ODS 1
Quantas barragens como esta estão em operação?
Novo rompimento em Brumadinho mostra que muito pouco ou nada foi feito em termos de legislação e fiscalização desde Mariana
Por Fernanda Baldioti e Liana Melo
“Quantos empreendimentos como este estão em operação em Minas Gerais e no país?” A pergunta é do promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, que foi o coordenador da força-tarefa do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), órgão criado para investigar o desastre do rompimento da barragem de Mariana. No fim do ano passado, ele foi transferido para a comarca de Ribeirão das Neves e, consequentemente, afastado das investigações envolvendo a Vale, a Samarco e a BHP. Mesmo distante do epicentro do mais recente desastre protagonizado pela Vale, o rompimento nesta sexta-feira (25) da barragem do Complexo de Paraopeba, onde funciona a Mina Córrego do Feijão, na região de Brumadinho (MG), o promotor não se furta a comentar o descaso estrutural do poder público em relação a este tipo de acidente:
“Apesar das três comissões criadas, uma delas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a outra na Câmara dos Deputados, e a última do Senado Federal, após o desastre de Mariana, a legislação ambiental no país continua frouxa, o que acaba acarretando novos acidentes”, comentou Pinto, complementando: “De lá para cá, não houve incremento algum na legislação”.
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Veja o que já enviamosO promotor, que é ainda do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Caoma), admite que ainda é prematuro afirmar quais foram as causas do acidente em Brumadinho. O empreendimento e a barragem tinham licenciamento ambiental para operar, sendo que, em dezembro de 2018, obteve licença para o reaproveitamento dos rejeitos dispostos na barragem e seu descomissionamento, ou seja, seu encerramento.
[g1_quote author_name=”Genilda Delabrida” author_description=”moradora de Brumadinho” author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]Estamos muito assustados. Não sabemos a dimensão disso
[/g1_quote]Agora, a tragédia de Brumadinho acontece em meio a uma tentativa do governo do capitão Jair Messias de afrouxar a legislação e a fiscalização ambiental. Ele pretende alterar a maneira como uma licença ambiental é emitida no Brasil e como um crime ambiental é repreendido. As mudanças no sistema de licenciamento brasileiro, no entanto, ainda terão de passar obrigatoriamente pelo Congresso. Em postagens no Twitter, o presidente lamentou o ocorrido em Brumadinho:
“Determinei o deslocamento dos ministros do Desenvolvimento Regional e Minas e Energia, bem como nosso secretário nacional de Defesa Civil para a região. Nossa maior preocupação neste momento é atender eventuais vítimas desta grave tragédia. O ministro do Meio Ambiente também está a caminho. Todas as providências cabíveis estão sendo tomadas”.
Mar de lama
Após o acidente, imagens captadas por moradores da região mostram o mar de lama na cidade. Cerca de 200 pessoas estão desaparecidas, e a Prefeitura de Brumadinho pediu que a população mantenha distância do leito do Rio Paraopeba, um dos principais afluentes do São Francisco. Uma das mais conhecidas moradoras do município, a chef Genilda Delabrida, a Gê, falou por telefone com o #Colabora e disse que estava tentando deixar sua casa, onde também funciona seu restaurante, o Ponto G – Comida Afetiva, em busca de um local mais seguro:
“Estamos muito assustados. Não sabemos a dimensão disso. Vou ter que desligar porque preciso tentar chamar um táxi para ir para a casa da minha irmã, que fica numa área mais alta da cidade”.
O Instituto Inhotim, museu a céu aberto que leva milhares de turistas à região, realizou o esvaziamento da área de visitação. Todos os funcionários e visitantes foram orientados a deixar o local, conforme recomendação da Polícia Civil. Segundo a assessoria de imprensa do museu, até o momento, a área do Inhotim não foi atingida, não havendo vítimas nem prejuízo às obras, jardins e outras instalações do museu. “Em solidariedade ao município e a todos os atingidos, o Inhotim não abrirá sábado nem domingo”, diz a nota oficial.
Oficialmente, a Vale apenas confirmou o acidente, não dando detalhes sobre o volume de rejeitos e número de vítimas. Confirmou, no entanto, que o rompimento da barragem atingiu a área administrativa da empresa. Há risco de o restaurante da companhia, onde vários funcionários almoçavam no horário em que ocorreu o acidente, ter sido atingido. A Vale também confirmou que parte da comunidade da Vila Ferteco foi atingida pelo mar de lama. Cerca de mil pessoas trabalham na Mina do Feijão.
Informações preliminares do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) dão conta de que a barragem VI no Córrego do Feijão produz um milhão de metros cúbicos de rejeitos – volume inferior ao calculado no acidente de Mariana, que o rejeitos chegaram a 50 milhões de metros cúbicos. O acidente da Vale em Mariana ocorreu em novembro de 2015 e, desde então, a empresa vem acumulando ações na Justiça Federal. Desde 2016, a empresa é ré, junto com a Samarco e a BHP, em uma ação por homicídios e crimes ambientais. O megaacidente de Mariana destruiu Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, impactando a flora e a fauna do Rio Doce, e a saúde da população.
O procurador-geral de Justiça, Antônio Sérgio Tonet, deslocou uma equipe do Núcleo de Combate aos Crimes Ambientais (Nucrim) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para o local. Ainda não sabe exatamente a extensão dos danos provocados pelo rompimento da barragem.
Segundo um morador de Mário Campos, cidade distante 7km de Brumadinho, o motorista Bryan Lana, informou pelo telefone ao #Colabora, que soube, por amigos e familiares, que “ninguém entra e ninguém sai” da cidade. A Defesa Civil, deslocada para o local do acidente, está envolvida no resgate das vítimas. O órgão confirmou a informação a existência de pessoas isoladas, com as quais não está sendo possível fazer contato.
Administrador da Pousada Lafevi, que fica em Brumadinho, Juliano Parreiras explica que não é de hoje que a cidade sente os efeitos positivos e negativos da mineração. Ele lembra que a ponte sobre o Rio Paraopebas fechada por precaução já ficou debaixo d’água em virtude de enchentes, como em 1997, a pior da história do munícipio, e em 2007:
“A mineração é uma grande empregadora, muitas famílias dependem dela. Mas também sofremos com a poluição. Não só por causa da Vale, mas especialmente por outras mineradoras que fazem o transporte com caminhões passando pelo centro da cidade. O pó do minério acaba afetando a qualidade do ar, especialmente na época de seca”, relata ele, que teme que a tragédia afete seu negócio: “Hospedo tanto turistas que visitam Inhotim quanto pessoas que vêm à cidade por conta de negócios com a mineração. Ainda não é possível avaliar, mas já prevejo um período um pouco crítico”.
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Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.
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