ODS 1
Estamos preparados para as Olimpíadas?
Desafio vai muito além dos novos estádios, serviços e cordialidade precisam funcionar
Durante os mais de quatro anos em que morei em Pequim, do segundo trimestre de 2004 até dezembro de 2008, pude acompanhar um país em transformação e, principalmente, uma cidade em transformação. Sede das Olimpíadas de 2008, Pequim vivia, já em 2004, uma realidade de obras em que o assunto jogos era tema obrigatório tanto da mídia estatal chinesa quanto das rodas de conversa dos pequineses. É claro que os opositores ao evento não se atreveram a ir a público protestar contra os jogos diante de um governo que prende quem não concorda com ele. As vozes dissonantes eram ouvidas nas sombras, entre pendrives de estudantes universitários ou de um ou outro motorista de táxi mais indignado. Mesmo a imprensa estrangeira que morava e trabalhava como correspondente no país – eu incluído – tinha uma dificuldade enorme de obter informações não oficias e chapa branca sobre o evento. No entanto, havia ali naquela cidade um certo orgulho de sediar os jogos e uma animação pela avalanche de turistas estrangeiros numa escala nunca vista.
Mais que isso: a China queria fazer bonito. As Olimpíadas, para o país, eram muito mais que um calendário de jogos e disputa de medalhas – ainda que, mesmo nisso, a China tenha se empenhado para brilhar no ranking contra potências como EUA e Alemanha ou ex-potências como Rússia e as repúblicas ex-soviéticas. As Olimpíadas foram a oportunidade para a China se exibir ao mundo como a potência emergente que ela ainda é, apesar da ‘desaceleração’ no crescimento econômico de 11% ao ano para 7% ao ano. Convenhamos: se a gente pudesse crescer metade disso este ano seria um espetáculo, correto?
Bem, shows à parte, o fato é que eu acompanhei de perto a incrível transformação pela qual passou a capital chinesa, especialmente em infraestrutura e mobilidade urbana, mas não apenas nisso. A cidade, onde moram mais de 16 milhões de pessoas, virou um canteiro de obras sob todos os aspectos e os jogos custaram ao país cerca de US$ 35 bilhões, o que deixa as Olimpíadas de Pequim como a mais cara da História. O governo não poupou dinheiro – público – para trazer para a capital – até então uma cafona cidade de azulejos brancos e janelas azuis, misturados aos belíssimos (e poucos) prédios imperiais, alguns milenares – pesos-pesados da arquitetura mundial que deram o toque internacional que a capital chinesa tanto buscava: Sir Norman Foster assinou o terminal 3 do aeroporto de Pequim, o maior do planeta. A sede da televisão estatal CCTV ganhou um projeto que é um desafio à engenharia projetado por Rem Kolhaas. O Teatro Nacional, com forma de ovo de metal submerso em lâmina d’água, foi desenvolvido pelo festejado Paul Andreu.
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Veja o que já enviamosE valeu a pena? Bem, apesar da perfumaria, a China foi muito hábil em focar suas obras de legado em mobilidade urbana e infraestrutura. Relatório da PwC sobre os jogos chineses diz o seguinte: “Entre as ações, foi incluída a construção de 40 novos estádios, instalações de atletismo, um novo aeroporto e várias estradas (entre novas e reformadas). O projeto contemplou ainda a duplicação da capacidade do sistema metroviário de Pequim e a conclusão do sistema de veículo leve sobre trilhos. Os investimentos relacionados às Olimpíadas representaram 15% do investimento total entre 2002 e 2008. Atendendo a uma antiga e crítica necessidade, a cidade recebeu significativo investimento de acordo com William Kirby, diretor do Centro Fairbank para Estudos Chineses da Universidade de Harvard. Kirby descreve o novo aeroporto como “impressionante, maior que o de Heathrow e, talvez, o mais belo aeroporto do mundo”. O aeroporto também representou um benefício econômico de longo prazo, diminuindo atrasos de voos e, consequentemente, descongestionando o tráfego aéreo. Depois das Olimpíadas, Pequim se tornou uma das cidades de melhor desempenho na categoria “infraestrutura”, conforme o relatório de cidades mundiais de 2010 da PwC. Mesmo com desafios urbanos de mobilidade ainda por superar, a cidade conta com o menor custo de transporte público para usuários, de um total de 21 cidades avaliadas”.
Tudo isso teve um preço. E alto. Cerca de 3 milhões de pequineses, estima-se, foram obrigados a deixar suas casas – muitas localizadas nos chamados hutongs, as moradias da época do império chinês, muito bonitas e a maioria no estilo courtyard, com pátios internos – para dar lugar a estádios, rodovias, estações de metrô. Como a China é uma ditadura, quem reclamava ia preso. Então neste sentido, tudo correu muito rápido, como próprio das ditaduras. Muita gente se sentiu tolhida e não recompensada financeiramente. Sem falar no trauma de abandonar casas onde várias gerações da mesma família moraram desde sempre. A segregação espacial na capital chinesa aumentou. Se a especulação imobiliária e hoteleira ficou feliz da vida, o mesmo não se pode dizer dos pequineses mais pobres, expulsos para fora da cidade.
Além disso, a cidade não conseguiu resolver o seu crônico problema de poluição. A solução, para os jogos, foi transferir fábricas do perímetro urbano para a periferia e simplesmente dar feriado geral durante os dias de competições de modo a melhorar a qualidade do ar. Até certos veículos públicos foram proibidos de circular. E o trânsito? Bem, só para ficar no básico: Pequim hoje tem rodízio de placas como em SP para melhorar o trânsito no centro, apesar de todo o investimento em metrô. E por quê? Porque, tal qual no Brasil, comprar carro ficou fácil na China e quem nunca teve um carro, visto como símbolo de status, não quer saber de sustentabilidade. Quer saber do símbolo de riqueza. Então a China se vê na situação desconfortável de um país onde todos andavam de bicicleta – porque não podiam comprar carros, permissão dada somente em 2001 com a entrada do país na OMC – e que vai se transformando num EUA, onde todo mundo quer ter carro SUV, na contramão das noções de sustentabilidade e mobilidade vistas hoje em outros países, incluindo o Japão ali do lado.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Em Pequim, mais de um ano antes dos jogos, 80% dos estádios estavam prontos
[/g1_quote]Hoje, fala-se em elefantes brancos quando se comenta sobre o estádio de abertura e encerramento dos jogos, o Ninho de Pássaro, ou do centro de esportes aquáticos, também conhecido como Cubo D’água”. A poluição continua levando centenas a hospitais com todo o tipo de problema respiratório possível. No balanço das coisas, no entanto, e até pelo que eu ouvia dos pequineses que eu conhecia, as Olimpíadas foram vistas com bons olhos e pelo menos a maioria dos moradores acreditava que a cidade ficou melhor depois dos jogos.
O “Observatório das Metrópoles” fez um artigo sobre os legados de Sydney (2000) e Pequim (2008), que parte de premissas importantes: “Os Jogos Olímpicos (JO), ao contrário da Copa do Mundo, elegem uma cidade como sede, o que resulta na maior concentração de investimentos e intervenções urbanas, que podem acelerar a realização de diretrizes preconcebidas ou redirecionar o processo de planejamento da cidade. Nesse contexto, os custos que envolvem sediar os JO são atualmente tão elevados que as cidades-sede podem justificar as despesas para propor um significativo programa de regeneração e melhorias (ESSEX; CHALKLEY, 1998, p. 187). De acordo com a pesquisa, dentre as edições mais recentes, Barcelona, que recebeu as competições em 1992, foi a primeira sede dos JO a promover transformações urbanas com vistas a transmitir uma imagem positiva e, com isso, ascender seu grau de importância na hierarquia das cidades globais”. Então vamos deixar clara uma coisa: as Olimpíadas são importante janela de transformação urbana para as autoridades públicas que percebem isso.
Acredito que o Rio está neste clima de ascensão às cidades globais, pelo menos nas intenções do prefeito Eduardo Paes, um expert em marketing de todos os tipos que possui grandes ambições políticas. Paes soube aproveitar o momento dos jogos para tirar do papel projetos que, em situação normal de temperatura e pressão, jamais se tornariam realidade. A grande sacada foi cooptar a inciativa privada e transferir para estes, metade dos gastos que um evento deste porte sugere. Isso tem bons e maus aspectos. Do ponto de vista positivo, economiza para a prefeitura recursos que Paes vem aplicando em outras ações, como a expansão do Parque de Madureira – obra prima de Ruy Rezende -, o Porto Maravilha, os piscinões para controles de enchentes na Tijuca/Praça da Bandeira, a duplicação do Joá, etc. Mesmo no Parque Olímpico, estádios temporários vão se transformar em escolas. Os corredores de BRTs e VLT chegam para desafogar áreas da zona norte e oeste nunca contempladas com obras viárias. E há uma ampliação de 150 km para 400 km no tamanho das ciclovias na cidade em oito anos. Ou seja, o Rio tem a ambição de se colocar no patamar das grandes metrópoles de influência planetária a partir dos jogos.
Do ponto de vista negativo, a mão do mercado em situações de desequilíbrio profundo pode piorar as diferenças, então critica-se as remoções para dar lugar ao Parque Olímpico; a especulação imobiliária desenfreada na Barra da Tijuca (palco central do jogos) ou nos bairros adjacentes ao Porto Maravilha que serviram de moeda de troca nos arranjos das PPPs; o delírio ao qual chegaram os preços no mercado imobiliário carioca; os preços no geral no Rio de Janeiro, uma cidade cara de serviços vagabundos. Além disso, há uma falta de ação em pontos nevrálgicos numa cidade que se pretende um palco de eventos, como as bandalhas de táxis nos aeroportos e rodoviárias (e os caras se prepararam para os estrangeiros com o mínimo de dignidade?); a interminável obra de modernização e expansão do Tom Jobim; a falta de profissionalismo na rede hoteleira que não se enquadra nos níveis de quatro e cinco estrelas; restaurantes que sequer possuem menus em inglês, ônibus que andam como assassinos no trânsito: uma polícia claramente despreparada para lidar com gente e com uma bandidagem especializada em cooptar autoridades, policias e milícias para tocar o terror e por aí vai.
Nesta equação, o elo mais fraco do esforço público (governos federal, estadual e municipal) e privado (COI, COB, etc.) é/foi claramente os governos estaduais de Sergio Cabral/Luiz Fernando Pezão. Desde o sorteio do Rio como sede das Olimpíadas, o governo estadual tinha três metas importantes e básicas: expandir o metrô até a Barra da Tijuca, despoluir a Baia de Guanabara e despoluir os complexos lagunares de Jacarepaguá e Lagoa Rodrigo de Freitas. No caso do primeiro objetivo, há enormes dúvidas sobre se o metrô estará operacional 100% nos jogos do ano que vem. O governo estadual jura que vai, mas seus próprios parceiros acham que a coisa vai rolar a meia bomba. Sabe a estação sem acabamento? A escada sem o corrimão? A estação sem as árvores plantadas no entorno? É sobre isso que se especula. E não nos esqueçamos que o estado anda atolado em falta de recursos por conta da recessão e da queda nos preços do petróleo e, em consequência, dos royalties.
No que se refere à despoluição da Baía e dos complexos lagunares… bem, shame on you Cabral/Pezão. Por falta de planejamento e pura incompetência, os fluminenses vão ter que conviver com a cloaca de sempre, como diz o imprescindível Mario Moscatelli. Imperdoável para um projeto que se arrasta há mais de vinte anos. Sem comentários.
Então fica a pergunta: o Rio está preparado para as Olimpíadas? E eu devolvo a interrogação: você acha que o Rio está preparado para os jogos? A cidade pode receber agora milhares de turistas, suas camisas floridas e suas câmeras a tiracolo? Você se sente um anfitrião para os jogos do ano que vem? No site “Cidade Olímpica”, sabe-se que as obras dos parques olímpicos na Barra e em Deodoro vão de vento em popa, com exceção de um Velódromo aqui, de uma Arena da Juventude ali. Senão vejamos os percentuais de conclusão das obras até agora, segundo a prefeitura:
BARRA DA TIJUCA:
Arena Carioca 1: 94%
Arena Carioca 2: 96%
Arena Carioca 3: 97%
IBC (Centro de Transmissão Internacional): 97%
MPC (Centro Principal de Imprensa): 90%
Hotel: 84%
Velódromo Olímpico do Rio: 70%
Centro Olímpico de Tênis: 80%
Arena do Futuro: 96%
Estádio Aquático Olímpico: 94%
Vila dos Atletas: 97%
Campo Olímpico de Golfe: 98%
DEODORO:
Centro Olímpico de Mountain Bike: 100%
Centro Olímpico de BMX: 100%
Estádio de Canoagem Slalom: 98%
Arena da Juventude: 68%
Em Pequim, em janeiro de 2007, mais de um ano antes dos jogos, 80% dos estádios estavam prontos. Pelo andar da carruagem e levando em consideração nosso atraso atávico, acho até que vamos bem. Mas estes percentuais não revelam, na verdade, o quanto uma cidade está preparada para a enxurrada de turistas. Em Pequim, em 2008, a cidade toda se enfeitava para os jogos e os pequineses entupiam os escritórios de voluntários com o objetivo de passar para o mundo a melhor imagem possível do país (obviamente, com a “forcinha do governo”). Os taxistas aproveitavam cursos gratuitos de inglês básico da prefeitura só para não pagar mico. Os comerciantes faziam questão de produzir material em inglês para ajudar na comunicação com os gringos. Havia uma mobilização popular pela coisa que eu não enxergo aqui. O aeroporto Tom Jobim consegue esvaziar um voo em 15 minutos, entre a saída do avião, a imigração, as malas e a sala de embarque? Os taxistas que vão receber os visitantes são os mesmos que se acotovelam na rodoviária ou no aeroporto querendo cobrar na bandalha? Os restaurantes são os mesmos que não possuem um garçom sequer que fale inglês para atender aos turistas? A segurança vai ser feita pelos mesmos policiais que atiram primeiro e perguntam depois em nossas periferias? Os locais públicos e ruas continuarão sem a sinalização bilíngue que caracteriza o nosso equipamento urbano? E há o chamado espírito olímpico, totalmente fundado em camaradagem, simpatia, gentileza. Não vejo isso em muitos cariocas, que se deixaram contaminar por certa raiva polarizada de torcida, inclusive no aspecto político. Ou pela falta do saudável exercício da empatia, que é a prática de se colocar no lugar do outro e entender que nem todo mundo é igual e todos temos diferenças. O que não nos faz melhores ou piores do que o outro por conta disso.
Enfim, uma coisa é botar de pé um estádio. Outra é inspirar uma população inteira e melhorar zilhões por cento o nível dos serviços e sua própria cortesia e simpatia. E nisso, caro Paes, ainda estamos devendo.
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É jornalista e, atualmente, trabalha como consultor de comunicação da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, em Brasília. Além de ser sócio-fundador da empresa Butique Comunicação e marca. Foi editor do jornal O Globo e repórter especial da sucursal de São Paulo após ter passado cinco anos como correspondente em Pequim, na China, e dois anos como correspondente em Washington, nos EUA. retornando ao Brasil em 2010. É colaborador da Globonews, comentarista da rádio CBN e autor do livro "Um brasileiro na China", publicado em 2006. Autor dos blogs "No Império – impressões de um brasileiro na capital dos EUA" e "No Oriente diário de um brasileiro na China“ (Globo Online). Ao longo de sua carreira, escreveu para o Jornal do Commercio, do Rio, Revista Exame, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo, Revista Época, IG Finance, O Globo e Globo Online.
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