Morador de Nilópolis, na Baixada Fluminense, Daniel Cabral usa o metrô diariamente – e a partir desta quarta-feira (12), vai desembolsar mais dinheiro pelo serviço. A passagem do transporte subirá de R$ 6,50 para R$ 6,90, aumentando o aperto para os usuários. Cabral elogia a pontualidade e rapidez, mas reclama do crescimento de passageiros, muitos que abandonaram os trens, também por aumento da tarifa (para R$ 7,40), em fevereiro. “Não existe investimento nenhum. O transporte não é 24 horas nem intermunicipal. Sem Bilhete Único, vamos pagar mais caro. A passagem era pra diminuir”, opina.
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Também moradora da Baixada, em São João de Meriti, Camila Diorato pega o metrô na Pavuna para ir trabalhar. Considera a experiência no transporte mediana e, em relação ao novo preço da passagem, alega que não deveria ter aumentado porque o serviço continuou o mesmo. “Não é ruim, mas para o que é oferecido não é justo. Está sempre lotado e com frequência, circula sujo, além de ter muita confusão entre os passageiros”, reclama.
Morador de Santa Cruz, na Zona Oeste, Carlos Miguel Anjo vai diariamente de trem estudar no campus Maracanã da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Neste semestre, está pegando o transporte em diversos horários durante o dia. “Estou vivendo todas as experiências do trem esse ano. E são as piores possíveis, porque tenho que me planejar sabendo que, pelo menos, umas seis horas do meu dia vão ser só dedicadas à Supervia”, lamenta. “Tenho que me organizar pra sair de casa três horas antes de algum compromisso porque sei que a Supervia vai me decepcionar. O valor da passagem ser R$ 7,40 é impraticável. O serviço só piora. Então, todo mês, gasto R$ 300 com transporte para ficar todos os dias à mercê da Supervia, sem saber se vai atrasar, se vou conseguir chegar a tempo”.
Tainah Pereira também utiliza com frequência o serviço do trem. Moradora de Ramos, na Zona Norte da cidade, ela pega o ramal Gramacho, principalmente nos trajetos para o Centro ou Zona Sul, fazendo a integração com o metrô. Apesar de reconhecer a importância do serviço do trem, ela o considera muito precário, principalmente, nas estações que atendem à Baixada Fluminense. Um dos problemas graves percebidos por Tainah é a largura entre o trem e a plataforma, recorrente em todos os ramais e com potencial de causar acidentes. Ela também ressalta a falta de respeito com o horário restrito ao uso de mulheres no vagões femininos. “Estava indo ao Centro da cidade de manhã por volta das 8h e o trem estava bastante cheio. Quando chegou na estação de Bonsucesso, fui arremessada para fora do trem pelos homens, principalmente, que saíam e várias pessoas simplesmente passaram por cima de mim”, relata, considerando, por tudo isso, injustificável o preço atual da passagem. “Já houve outros aumentos significativos da tarifa e nada melhorou”.
Os relatos de Daniel, Camila, Carlos e Tainah mostram a importância do debate sobre a mobilidade urbana e o direito à cidade. A idealizadora do Observatório dos Trens, Rafaela Albergaria, sustenta que a exclusão é intencional. “As populações mais pobres de periferia e de favela vivem realidade de desigualdade aprofundada pela impossibilidade de acesso a espaços que concentram oportunidades”. Para Albergaria, o transporte tem papel determinante nesse processo de deslocamento e as pessoas mais pobres são as que mais pagam por ele.
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Veja o que já enviamosNo levantamento feito pelo Observatório, os trabalhadores gastam, em média, R$ 384 pegando o trem de segunda a sábado, considerando a tarifa atual de R$ 7,40. Esse valor corresponde a 29% do salário mínimo. Apenas 7% dos passageiros têm o Bilhete Único Intermunicipal (BUI), que dá direito a pagar R$ 5. “Essas pessoas que têm menos e saem desses territórios periféricos são as que pagam mais com o transporte. A forma como a mobilidade está desenhada reproduz uma relação racista, classista e machista que define para determinados corpos uma política de liberdade e de garantia”, sustenta.
Segundo o IBGE, no segundo semestre de 2022, o Rio de Janeiro era o único estado das regiões Sul e Sudeste com 26,9% de pessoas ocupadas por conta própria, na informalidade, acima da média nacional de 26,2%. Além disso, o estado foi um dos mais impactados durante a pandemia, chegando a 1,6 milhões de desempregados no primeiro trimestre de 2021. Assim, Albergaria enxerga a garantia de transporte barato, seguro e de qualidade como prioridade a curto prazo.
Tarifa social do trem e metrô
“O contrato de concessão da SuperVia prevê o reajuste anual com base no IGP-M acumulado, e foi homologado pela Agetransp. O passageiro pode verificar se atende aos pré-requisitos para habilitar o Bilhete Único Intermunicipal e ter acesso à tarifa social. Desta forma, o valor da passagem cai dos atuais R$ 7,40 para R$ 5. O uso do BUI habilitado garantirá à população a manutenção do atual valor da passagem por meio da Tarifa Social de R$ 5. A diferença de R$ 2,40 será subsidiada pelo Estado diretamente ao passageiro – por isso há a necessidade de se usar o BUI”, informa a SuperVia, em nota.
Após o anúncio do aumento da tarifa do metrô, o governador Cláudio Castro divulgou a criação da tarifa social de R$ 5, similar à dos trens. Pessoas entre 5 e 64 anos, com renda mensal de até R$ 7.507,49, e quem trabalha sem carteira assinada ou não possui renda têm direito ao benefício. Também é preciso ter o cartão Riocard Mais, habilitado no Bilhete Único Intermunicipal e vinculado ao próprio CPF.
No entanto, com mais de 3 milhões de pessoas na informalidade no estado, a discussão sobre a medida adotada pelo governo do Estado se complica. Albergaria afirma que a política de tarifa social define valor menor para pessoas em situação de maior vulnerabilidade usufruírem de direitos que são entendidos como essenciais, como energia elétrica, água e transporte. “O valor que o governador anuncia como tarifa social custa 20% da renda média do trabalhador. A lei do vale-transporte determina o comprometimento do salário com transporte até 6% do salário. Ou seja, quem tem direito assegurado com o trabalho formal paga menos do que um trabalhador informal em situação de vulnerabilidade”, explica.
Ainda segundo cálculos do Observatório, considerando a implementação desses 6% previsto na CLT, a tarifa seria considerada social se o BUI fosse equivalente a R$ 1,52 reais. “Falamos muito do transporte ferroviário porque é o principal modal da região metropolitana do Rio, atravessando 12 municípios, mas se deslocar é viver. A gente precisa ter outra forma de pensar o planejamento da cidade, a política de mobilidade e o transporte de uma forma geral”, prega Albergaria.
Tarifa zero nos transportes públicos
A garantia de mobilidade urbana está determinada na Constituição. O engenheiro Licínio Machado – diretor de mobilidade da FAM Rio e coordenador do Fórum de Mobilidade Urbana no Clube de Engenharia – afirma que não há como exercer o direito à cidade sem transporte. Ele defende transporte público gratuito. “Quem não precisa de transporte porque tem carro depende fundamentalmente das pessoas que precisam. Por que elas têm que pagar o transporte, que é um direito?”, questiona.
Machado propõe uma analogia: “Quando você pega um elevador, seja no prédio em que você mora, no trabalho ou visitando alguém, não há uma catraca na porta. Quem paga é o condomínio. Isso levanta uma questão: por que o condomínio da cidade não paga o transporte horizontal? Todos precisam desse transporte”. Para o engenheiro, a tarifa deveria ser zero com os custos divididos pela população – com ônus para quem tem maior poder aquisitivo.
Machado avalia ainda que a participação social no debate sobre mobilidade urbana e direito à cidade é essencial. “A solução é que governos parem de achar que sabem tudo e passem a ouvir a população, além de romper todos esses contratos e fazer outros”. Em relação aos trens, alega que a fase atual é um famoso perde-perde pois tanto os passageiros quantos os próprios operadores estão sendo prejudicados por um contrato de parâmetros irreais.
O engenheiro afirma a importância de um planejamento na mobilidade urbana da região metropolitana do Rio a longo prazo. “A única certeza do transporte aqui é que se hoje está ruim, amanhã certamente estará pior. Não existe planejamento, só medidas para ser reeleito”, atesta.
Direito à cidade para além do trilhos e estradas
O espaço urbano se constitui de diversos elementos. Falar de mobilidade não é apenas sobre o deslocamento entre casa e trabalho, por exemplo. A cidade precisa ser vista de um aspecto maior que considere também todo o entorno dessas viagens de ônibus, metrô, ou trem. Ronaldo Balassiano, engenheiro civil e diretor executivo do Instituto Planett, alerta para a importância de olhar para essas localidades considerando também o custo das viagens, o estado das calçadas e a sinalização, por exemplo. “As pessoas precisam se locomover de forma mais segura, mais prática e mais barata. Isso sim que garante o pertencimento da cidade”.
Para o engenheiro, há esse desafio nas metrópoles enquanto em cidades menores normalmente é mais fácil identificar os problemas e trabalhar para consertá-los. “Em uma cidade grande como a nossa, muitas vezes as áreas onde as pessoas com maior poder aquisitivo estão são melhor servidas do que as de menor poder aquisitivo. Às vezes, a demanda por serviços é diferente, mas a qualidade tem que ser igual”, afirma.
O Rio de Janeiro se enquadra na complexidade de um planejamento urbano que contemple as diversas realidades que existem no seu território. Balassiano explica que qualquer cidade tem um centro e espaços próximos dele ou longe – a diferença se estabelece pela facilidade de locomoção para pessoas que moram em locais mais distantes. “Ao longo dos anos, o que tem acontecido é uma dificuldade muito grande na vida de quem está mais longe do centro, porque o transporte não é bom e a condição de viagem é sempre pior. É importante ver as características de cada uma dessas áreas e como elas podem estar conectadas para uma participação maior de toda essa população nas cidades”.
Balassiano acredita que um planejamento conjunto entre o governo do estado e dos municípios da região metropolitana é fundamental para melhorar a mobilidade urbana. “A gente precisa ter essa integração. A questão mais importante é entender que a mobilidade urbana não pode ser vista de forma fragmentada”. Para ele, também é fundamental a visão mais humana. “A gente quer ficar muito tecnológico mas não se fecha às necessidades diferentes de cada pessoa”, opina.
*Até o fechamento da matéria, não houve retorno do MetrôRio.