Esgoto ‘foge’ pelos fundos de hospital no Rio

Vazamento na Casa de Saúde São José atormenta a vida dos vizinhos

Por Itala Maduell | ODS 11 • Publicada em 20 de novembro de 2015 - 12:03 • Atualizada em 20 de novembro de 2015 - 14:59

Esgoto corre impunemente por baixo do portão dos fundos da Casa de Saúde São José
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Esgoto corre impunemente por baixo do portão dos fundos da Casa de Saúde São José

Dizem que se conhece um restaurante por sua cozinha. E um hospital? Bem, a Casa de Saúde São José, uma das mais tradicionais da Zona Sul, vizinhos conhecem por sua porta dos fundos. Fica na Rua Visconde de Caravelas, em Botafogo, que já foi notória pelos restaurantes: Botequim, Plebeu, Aurora, Caravela do Visconde, Eccellenza… Mas, para quem mora na região, é a área onde quem manda é a Casa de Saúde São José. Reportagem no Globo de 28/10/2013, sobre a expansão imobiliária em Botafogo, registra a compra de três casas da rua pela rede hospitalar, entre as quais o Botequim, inaugurado em 1979, cujo sócio, Eduardo Leborne, negociou com os novos inquilinos alguns anos de prazo para sair (“Restaurante sai, hospital entra”, trecho da reportagem “Um bairro que perde casas”, de Fábio Vasconcellos, Flávio Tabak, Natanael Damasceno e Paulo Thiago de Mello). Até aí, é do jogo. Mas uma busca na internet e conversas com vizinhos mostram que o jogo não é muito limpo. Pelo contrário.

O problema mais grave é o esgoto. Um vazamento dentro do prédio do hospital faz escoar esgoto in natura para a rua. Nesta quinta-feira, pombos e funcionários pisoteavam uma poça formada do lado de dentro da garagem do hospital, que escorria por baixo do portão verde de ferro, em direção à sarjeta, formando poças ao longo do meio fio.

Bem ao lado funciona o curso de idiomas Toy, fundado há 38 anos pela professora Nilza Lima. “É muito triste. Eu até falo para eles: não pisem nesses dejetos, vocês trabalham em um hospital”, conta, entre a estupefação e o desânimo. Além de suportar o mau cheiro, pais e crianças têm que fazer malabarismo para alcançar a porta do curso sem pisar no esgoto. A escola fechou uma das portas de acesso por causa do vertedouro.

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É muito triste. Eu até falo para eles: não pisem nesses dejetos, vocês trabalham em um hospital

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Vizinhos e o próprio hospital relatam que a Cedae já trocou parte da tubulação externa, mas não resolveu. Em nota à imprensa, a Casa de Saúde alegou ter identificado um vazamento “próximo à sua saída de serviço” (e não dentro, como é de fato) no dia 9 de novembro, acionando uma empresa de desentupimento que transferiu a responsabilidade para a Cedae apontando uma manilha de escoamento quebrada na área pública, localizada do lado de fora do hospital. Desde então, segundo a direção da casa de saúde, uma solução vem sendo negociada com a Cedae, que esteve na rua pela última vez na quarta-feira. A São José registra na nota que “segue rigorosamente todas as normas de controle e qualidade exigidas pelas instituições fiscalizadoras” e que “vem cobrando uma solução dos órgãos competentes e se coloca à disposição para contribuir nesta resolução com a máxima urgência”.

Os vizinhos contestam: “Eles tentam fazer algumas ações para resolver, mas não adianta. Há anos que o problema vem se arrastando. Já construíram até uma soleira para impedir que os dejetos escorram pela calçada, mas o vazamento continua”, afirma Alexandre Frias, chefe administrativo do curso de inglês. Nesta sexta-feira, um pôster de barco a vela, todo estragado, fazia as vezes de aparador do esgoto na “divisa” dos vizinhos.

Há outros episódios já denunciados, e sem efeito. Vídeo de moradora da rua postado no Youtube em 18 de junho de 2012 mostra, na calada da noite, caminhão recolhendo caçambas contendo entulho de obra, embalagem do Bob’s misturado a algodão, odor de éter, roupas descartáveis usadas. Eram 4 da manhã, e Vanessa Sant’Anna acordou aborrecida com o barulho do motor de caminhões. Desceu com a câmera ligada, e registrou este vídeo.

Restos de lixo hospitalar na calçada em frente ao hospital
Restos de lixo hospitalar na calçada em frente ao hospital

Quando isso acontece, moradores pedem à direção que lave o chão com desinfetante. “Dependendo com quem se fala, eles lavam com detergente e desinfetante. Mas às vezes jogam um balde d’água e pronto”, conta uma moradora que prefere não se identificar.

Material hospitalar deve ser descartado seguindo as recomendações de segurança, em veículo apropriado, de Lixo Extraordinário, e todo o processo, da retirada ao descarte, é de responsabilidade do gerador do lixo, como explica este link:

“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

(…)

  • 2º Se o crime:

(…)

V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena – reclusão, de um a cinco anos”.

Quanto ao esgoto, a lei estadual nº 2.661/96 (que estabelece a exigência de níveis “mínimos” de tratamento de esgotos sanitários antes de seu lançamento na água) determina:

Art. 8º – Os efluentes de hospitais, laboratórios, clínicas e estabelecimentos similares, em áreas que não disponham de sistema público de tratamento, deverão sofrer tratamento especial na origem, que impossibilite a contaminação dos corpos receptores por organismos patogênicos.

§ 1º – Tais atividades deverão ser objeto de licenciamento para a instalação e operação, aprovado pelo órgão estadual competente.

§ 2º – Cabe aos hospitais, laboratórios, clínicas ou estabelecimentos similares a responsabilidade técnica e econômica pelo projeto, construção e operação das instalações de tratamento necessários ao cumprimento do disposto no caput.

O hospital alega que o sistema público existe, e é da Cedae. Para o Ministério Público, a lei é clara para determinar que é obrigatório o tratamento na origem.

O problema é comum a outras unidades de saúde. O Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, foi multado por lançar esgoto sem tratamento no mar pelo emissário submarino de Ipanema em 2001, e prometeu construir uma estação de tratamento. A Cedae notificou a prefeitura de que parte dos efluentes do hospital era lançada clandestinamente na galeria de águas pluviais.

“Todos os hospitais deveriam ter estações de tratamento de esgoto. O lançamento de efluentes pela rede de águas pluviais é um absurdo. Se alguém tiver contato com os dejetos, estará correndo sério risco de contrair doenças – explicou na ocasião o sanitarista Alaor Santiago. Os dejetos podem causar doenças, como hepatite e disenteria.

Em novembro de 2001, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente multou o hospital em R$ 100 mil por não tratar seu esgoto. O então secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cézar Coelho, prometeu que todos os hospitais municipais adotariam medidas emergenciais em relação aos seus dejetos, o que não ocorreu, quase 15 anos depois, nem na rede pública, nem na privada. Seria engraçado o trocadilho, se não fosse um caso sério de saúde pública.

Itala Maduell

Jornalista, doutora em Comunicação e professora de jornalismo na PUC-Rio

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