IBGE: número de favelas chega a 12 mil com 16,3 milhões de moradores

Rocinha figura como a mais populosa do país, seguida pela Sol Nascente, em Brasília. O que esse aumento revela sobre a situação do Brasil?

Por Igor Soares | ODS 11 • Publicada em 8 de novembro de 2024 - 15:22 • Atualizada em 19 de novembro de 2024 - 11:20

As casas da Rocinha e os prédios de São Conrado. Favela da Zona Sul segue sendo a mais populosa do país. Foto: Luís Souza/AFP

O Brasil tem atualmente 12,3 mil favelas, de acordo com os dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nesta sexta-feira, dia 8, na Areninha Cultural Herbert Vianna, na Maré. O número de pessoas que vive em “Favelas e Comunidades Urbanas”, como agora classifica o instituto, ultrapassa 16,3 milhões de pessoas, o que corresponde a 8% da população do país; antes, eram 6%. O que esse aumento revela sobre o Brasil?

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No último levantamento, em 2010, havia pouco mais de 6,3 mil favelas no país e cerca de 11,4 milhões de moradores, ou seja, um aumento de lá para cá de quase 100%. A mudança de nomenclatura de “Aglomerados Subnormais” para “Favelas e Comunidades Urbanas” foi um avanço e uma demanda da sociedade, segundo Letícia Giannella, pesquisadora do IBGE: “Nunca foi um conceito muito bem aceito, então, desde 2000, foi formado o primeiro grupo de trabalho para repensar a nomenclatura. A mudança vem muito no sentido de atender os preceitos constitucionais de moradia e entender que esse território não é ilegal ou irregular, mas de populações que buscam garantias de direitos”, salienta Giannella.

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A pesquisadora também observa que a comparação entre o Censo de 2010 e o de 2022 deve ser feita com muito cuidado. “Houve uma melhoria na coleta, no mapeamento e na identificação dos territórios. Não tem como garantir que, efetivamente, todo esse crescimento que aparece seja decorrente de um crescimento populacional ou demográfico. Pode ser que muitas áreas já estivessem presentes e não houvessem sido identificadas em 2010”.

Do ponto de vista econômico, não houve uma demonstração em dados. “O Censo não capta dados econômicos, então nesse questionário não há captação de atividades econômicas. Todas as informações que nós trouxemos se concentram em cor ou raça, sexo, idade, entre outras.”

A favela mais populosa do Brasil é a Rocinha, no Rio, que soma 72 mil pessoas. Atrás dela, aparece a Sol Nascente, em Brasília, que tem 70,9 mil pessoas, e Paraisópolis, em São Paulo, com 58,5 mil pessoas. A favela carioca também é responsável pelo maior número de domicílios particulares, com 30,3 mil unidades. Na sequência, vem Rio das Pedras, também no Rio, registrando 23,8 mil.

Conjunto de favelas da Maré: 140 mil moradores em 16 comunidades que atravessam parte da Zona Norte do Rio. Foto reprodução
Conjunto de favelas da Maré: 140 mil moradores em 16 comunidades que atravessam parte da Zona Norte do Rio. Foto reprodução

“As unidades da federação com as maiores proporções de sua população residindo em Favelas são o Amazonas (34,7%), Amapá (24,4%) e Pará (18,8%). No Sudeste, região mais populosa do país, São Paulo mostrou um percentual de pessoas morando em favelas (8,2%) próximo da média nacional (8,1%), enquanto Espírito Santo (15,6%) e Rio de Janeiro (13,3%) estavam bem acima da média do país”, revela o IBGE.

“Entre as vinte Favelas e Comunidades Urbanas mais populosas do País, oito são da Região Norte (sete delas em Manaus), sete no Sudeste, quatro na Região Nordeste e somente uma – (Sol Nascente) – no Centro-Oeste. Nenhuma dessas 20 maiores favelas aparece na Região Sul”.

As favelas também concentram uma proporção maior de jovens. De acordo com o levantamento, a idade mediana nesses territórios é de 30 anos, enquanto a média nacional é de 35 anos. Em relação aos grupos étnicos, a pesquisa mostra que “as proporções de pardos (56,8%) e pretos (16,1%) na população residente em Favelas e Comunidades Urbanas é superior aos percentuais observados na população total (respectivamente 45,3% e 10,2%). Por outro lado, a proporção das pessoas que se declararam brancas (43,5%) no total da população é bastante superior ao percentual observado na população residente em Favelas e Comunidades Urbanas (26,6%).”

“Entre os domicílios particulares permanentes ocupados nas Favelas e Comunidades Urbanas, 86,4% tinham ligação à rede geral e faziam uso como forma principal de abastecimento de água. O percentual médio do país é menor (83,9%) porque também inclui áreas rurais.”

No Brasil, em 2022, o esgotamento sanitário de 77,4% dos domicílios estava conectado à rede geral, rede pluvial, fossa séptica ou filtro. Nas Favelas e Comunidades Urbanas esse percentual era de 74,6%. Amapá (28,1%), Mato Grosso do Sul (37,1%), Rondônia (39,5%) e Alagoas (40,1%) tinham os menores percentuais e Bahia (89,3%), Rio de Janeiro (86,2%), Minas Gerais (86,1%) e Espírito Santo (84,9%), os maiores.

O serviço de coleta de lixo (coletado no domicílio ou através de caçambas) atendia a 91,7% dos domicílios particulares permanentes ocupados no Brasil, em 2022. Nas Favelas e Comunidades Urbanas, esse serviço era prestado a 96,7% dos domicílios particulares permanentes ocupados. O percentual médio do país é menor porque também inclui áreas rurais. Além disso, em 20,7% dos domicílios em Favelas e Comunidades, a coleta era através de caçambas, enquanto na média do país esse percentual era de 8,6%.

Entre os 958.251 estabelecimentos encontrados pelo Censo 2022 nas Favelas e Comunidades Urbanas, 7.896 eram de Ensino, 2.792 mil eram de Saúde e 50.934 eram Estabelecimentos religiosos. Proporcionalmente, nas Favelas e Comunidades Urbanas havia 18,2 estabelecimentos religiosos para cada estabelecimento de saúde e 6,5 estabelecimentos religiosos para cada estabelecimento de ensino.

Os desafios para a favela

Para Mônica Francisco, cientista social e ativista de favela, o aumento no número de pessoas vivendo em favelas está atrelado à questão econômica. “É a principal causa, não é a única, mas é a fonte desse processo: aluguéis altos, a dificuldade de inserção dessa juventude no mercado de trabalho, do acesso ao primeiro emprego, a aprendizagem, então, isso vai criando um processo de precarização muito grande. A favela é a saída, a autoconstrução, a ocupação de áreas e territórios periféricos populares.”

Ela avalia que os números elevados de pessoas morando em favelas evidenciam um desafio em políticas públicas. “Mais gente morando em favelas só demonstra o quanto o desafio na política da habitação no Brasil ainda é enorme. É preciso que haja um investimento pesado em habitação popular, em financiamento para o acesso à moradia de cunho popular, principalmente para as mulheres, porque a maioria delas chefia esses lares. Uma política de redistribuição de renda, uma política de renda mínima, de acesso com financiamento de acordo com essa população. Um financiamento que de fato contemple de forma desburocratizada o acesso dessas famílias, dessas pessoas”, frisa

Para ela, a presença de jovens também pode demonstrar falta de iniciativas públicas que contemplem as necessidades da juventude, segundo Francisco. “Uma presença mais jovem e mais feminina também demonstra que os jovens têm um poder aquisitivo muito menor, ou seja, a dificuldade que as juventudes têm de acessar o primeiro emprego, de se manter na escola, com baixa escolaridade, diminuição da possibilidade de acesso ao trabalho formal, diminuição da renda da juventude. Tudo isso faz com que essa juventude, extremamente empobrecida, ocupe cada vez mais os espaços mais pauperizados, com mais vulnerabilidade e, obviamente, as favelas e periferias da cidade.”

Igor Soares

Igor Soares é jornalista formado pela UFRJ. Atua como repórter do Fala Roça e como freelancer do #Colabora e do Rio On Watch. Tem experiência em cobertura de cidades, direitos humanos, segurança pública, economia e política, com passagem pelas redações do Estadão, do Portal iG, além de já ter produzido reportagens para a Folha de S. Paulo.

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