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CEP na favela: não resolve tudo, mas é um primeiro passo

Fim do anonimato geográfico nas comunidades faveladas serve como alicerce para implementação de outras políticas públicas

ODS 10ODS 11 • Publicada em 10 de outubro de 2025 - 09:21 • Atualizada em 10 de outubro de 2025 - 09:44

É com um misto de satisfação e a inevitável reflexão sobre o tempo que as coisas levam que recebo a notícia: mais de 12 mil favelas do Brasil, em um marco histórico, agora tem um Código de Endereçamento Postal, o famoso CEP, pra chamar de seu. 

Para quem vive fora dessas comunidades, pode parecer um detalhe burocrático, mas para milhões de brasileiros, é o reconhecimento de que, finalmente, seu endereço existe no mapa oficial do país.

“Mais que a satisfação de ver esse trabalho concretizado, é uma honra testemunhar a política pública chegando a quem realmente precisa. Estamos reparando um erro que demorou mais de 500 anos para ser corrigido”, destacou no anúncio o secretário Nacional de Periferias, Guilherme Simões.

Casas no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio: com CEP na favela, fim do anonimato geográfico serve como alicerce para implementação de outras políticas públicas (Foto: Tânia Rego / Agência Brasil - 22/02/2023)
Casas no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio: com CEP na favela, fim do anonimato geográfico serve como alicerce para implementação de outras políticas públicas (Foto: Tânia Rego / Agência Brasil – 22/02/2023)

Por anos, moradores de comunidades com nomes criativos e ruas sinuosas, frutos da autoconstrução e da resiliência, foram relegados a um limbo logístico. Endereços “genéricos,” “próximos a…” ou a simples impossibilidade de preencher um campo obrigatório em um formulário online eram mais do que meros inconvenientes; eram barreiras concretas à plena cidadania.

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A falta de um CEP oficial impacta a vida de inúmeras formas, todas elas ligadas à dignidade e ao acesso a serviços.

Primeiro, o acesso a serviços essenciais. Receber correspondências, contas, encomendas. Coisas básicas, triviais para a classe média, eram um desafio logístico e, por vezes, de segurança. O CEP agora não apenas facilita a entrega do correio, mas abre as portas para que serviços públicos como água, luz e saúde possam ser mapeados e distribuídos com mais eficiência.

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Segundo, a economia e o trabalho. Sem um endereço reconhecido, abrir uma conta bancária, solicitar um cartão de crédito, ou mesmo registrar um negócio como Microempreendedor Individual (MEI) torna-se uma epopeia. O CEP é, portanto, uma ferramenta de inclusão financeira, essencial para o crescimento do empreendedorismo vibrante que pulsa nas favelas.

Terceiro e talvez o mais profundo, o CEP é um documento de identidade para o lugar. Ele valida a existência de uma rua, de uma casa, e, por extensão, de uma família. É o fim do anonimato geográfico. É a demarcação de que aquele espaço, construído com suor e história, é parte integrante da cidade, e não apenas uma “área de ocupação”. É o reconhecimento da nomenclatura popular que, por anos, foi a única referência e que agora ganha o selo de oficialidade.

A atribuição do CEP é o resultado de uma mobilização que envolveu a sociedade civil, líderes comunitários e, claro, o empenho da própria população em registrar e mapear seus territórios. É um exemplo de como a colaboração e a pressão por direitos podem, lentamente, corrigir distorções históricas. E assim, mobilizar o Ministério das Cidades (por meio da Secretaria Nacional de Periferias), Ministério das Comunicações (com os Correios) e o IBGE, que, desde novembro de 2024, desenvolvem o Programa Periferia Viva.

Não nos iludamos: o CEP não resolve todos os problemas da favela. Não substitui o saneamento básico que falta, nem a escola que precisa de mais investimento. Mas é um ponto de partida fundamental. É o alicerce para que outras políticas públicas possam ser implementadas de forma justa e direcionada.

O que celebramos nesta semana não é apenas a logística, mas a vitória da narrativa humana sobre a burocracia fria. É a comprovação de que o Brasil precisa urgentemente olhar para as suas comunidades não como “problemas a serem resolvidos,” mas como células vivas da sociedade, cheias de potencial, história e, agora, com um endereço oficial para chamar de seu.

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