ODS 1
Evangélicos ultrapassaram católicos em 2 estados e em 245 cidades

Censo 2022 mostra desaceleração no ritmo da transição religiosa do Brasil. Acre e Rondônia já tem maioria evangélica; Rio de Janeiro deve ter em 2030

Os dados do censo demográfico 2022 mostram que houve uma desaceleração no ritmo da transição religiosa do Brasil. As lideranças católicas comemoraram a redução da velocidade de queda e as lideranças evangélicas se surpreenderam com o pequeno avanço. Algumas pessoas aproveitaram para negar que o Brasil possa completar a transição religiosa, implicando em uma mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos.
Para avaliar o estado da arte das mudanças no campo religioso vale a pena relembrar as nossas previsões recentes. No artigo “A transição religiosa nos 200 anos da Independência”, publicado aqui no # Colabora (Alves, 30/05/2022) apresentamos uma projeção onde os católicos, com um percentual de 38,6% da população, seriam superados pelos evangélicos com 39,8% em 2032. Na mesma data, os sem religião chegariam a 13,1% e as demais chegariam a 13,1%. O Brasil ficaria mais plural, mas com mudança de hegemonia entre os dois grandes grupos mais representativos do campo religioso.
Na ausência de dados do IBGE sobre religião entre 2010 e 2022 fizemos um pressuposto de que a transição religiosa estava se acelerando na última década. Isto não ocorreu. As novas informações do censo demográfico de 2022 mostram que as filiações católicas atingiram o menor nível em 500 anos e as filiações evangélicas atingiram o maior nível da história. Mas os novos números ficaram abaixo das expectativas. Por várias razões, o processo de mudança de hegemonia foi adiado.
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Veja o que já enviamosCabe ressaltar que houve problemas técnicos e mudanças metodológicas que podem ter afetado o resultado do recenseamento. Primeiro, a baixa cobertura censal pode ter afetado ligeiramente os dados do quesito religião, pois enquanto o censo indicou uma população total de 203,081 milhões de habitantes em 2022, as projeções populacionais do IBGE (revisão 2024) indicaram 210,863 milhões de habitantes. Segundo, houve uma ligeira mudança de metodologia, pois os resultados do censo 2022 não incluíram as crianças de 0 a 9 anos, o que afetou particularmente as taxas dos evangélicos e, principalmente, dos sem religião. Terceiro, a falta de dados desagregados dificulta a análise da dinâmica das diversas denominações e prejudica um acompanhamento mais aprofundado da transição religiosa no Brasil.
Contudo, a despeito das possíveis imprecisões do censo demográfico 2022, os novos números são cristalinos ao indicar a continuidade da transição religiosa no Brasil. Pela primeira vez na história do país, os evangélicos superaram os católicos em dois estados: Acre e Rondônia. Além disto, os evangélicos avançaram em todas as Unidades da Federação (UF).
O gráfico abaixo mostra a relação entre evangélicos e católicos (REC) para todas as Unidades da Federação em 2000, 2010 e 2022. Nota-se que no ano 2000 havia 21 evangélicos para cada 100 católicos no Brasil, sendo que a REC era de 6,7 evangélicos para cada 100 católicos no Piauí e de 47,3 evangélicos para cada 100 católicos em Rondônia. A REC do Rio de Janeiro e do Espírito Santo estava em torno de 40 evangélicos para cada 100 católicos.

No ano 2010 a REC subiu em todas as UFs. No Brasil, a relação subiu para 34,3 evangélicos para cada 100 católicos, sendo que a REC subiu para 11,4 no Piauí e para 71,1 em Rondônia e atingiu quase dois terços no Rio de Janeiro, Espírito Santo e Acre.
A REC continuou aumentando em 2022, sendo que pela primeira vez na história brasileira os evangélicos ultrapassaram os católicos em duas UFs: Acre com uma REC de 114 e Rondônia com uma REC de 100,5 evangélicos para cada 100 católicos. A REC brasileira foi de 47,3 em 2022 e a REC do Piauí foi para 20,1 evangélicos para cada 100 católicos.
A REC foi de 90,7 em Roraima, de 83,1 no Amazonas e de 82,2 no Rio de Janeiro. Provavelmente as filiações evangélicas irão ultrapassar as filiações católicas nestes três estados até 2030. No Espírito Santo e no Amapá a REC atingiu, respectivamente, 74 e 71,3 evangélicos para cada 10 católicos. São Paulo, que é a maior UF do país, a REC era de 11,5 em 1991 e passou para 52,3 em 2022.
Em termos municipais, os evangélicos já ultrapassaram os católicos em mais de duas centenas de cidades. A tabela abaixo mostra que o número de municípios onde as filiações evangélicas ultrapassaram as filiações católicas era de 16 municípios em 1991, 34 municípios no ano 2000, 73 municípios em 2010 e alcançou 245 municípios em 2022. Neste conjunto de cidades, a hipótese de um piso para a queda católica e um teto para o avanço evangélico não se confirmou.

O gráfico abaixo mostra a relação entre evangélicos e católicos (REC) para todos os 92 municípios do território fluminense em 2000, 2010 e 2022. Nota-se que no ano 2000 havia apenas 1 município onde os evangélicos superavam os católicos. A cidade de Silva Jardim, no ano 2000, tinha uma população de 21,3 mil habitantes (representava 0,14% da população do estado do Rio de Janeiro) e uma REC de 104,3 evangélicos para cada 100 católicos.
A cidade de Laje do Muriaé tinha a menor REC em 2000, com 10,6 evangélicos para cada 100 católicos. A capital fluminense, com 5,9 milhões de habitantes tinha uma REC de 29,1 evangélicos para cada 100 católicos.
No ano 2010, o número de municípios fluminenses com REC acima de 100 atingiu 20 cidades, somando 3,5 milhões de habitantes (representando 22% da população do estado do Rio de Janeiro). A REC em Silva Jardim passou para 170 evangélicos para cada 100 católicos. A cidade de Laje do Muriaé teve a REC aumentada para 22,1 evangélicos para cada 100 católicos. A “cidade maravilhosa”, com 6,3 milhões de habitantes, viu a REC aumentar para 45,7 evangélicos para 100 católicos.
No ano 2022, as filiações evangélicas superaram as filiações católicas em 40 cidades fluminenses, somando 6,3 milhões de habitantes (representando 40% da população estadual). Três municípios apresentaram REC acima de 200 evangélicos para 100 católicos. A REC atingiu 236 em Seropédica, 227 em Silva Jardim e 219 em Japeri. Nestas 3 cidades o número de evangélicos é mais do dobro do número de católicos.
Em Laje do Muriaé, que apresenta a menor REC no estado do Rio de Janeiro, a REC atingiu 32,8 evangélicos para cada 100 católicos em 2022. Na cidade do Rio de Janeiro, com população de 6,2 milhões de habitantes em 2022, a REC aumentou para 58,4 evangélicos para 100 católicos.
Os dados do estado do Rio de Janeiro mostram que as filiações católicas estão abaixo de 20% em três cidades (Seropédica, Silva Jardim e Japeri) e os evangélicos já são mais de 40% em 25 cidades. Isto mostra que não existe um piso para a queda das filiações católicas e não existe um teto para o avanço evangélico.
Em Seropédica, no grupo etário 10-14 anos, em 2022, os católicos representam apenas 12,1% e os evangélicos representam 52,8%, enquanto os católicos continuam mais fortes entre os idosos. Desta forma, a sucessão de gerações irá impulsionar a transição religiosa.

As filiações católicas ainda são superiores ao número de filiações evangélicas no estado do Rio de Janeiro. Mas o território fluminense está em estágio avançado da transição religiosa. Até 2010, a UF do Rio de Janeiro estava na vanguarda das alterações do campo religioso no Brasil, mas a região Norte e, principalmente, Acre e Rondônia assumiram a dianteira. O censo demográfico de 2022 mostrou uma desaceleração do ritmo de mudança, mas confirmou que o quadro religioso brasileiro mantém a dinâmica de transformação.
A tabela abaixo mostra a variação anual das mudanças percentuais dos quatro grandes grupos religiosos no Brasil entre 1980 e 2022. Nota-se que a queda dos católicos foi de -0,52% entre 1980 e 1991, subiu para o recorde de -1,04 entre 1991 e 2000, caiu ligeiramente para -0,89% entre 2000 e 2010 e teve um queda mais expressiva para -0,69% entre 2010 e 2022.
Os evangélicos cresceram 0,22% ao ano entre 1980 e 1991, subiram para 0,71% entre 1991 e 2000, caíram ligeiramente para 0,63% ao ano entre 2000 e 2010 e tiveram uma queda mais significativa para 0,43% entre 2010 e 2022. O grupo que se autodeclara sem religião cresceu 0,18% ao ano entre 1980 e 1991, subiu para 0,20% entre 1991 e 2000, caiu para 0,15% ao ano entre 2000 e 2010 e caiu novamente para 0,12% entre 2010 e 2022.
Já o grupo das demais religiões apresentou uma variação positiva de 0,12% ao ano entre 1980 e 1991, subiu ligeiramente para 0,13% ao ano entre 1991 e 2000, caiu para 0,11% ao ano entre 2000 e 2010 e subiu para 0,14% ao ano entre 2010 e 2022. O maior crescimento ocorreu entre as religiões de matriz africana (Umbanda e Candomblé) que passaram de 0,3% do total populacional em 2010 para 1% em 2022.

Tomando como base a variação percentual anual dos quatro grandes grupos entre 2010 e 2022, o gráfico abaixo apresenta uma projeção até o ano de 2049 quando as filiações evangélicas podem ultrapassar as filiações católicas, caso o ritmo da última variação intercensal for mantida. Uma projeção não é uma aposta em uma tendência específica, mas apenas um cálculo para se avaliar um cenário caso as variações sejam constantes.
O gráfico mostra que o percentual de católicos deve cair para 51,2% em 2030, para 44,3% em 2040 e para 38% em 2049. O percentual de evangélicos deve subir para 30,4% em 2030, para 34,7% em 2040 e para 38,6% em 2049. O percentual de pessoas que se declaram sem religião deve chegar a 12,5% em 2049 e o percentual das demais religiões deve chegar a 10,9% em 2049.
Portanto, a transição religiosa significa diminuição das filiações católicas e aumento das filiações evangélicas (com possível mudança de hegemonia entre os dois grandes grupos cristãos), além do aumento das demais religiões e aumento do grupo sem religião, criando um cenário de maior pluralidade.

Novas pesquisas são necessárias para avaliar e acompanhar o campo religioso no Brasil. Outros estudos poderão ser realizados quando o IBGE divulgar os dados desagregados pelas diversas denominações religiosas. Mas, de maneira preliminar, já se pode esboçar algumas hipóteses para a desaceleração da transição religiosa no Brasil.
Primeiro, reação da Igreja Católica. A Igreja Católica, ainda majoritária, tem implementado estratégias para reter fiéis, o que inclui maior engajamento com a juventude, ações sociais e um reposicionamento em relação a temas contemporâneos. A gestão do Papa Francisco, primeiro Pontífice da América Latina, pode ter contribuído para estancar a “sangria” das filiações católicas de décadas anteriores.
Segundo, desgaste da politização nas Igrejas Evangélicas. Um fator significativo na redução do ritmo de avanço dos evangélicos é o excesso de politização de parte das lideranças evangélicas. O envolvimento em pautas partidárias e o apoio incondicional a figuras políticas de extrema direita têm afastado fiéis que não se identificam com esse viés, levando a uma desilusão e, em alguns casos, ao abandono das igrejas.
Há relatos de pessoas que deixaram igrejas evangélicas devido a esse alinhamento político com pautas extremistas, como posse de armas, Estatuto do Nascituro, “PL do estuprador” (Projeto de Lei nº 1.904/2024), etc. Denúncias de charlatanismo e de exploração financeira em algumas igrejas evangélicas também podem ter gerado um desgaste e desconfiança entre a população, fazendo com que o crescimento deste segmento perca força.
Em síntese, a desaceleração da transição religiosa no Brasil reflete um cenário mais complexo e multifacetado, onde a dinâmica entre católicos e evangélicos é influenciada por fatores internos de cada grupo, mudanças sociais e políticas, o crescimento do contingente “sem religião” e a ascensão de outras expressões religiosas. Os exemplos dos estados do Acre e Rondônia e de 245 cidades mostram que a transição religiosa brasileira, com mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos, não apenas é possível, como é muito provável.
O Brasil continua sendo o maior país católico do mundo e as mudanças na dinâmica das filiações religiosas tem importância no cenário latino-americano e também no contexto internacional. O que está em discussão no cenário religioso brasileiro não é se os evangélicos vão superar os católicos, mas quando. Nas minhas novas projeções esta ultrapassagem irá ocorrer até 2049.
Referências:
ALVES, JED. A transição religiosa nos 200 anos da Independência, # Colabora, 30/05/2022
ALVES, JED et al. Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 29, n. 2, 2017, pp: 215-242
http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/112180/130985
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), (com a colaboração de Francisco Galiza), maio de 2022.
https://prdapi.ens.edu.br/media/downloads/Livro_Demografia_e_Economia_digital_2.pdf
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José Eustáquio Diniz Alves
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.