ODS 1
Dez passos para o desenvolvimento sustentável do Rio
Do foco maior em inteligência policial ao investimento em saneamento básico, os caminhos para uma cidade mais segura e inclusiva em 2030
(Por Henrique Silveira) – Vivemos uma crise social, econômica e fiscal no Rio de Janeiro que muitas vezes provoca o sentimento de que não existe saída. De fato, são problemas gravíssimos. Mas também é no momento de crise que a sociedade e suas instituições precisam elaborar respostas coletivas e caminhar de forma prática e pragmática na construção de soluções. Não haverá solução mágica, nem salvador da pátria. Precisamos de lideranças responsáveis, participação popular, coordenação política e inovação institucional.
Para colaborar com o debate público sobre o futuro da metrópole do Rio, a Casa Fluminense vem coordenando a construção da Agenda Rio 2030, uma compilação de propostas elaborada em parceria com mais de 50 organizações da sociedade civil fluminense. Atualizado a cada dois anos, o documento, que está em sua terceira edição, possui 40 tópicos distribuídos em oito eixos. Todos eles alinhados com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), 17 metas globais estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas também conhecidas como Agenda 2030.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]De acordo com a PNAD 2015, na Região Metropolitana do Rio, 200 mil jovens com idade entre 15 e 17 anos não estavam cursando o ensino médio. Além disso, cerca de 23% dos jovens com idade entre 14 e 29 anos estão fora da escola e fora do mercado de trabalho
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Veja o que já enviamosCompreendemos que a sustentabilidade precisa assegurar um piso social que garanta um patamar básico de direitos e dignidade a todas as pessoas e um teto ambiental que estabeleça limites para a exploração dos recursos naturais e estratégias de transição para uma economia de baixo carbono. Portanto, a igualdade deve estar no centro da agenda para o desenvolvimento sustentável, sobretudo em uma metrópole que concentra investimentos e oportunidades nas áreas centrais, enquanto sua periferia padece de condições urbanas mínimas.
Sob esta perspectiva, listamos dez propostas presentes na Agenda Rio 2030 que podem ser pontos de partida para o desenvolvimento sustentável no Rio metropolitano:
1 – Substituir a lógica do confronto por ações de inteligência na segurança pública: a lógica do confronto no enfrentamento do crime tem proporcionado mais violência e mortes, tanto nas favelas e periferias, quanto entre as forças policiais. É necessário priorizar a proteção da vida e a diminuição de operações de confrontos, estimulando o policiamento baseado em ações de inteligência para desarticular grupos armados. Além disso, é preciso fortalecer o controle de armas e munições, aumentando a apreensão e reduzindo a circulação especialmente de fuzis; criar um programa de redução de mortes violentas com foco no aumento da taxa de elucidação de assassinatos pela Divisão de Homicídios, com atenção especial para a Baixada Fluminense; e Fortalecer mecanismos de capacitação, valorização e integridade dos policiais, assim como de redução da violência, da corrupção e da letalidade policial.
2 – Estimular o desenvolvimento das centralidades metropolitanas e equilibrar a oferta de oportunidades na periferia. A Região Metropolitana tem passado por importantes mudanças econômicas, demográficas e territoriais. E se por um lado, apresenta importantes potencialidades, por outro, tem gargalos que devem ser solucionados. Por isso é preciso fortalecer as centralidades urbanas que foram definidas no Plano de Desenvolvimento Metropolitano (Campo Grande, Madureira, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá, Magé, Seropédica e Itaguaí). Além disso, é necessário coordenar a implantação de infraestrutura, a qualificação do ambiente urbano e o fortalecimento de medidas que promovam cadeias produtivas nesses territórios; e incentivar a ocupação dos vazios urbanos ao longo dos principais eixos de transporte (trem e metrô), priorizando a implantação de habitação popular, equipamentos sociais e áreas de lazer.
3 – Desenvolver política habitacional de interesse social. Infelizmente, no contexto brasileiro, pensar as cidades sob a ótica da sustentabilidade e da justiça social tem se mostrado uma tarefa árdua, quase utópica, diante das pressões de determinados setores. E a falta de uma política habitacional de interesse social aprofunda desigualdades e distancia cada vez mais os centros das periferias. É preciso, portanto, gerar oportunidades de moradia nas áreas centrais dos municípios e dar aproveitamento adequado aos imóveis que não cumprem função social, especialmente na zona portuária do Rio de Janeiro. É preciso mapear e sobretaxar imóveis e terrenos vazios ou subaproveitados. Além disso, é necessário elaborar um plano integrado de redução do déficit habitacional, destinando parcelas de novos empreendimentos para a habitação popular e desenvolvendo linhas de crédito que viabilizem habitação de interesse social em áreas adensadas e com infraestrutura urbana.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]Uma das condições básicas para o crescimento é o fomento da cadeia produtiva da economia criativa, com destaques para os setores de audiovisual, música, artes cênicas, comunicação, design, moda, arquitetura, games e outros
[/g1_quote]4 – Criar incentivos à economia da cultura, do conhecimento e da inovação: Entendemos que uma das condições básicas para o crescimento é o fomento da cadeia produtiva da economia criativa, com destaques para os setores de audiovisual, música, artes cênicas, comunicação, design, moda, arquitetura, games e outros. Dessa forma, reconhecer o funk, o samba e outras expressões culturais como ativos para a valorização econômica dos territórios é um imperativo. Por isso, defendemos não só o incentivo a startups e empresas de Tecnologia de Informação, mas também um sistema regional de inovação com instituições de ensino & pesquisa (UERJ, FAETEC, FAPERJ, Fiocruz, UFRJ, UFRRJ, UFF, IFRJ e outros) e mecanismos de fomento alinhados com uma estratégia de desenvolvimento regional.
5 – Licitar a gestão do bilhete único e promover tarifas transparentes: Atualmente o governo do estado e as prefeituras não têm o controle sobre as informações e os recursos envolvidos nas 7.500.000 viagens diárias que utilizam o sistema de bilhetagem eletrônica gerido pela RioCard. Por isso é preciso tornar transparente a gestão do sistema de transportes, com a realização da licitação para o serviço de bilhetagem, conforme a Lei 8.479, sancionada no dia 6 de agosto.. É preciso priorizar políticas para a criação de fontes contínuas de financiamento do transporte público e redução das tarifas, bem como empregar medidas para a plena integração das tarifas entre os modais. Além disso, é preciso fortalecer os órgãos reguladores – AGETRANSP e o DETRO – e garantir o pleno acesso destes às informações de serviços de todas as concessionárias.
6 – Concluir as obras do Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do entorno da Baía de Guanabara (PSAM): A falta do saneamento básico impacta gravemente a vidas das pessoas e o meio ambiente. Se olharmos para a Região Metropolitana do Rio, apenas no ano de 2018, foram 2.208 internações por doenças ligadas à falta de saneamento (doenças gastrointestinais infecciosas, febre amarela, dengue, leptospirose, malária, esquistossomose). Destas internações, 59% foram crianças de 0 a 4 anos e 71% de 0 a 9 anos. É preciso finalizar as frentes de obras abertas do PSAM para a construção do sistema de esgotamento sanitário de Alcântara, em São Gonçalo, o tronco coletor da Cidade Nova e da rede coletora da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Pavuna. É importante também ampliar a utilização das ETE, que funcionam atualmente abaixo de sua capacidade operacional, por meio de requalificação e ampliação da rede coletora de esgotamento sanitário.
7 – Zerar a evasão escolar no ensino médio e ampliar a oferta de educação integral: De acordo com a PNAD 2015, na Região Metropolitana do Rio, 200 mil jovens com idade entre 15 e 17 anos não estavam cursando o ensino médio. Além disso, cerca de 23% dos jovens com idade entre 14 e 29 anos estão fora da escola e fora do mercado de trabalho. Por isso defendemos a adoção de uma política pública intersetorial voltada para a redução da evasão escolar, com ampliação da oferta de vagas nos territórios que mais necessitam e ações de busca ativa de jovens que abandonaram a escola. Inovar nos modelos de ensino e aprendizagem, utilizando recursos tecnológicos e fortalecendo o protagonismo dos jovens. É preciso desenvolver programas de educação integral, articulando cultura, artes e esportes, dentro de uma perspectiva que compreenda a escola como equipamento cultural, e ampliar as possibilidades de acesso ao ensino técnico e superior para jovens de periferia.
8 – Fortalecer a rede de prevenção e atenção primária à saúde: A Organização Mundial da Saúde atesta que, na sua essência, a atenção primária à saúde cuida das pessoas, em vez de apenas tratar de doenças ou condições específicas. Esse setor, cujo atendimento deveria ser abrangente, acessível e baseado na comunidade, pode atender de 80% a 90% das necessidades de saúde de um indivíduo ao longo de sua vida. Um trabalho comprometido não só com a justiça social, mas com a equidade e no reconhecimento do direito fundamental à saúde. É preciso garantir a cobertura das equipes de saúde da família em todos os bairros e favelas da região metropolitana, priorizando as localidades com os menores índices de desenvolvimento humano. Além disso, é importante que o tempo de espera para exames e serviços de média complexidade diminua e que as atividades de monitoramento cidadão da qualidade do SUS sejam estimuladas.
9 – Expandir a coleta seletiva com a inclusão remunerada de catadores: Se as prefeituras gastam milhões com a destinação final do lixo para os aterros sanitários, geralmente gerenciados por grandes grupos econômicos, por que não investem no apoio à reciclagem verificada? Mesmo depois do programa Lixo Zero, que encerrou a atividades dos lixões, a gestão dos resíduos sólidos continua sendo um problema na Região Metropolitana. É preciso recuperar as áreas de todos os lixões encerrados e garantir uma maior fiscalização dos aterros sanitários. É importante também expandir de forma vigorosa os serviços de coleta seletiva, reciclagem e compostagem de lixo orgânico pelos municípios, assegurando a inclusão socioprodutiva de catadoras e catadores. Além disso, os grandes geradores de de resíduos deveriam implantar sistemas de logística reversa e instalar pontos de entrega voluntária (PEVs), seguindo as diretrizes do Plano Estadual de Resíduos Sólidos e em diálogo com os planos municipais.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]Mesmo depois do programa Lixo Zero, que encerrou a atividades dos lixões, a gestão dos resíduos sólidos continua sendo um problema na Região Metropolitana. É preciso recuperar as áreas de todos os lixões encerrados e garantir uma maior fiscalização dos aterros sanitários
[/g1_quote]10 – Promover a justiça tributária: O governo do Estado precisa gerar equilíbrio fiscal com foco na ampliação de receitas e não apenas na redução de despesas. Para isso, algumas medidas precisam ser adotadas como a renegociação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e revisão do pacto federativo, em termos menos desfavoráveis ao estado do Rio de Janeiro. É preciso ainda cobrar do governo federal a adoção de um modelo de ressarcimento das dívidas acumuladas com os estados devido à Lei Kandir, que impede a cobrança de ICMS em produtos primários e industrializados destinados à exportação, e desenhar um plano de cobrança para a arrecadação da dívida ativa estadual, ou seja, os recursos que o Estado precisa receber de terceiros.
Entendemos que cada uma dessas propostas é complexa e demanda tempo, investimento e vontade política. Mas que é urgente que sejam incluídas entre as políticas públicas prioritárias para o desenvolvimento sustentável do estado. Para isso, é preciso a criação de um ambiente para a governança e planejamento metropolitano, conforme determina a lei complementar 184/2018. O texto institui a Câmara Metropolitana, do Instituto Rio Metrópole e do conselho consultivo do órgão, único que foi implantado efetivamente até hoje.
Isso sem perder de vista um outro ponto importante para a adoção dessas propostas: o enfrentamento do racismo e do machismo, dois elementos estruturantes da desigualdades no Brasil. Isso precisa estar nas premissas da agenda de desenvolvimento sustentável, influenciando de maneira transversal a construção de políticas públicas para a equidade.
E você, o que acha dessas propostas? Quais devem ser priorizadas? Acompanhe o andamento dessas e de outras propostas no Painel Agenda Rio 2030. Vamos ao debate e ao monitoramento delas, pois o Rio precisa da participação de cada um de nós.
(*) Henrique Silveira, coordenador-executivo da Casa Fluminense
A Casa Fluminense é um espaço permanente para a construção coletiva de políticas e ações públicas por um Rio mais justo, democrático e sustentável. Formada em 2013 por ativistas, pesquisadores e cidadãos identificados com a visão de um Rio mais integrado, acredita que a realização deste horizonte passa pela afirmação de uma agenda pública aberta à participação de todos os fluminenses e destinada universalmente a todo o seu território e população e não apenas - ou prioritariamente - para as áreas centrais da capital.