Casarão Ameno Resedá, casa de shows e eventos em imóvel secular, onde, em 2018, houve o lançamento da camiseta Imprensa que Eu Gamo, bloco de jornalistas em que desfilei dias antes da sala de espera do hospital me levar a meu pai, ao compositor e ao rancho.  Existia, na verdade: descubro que o estabelecimento fechou, no fim do ano, engolido pela crise – o casarão continua lá embelezando a esquina das ruas Pedro Américo e Bento Lisboa.

Fachada do Hotel Imperial: imóvel de 1876, tombado pelo Ipan no Catete (Foto: Oscar Valporto)

Com o imagem do casarão na cabeça, andar pela Rua do Catete vira um passeio melancólico pela imaginação de como o bairro – e muitas partes desta cidade – poderia ser.  Os imóveis dos hotéis Imperial, de 1876, e Riazor, de 1891, seriam especialmente charmosos com uma reforma na fachada – as duas ainda bem preservadas – e um trato interno. Há outros sobrados centenários espalhados pela rua principal, herança do tempo em que o Palácio do Catete era o centro do poder da República no antigo Distrito Federal. O Carson’s Hotel, quase em frente ao palácio, foi construído em 1875, e foi trocando de nome e proprietário até a década de 50; na minha infância, já era a loja de móveis A Renascença, mais chique da área. O imóvel ainda está lá, restaurado pela Leader, que garante o bom estado da fachada – apesar de uma placa horrorosa – e preserva dentro da loja um bebedouro de animais da construção original.

Os jardins do Palácio do Catete, erguido em 1867: hoje Museu da República e área de lazer do bairro (Foto: Oscar Valporto)

Só na Rua Catete, há pelo menos 34 imóveis tombados pelo Iphan para preservar o conjunto arquitetônico no entorno do Palácio do Catete – quase todas construções da segunda metade do século XIX, com os anos marcados na fachada: 1887, 1896,1897, 1904. A delegacia fica num prédio tombado de 1909. O atual Museu da República – construído como residência do Barão de Nova Friburgo em 1867 – e seus jardins são um exemplo de preservação. Mas a maioria dos sobrados e imóveis antigos não teve a mesma sorte. Há sobrados abandonados, fachadas ocupadas por todo tipo de cartazes e alguns imóveis em ruínas – entre eles, um dos mais antigos, o prédio de 1822, que abrigou a Universidade do Distrito Federal, origem da UERJ, e por 20 anos (a partir de 1983), foi sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), que teve seu prédio na Praia do Flamengo, incendiado após o golpe de 1964.

Delegado de política em prédio tombado: só na Rua do Catete, são mais de 30 imóveis tombados pelo Patrimônio Histórico (Foto: Oscar Valporto)

Seria de todo melancólico o passeio se não fosse véspera de Carnaval: a conversa no Bartman – boteco moderninho em homenagem ao homem-morcego da TV e outros símbolos pop – é sobre ensaio e desfile do Cartola é do Catete, bloco em verde e rosa que homenageia o compositor. Cartola nasceu Agenor de Oliveira, no Catete, na Rua Ferreira Viana: só com 11 anos, mudou-se para o Morro da Mangueira. Pelo papo na mesa ao lado, são mais três ou quatro blocos no bairro – Amigos do Catete, Senta que Eu Empurro, Bambas do Catete, Balança Meu Catete – além do vizinho Largo do Machado mas não Largo do Copo.

É possível desfilar melancolia às véspera do Carnaval, ainda mais neste momento de espera em hospital e maus tratos com a cidade: Pixinguinha morreu num 17 de fevereiro – dia da publicação deste #RioéRua – num carnavalesco sábado de desfile da Banda de Ipanema; Ary Barroso, de Aquarela do Brasil e No tabuleiro da Baiana, foi embora no domingo de Carnaval de 1964; um enfarte levou o grande Alfredinho do Bib Bip, no sábado do Carnaval passado. Mas, nem por isso, o Rio mudou de tom: a Banda de Ipanema ficou tocando Pixinguinha em frente à igreja onde ele morreu e ainda toca Carinhoso em todos os desfiles; as escolas de samba homenagearam Ary na Presidente Vargas, particularmente o Império Serrano que desfilava com sua Aquarela Brasileira, homenagem à música do compositor; o velório de Alfredinho foi com samba, trilha sonora do seu Bip Bip. Vamos seguir, cariocamente, adiante.

#RioéRua

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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