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Copacabana nos tempos em que cinema era a maior diversão

Meio século atrás, bairro abrigava mais de 40 salas; hoje, apenas o menor deles, o Cine-Joia, ainda exibe filmes

ODS 11 • Publicada em 17 de junho de 2025 - 09:06 • Atualizada em 17 de junho de 2025 - 12:00

Foi por acaso que descobri que o Joia – o menor e mais modesto cinema de Copacabana meio século atrás – ainda exibia filmes. Poucos, é verdade; agora está batizado de Cine-Teatro Joia e apresenta mais peças do que obras cinematográficas. É um sinal brutal dos tempos que só tenha sobrado uma sala, no subsolo de uma galeria, em toda a Copacabana, bairro mais populoso da Zona Sul do Rio e onde, no começo dos anos 1970, havia quase 40 cinemas.

Volto meio século, para o começo da adolescência, quando Copacabana era meu bairro de entretenimento. Moravam ali minha avó e meus primos, com idades semelhantes à minha e dos meus irmãos. Tinha praia, tinha lanchonetes e restaurantes para todos os bolsos e preferências, e tinha cinemas, muitos cinemas. E cinema, como repetia a propaganda da maior rede de salas do Rio de Janeiro, é a maior diversão naquela época.

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Era mesmo a maior diversão e não apenas pela qualidade e variedade dos filmes. Cada sala de cinema – particularmente em Copacabana – promovia uma experiência especial. O Metro e o Art-Palácio tinham quase mil lugares na plateia, com som espetacular (para a época) e telas gigantes (que nem caberiam nos cinemas de hoje). Eram quase vizinhos e viviam lotados – assim como o Copacabana, o terceiro na mesma longa quadra, do lado ímpar da Nossa Senhora de Copacabana, entre as ruas Santa Clara e Constante Ramos. O Rian era um cinema com vista para o mar: você saía da sala escura e dava de cara com o sol e a areia branca da praia. O Caruso tinha as poltronas mais confortáveis da cidade. No Cinema 1, vi, pela primeira vez, filmes de Fellini e Bergmann.

O Rian, em frente à Praia de Copacabana, na década de 1980: salas de cinema praticamente desapareceram do bairro onde havia mais de 30 cinemas (Foto: Reprodução Facebook / Casas e Prédios Antigos do Rio)
O Rian, em frente à Praia de Copacabana, na década de 1980: salas de cinema praticamente desapareceram do bairro onde havia mais de 30 cinemas (Foto: Reprodução Facebook / Casas e Prédios Antigos do Rio)

Para os adolescentes, eram tempos de falsificar as carteiras de estudante para entrar em filmes proibidos para maiores de 14 ou 16 anos.  Havia programas para todos os gostos: para ver com a família, comédias para ver com os colegas de escola, filmes com muita ação e muito mentira para fortalecer as amizades masculinas, romances para levar a primeira namorada.  E para conversar depois sobre a experiência: em casa, na casa dos amigos, na lanchonete, na sala de aula. Conversar, mesmo; não trocar mensagens de texto ou de áudio sobre o que está em exibição nas plataformas de streaming.

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A dinâmica da cidade – a insegurança e a violência crescentes, a precariedade do transporte público, a especulação imobiliária – começava, já naquela época, a afetar os cinemas de rua. A crise chegou primeiro aos subúrbios, onde a competição com a televisão e sua programação audiovisual gratuita, inclusive com filmes, roubava público dos cinemas. Mas chegou, na década seguinte, à Tijuca, capital do cinema na Zona Norte, com mais salas que a Cinelândia, no Centro, onde instalou-se a primeira leva de cinemas da cidade. E também à Zona Sul. Por todo o Rio de Janeiro, os cinemas se esconderam em shoppings, partilhando espaço seguro, com estacionamento para privilegiados, com lojas de todos os tipos.

O pequeno Cine-Teatro Joia, no subsolo de uma galeria: única sala a exibir filmes em Copacabana (Foto: Oscar Valporto)
O pequeno Cine-Teatro Joia, no subsolo de uma galeria: única sala a exibir filmes em Copacabana (Foto: Oscar Valporto)

Menos em Copacabana. O bairro – com intenso e tradicional comércio de rua e mais de 160 mil moradores – não abriga um só shopping center, no sentido mais moderno do termo, aquelas edificações com mais de 400 estabelecimentos de todos os tipos, de academias de ginástica a agências bancárias. Já faltava espaço no bairro famoso, com selvagem ocupação urbana e densamente povoado. E, como não subiram esses shoppings, foram desaparecendo os cinemas. O último, o Roxy, fechou as portas na pandemia – reabriu, em 2024, como Roxy Dinner Show, casa de espetáculos para turistas. Só resiste em Copacabana o Cine-Teatro Joia, com apenas 77 lugares, que tem sessões de cinema geralmente à tarde – as noites são reservadas às peças, oficinas e cursos de teatro.

No alto, loja de roupas onde era o Art-Palácio e loja de eletrodomésticos na galeria do Condor; embaixo, academia onde era o Cine Copacabana e lojas onde ficava o antigo Cinema Metro: inventário de cinemas desaparecidos (Fotos: Oscar Valporto)
No alto, loja de roupas onde era o Art-Palácio e loja de eletrodomésticos na galeria do Condor; embaixo, academia onde era o Cine Copacabana e lojas onde ficava o antigo Cinema Metro: inventário de cinemas desaparecidos (Fotos: Oscar Valporto)

No dia em que tropecei no Joia, circulei um tanto por aquela Copacabana onde passei tantos dias na transição da infância para a adolescência. Foi um passeio nostálgico e um pouco triste. Não foi difícil achar os lugares que abrigaram os antigos grandes cinemas do bairro: eram e ainda são espaços grandes, substituídos por lojas de roupas para toda a família ou de eletrodomésticos. Mas não consegui identificar onde ficava a lanchonete Cirandinha ou a sorveteria Zero, preferidas daquela garotada, ou mesmo as lojas onde acompanhava minha avó para comprar doces ou presentes. Cinema era a maior diversão em Copacabana: como eles não estão mais lá – nem a avó, nem os primos – venho bem menos ao bairro (apesar da boa oferta de botequins, conversa para outro dia).

O Baalbeck, na Galeria Menescal, construída em 1942: preservada joia arquitetônica, em estilo eclético e art-déco, lembra a Copacabana dos tempos em que cinema era a maior diversão (Foto: Oscar Valporto)
O Baalbeck, na Galeria Menescal, construída em 1942: preservada joia arquitetônica, em estilo eclético e art-déco, lembra a Copacabana dos tempos em que cinema era a maior diversão (Foto: Oscar Valporto)

Os imóveis continuam lá; as avenidas têm verdadeiros paredões de edifícios, colados uns aos outros. Mas mudaram as fachadas, as lojas, as referências – multiplicaram-se as farmácias, as lojas de celulares, os restaurantes a quilo. No giro pela minha antiga Copacabana, só reencontrei os kibes e esfihas do Baalbeck, restaurante árabe há mais de 60 anos, na Galeria Menescal, esta construída em 1942, uma pequena joia arquitetônica, em estilo eclético e art-déco, ainda charmosa e bem conservada para lembrar a Copacabana dos tempos em que cinema era a maior diversão.

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