ODS 1
Receba as colunas de Oscar Valporto no seu e-mail
Veja o que já enviamosCopacabana nos tempos em que cinema era a maior diversão
Meio século atrás, bairro abrigava mais de 40 salas; hoje, apenas o menor deles, o Cine-Joia, ainda exibe filmes
Foi por acaso que descobri que o Joia – o menor e mais modesto cinema de Copacabana meio século atrás – ainda exibia filmes. Poucos, é verdade; agora está batizado de Cine-Teatro Joia e apresenta mais peças do que obras cinematográficas. É um sinal brutal dos tempos que só tenha sobrado uma sala, no subsolo de uma galeria, em toda a Copacabana, bairro mais populoso da Zona Sul do Rio e onde, no começo dos anos 1970, havia quase 40 cinemas.
Volto meio século, para o começo da adolescência, quando Copacabana era meu bairro de entretenimento. Moravam ali minha avó e meus primos, com idades semelhantes à minha e dos meus irmãos. Tinha praia, tinha lanchonetes e restaurantes para todos os bolsos e preferências, e tinha cinemas, muitos cinemas. E cinema, como repetia a propaganda da maior rede de salas do Rio de Janeiro, é a maior diversão naquela época.
Leu essa? Streaming: artistas e organizações do audiovisual cobram regulamentação
Era mesmo a maior diversão e não apenas pela qualidade e variedade dos filmes. Cada sala de cinema – particularmente em Copacabana – promovia uma experiência especial. O Metro e o Art-Palácio tinham quase mil lugares na plateia, com som espetacular (para a época) e telas gigantes (que nem caberiam nos cinemas de hoje). Eram quase vizinhos e viviam lotados – assim como o Copacabana, o terceiro na mesma longa quadra, do lado ímpar da Nossa Senhora de Copacabana, entre as ruas Santa Clara e Constante Ramos. O Rian era um cinema com vista para o mar: você saía da sala escura e dava de cara com o sol e a areia branca da praia. O Caruso tinha as poltronas mais confortáveis da cidade. No Cinema 1, vi, pela primeira vez, filmes de Fellini e Bergmann.

Para os adolescentes, eram tempos de falsificar as carteiras de estudante para entrar em filmes proibidos para maiores de 14 ou 16 anos. Havia programas para todos os gostos: para ver com a família, comédias para ver com os colegas de escola, filmes com muita ação e muito mentira para fortalecer as amizades masculinas, romances para levar a primeira namorada. E para conversar depois sobre a experiência: em casa, na casa dos amigos, na lanchonete, na sala de aula. Conversar, mesmo; não trocar mensagens de texto ou de áudio sobre o que está em exibição nas plataformas de streaming.
Receba as colunas de Oscar Valporto no seu e-mail
Veja o que já enviamosA dinâmica da cidade – a insegurança e a violência crescentes, a precariedade do transporte público, a especulação imobiliária – começava, já naquela época, a afetar os cinemas de rua. A crise chegou primeiro aos subúrbios, onde a competição com a televisão e sua programação audiovisual gratuita, inclusive com filmes, roubava público dos cinemas. Mas chegou, na década seguinte, à Tijuca, capital do cinema na Zona Norte, com mais salas que a Cinelândia, no Centro, onde instalou-se a primeira leva de cinemas da cidade. E também à Zona Sul. Por todo o Rio de Janeiro, os cinemas se esconderam em shoppings, partilhando espaço seguro, com estacionamento para privilegiados, com lojas de todos os tipos.

Menos em Copacabana. O bairro – com intenso e tradicional comércio de rua e mais de 160 mil moradores – não abriga um só shopping center, no sentido mais moderno do termo, aquelas edificações com mais de 400 estabelecimentos de todos os tipos, de academias de ginástica a agências bancárias. Já faltava espaço no bairro famoso, com selvagem ocupação urbana e densamente povoado. E, como não subiram esses shoppings, foram desaparecendo os cinemas. O último, o Roxy, fechou as portas na pandemia – reabriu, em 2024, como Roxy Dinner Show, casa de espetáculos para turistas. Só resiste em Copacabana o Cine-Teatro Joia, com apenas 77 lugares, que tem sessões de cinema geralmente à tarde – as noites são reservadas às peças, oficinas e cursos de teatro.

No dia em que tropecei no Joia, circulei um tanto por aquela Copacabana onde passei tantos dias na transição da infância para a adolescência. Foi um passeio nostálgico e um pouco triste. Não foi difícil achar os lugares que abrigaram os antigos grandes cinemas do bairro: eram e ainda são espaços grandes, substituídos por lojas de roupas para toda a família ou de eletrodomésticos. Mas não consegui identificar onde ficava a lanchonete Cirandinha ou a sorveteria Zero, preferidas daquela garotada, ou mesmo as lojas onde acompanhava minha avó para comprar doces ou presentes. Cinema era a maior diversão em Copacabana: como eles não estão mais lá – nem a avó, nem os primos – venho bem menos ao bairro (apesar da boa oferta de botequins, conversa para outro dia).

Os imóveis continuam lá; as avenidas têm verdadeiros paredões de edifícios, colados uns aos outros. Mas mudaram as fachadas, as lojas, as referências – multiplicaram-se as farmácias, as lojas de celulares, os restaurantes a quilo. No giro pela minha antiga Copacabana, só reencontrei os kibes e esfihas do Baalbeck, restaurante árabe há mais de 60 anos, na Galeria Menescal, esta construída em 1942, uma pequena joia arquitetônica, em estilo eclético e art-déco, ainda charmosa e bem conservada para lembrar a Copacabana dos tempos em que cinema era a maior diversão.
Apoie o #Colabora
Queremos seguir apostando em grandes reportagens, mostrando o Brasil invisível, que se esconde atrás de suas mazelas. Contamos com você para seguir investindo em um jornalismo independente e de qualidade.