O terceiro relatório De Olho nos Transportes – elaborado pela Casa Fluminense com entidades parceiros – enfatiza a necessidade de uma autoridade metropolitana capaz de fazer a gestão e coordenação integrada dos transportes públicos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), com seus 22 municípios, de forma integrada. “O desafio, principalmente das grandes cidades, é ter uma sistema de transporte que seja bom, barato, seguro e limpo. E, numa metrópole como o Rio de Janeiro, é fundamental que o planejamento e operação do transporte sejam feitas de forma coordenada”, afirmou o economista Victor Mihessen, coordenador-executivo da Casa Fluminense, durante o lançamento do documento em um debate pelo canal da entidade no Youtube.
Os dois primeiros estudos da Casa Fluminense – organização com foco no debate de políticas públicas para a redução das desigualdades no Região Metropolitana do Rio –sobre o transporte tiveram o ônibus como foco: o documento de 2021 constatou o desaparecimento de 37 linhas de ônibus no Rio durante a pandemia. No relatório lançado ontem – não por acaso o Dia Mundial sem Carro – pela ONG, a grande ênfase é na necessidade de integração, mas são abordados também a proposta de um Sistema Único de Transporte, o desafio da eletromobilidade no Grande Rio e no país e ainda “O sistema de transporte público, no Rio e em outras grandes cidades, passa por uma grave crise e deve estar no centro do debate de políticas públicas, principalmente em época de eleições”, acrescentou Mihessen.
O De Olho nos Transportes lembra que, após a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara em 1974, foram criadas a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) e, no ano seguinte, a Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Fundrem), exclusivamente com objetivo de promover o planejamento regional e coordenar as políticas sobre os serviços comuns da metrópole. A Fundrem nunca teve papel efetivo e foi extinta em 1990. Somente em 2014, foi criada a Câmara Metropolitana de Integração Governamental com o objetivo de orientar ações de interesse comum dos municípios do Grande Rio. Com a Câmara, veio o primeiro Plano Estratégico da Região Metropolitana, entregue em 2018, e a implantação do Instituto Rio Metrópole (IRM) para ser o órgão executivo da Câmara Metropolitana e coordenar as ações de interesse comum dos municípios da RMRJ, inclusive na área de mobilidade. Mas o IRM é quase um órgão clandestino do governo estadual.
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Veja o que já enviamosO relatório destaca que “o cenário caótico do transporte público da RMRJ é emblemático para enfatizar a emergência de se ter uma autoridade metropolitana dos serviços de mobilidade urbana capaz de integrar e gerir trens, metrôs, ônibus e barcas, formando um Sistema Único de Mobilidade na RMRJ”. Os pesquisadores da Casa Fluminense, responsáveis pelo plano, defendem a necessidade de integração física, para viabilizar a proximidade de estações e pontos de parada de diferentes sistemas a fim de reduzir a distância e o desconforto da transferência entre os modos de transporte; a integração tarifárica, para facilitar o pagamento da tarifa entre diferentes linhas ou modos de transporte com o objetivo de reduzir tempo e custos; e integração operacional e coordenar e comunicar o serviço de diferentes linhas ou modos de transporte de forma complementar e unificada. “O direito ao transporte, que está na Constituição, hoje é negado à população. O sistema de transporte público é caro e precário. A alternativa da mobilidade ativa é quase inexistente”, destacou Annie Oviedo, analista de Mobilidade Urbana no Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), que participou do lançamento do relatório.
O Idec, a Casa Fluminense e mais três dezenas de entidades aproveitaram o dia também para lançar um manifesto, assinado ainda por especialistas e pesquisadores, pelo Sistema Único de Mobilidade Urbana com o objetivo central de ampliar e fortalecer o transporte público coletivo. “Temos que caminhar no rumo do Duplo Zero: zero tarifa e zero emissões. Não é fácil, mas está ao nosso alcance: há tecnologia, há conhecimento, há dinheiro. É preciso ter vontade para encarar o desafio”, argumentou Annie Oviedo.
O relatório traz exemplos de integração metropolitana na gestão de transportes: Londres, onde a Transport For London (TFL), criada em 2020, é responsável pelo controle do metrô, trens metropolitanos, VLTs, ônibus e táxis e também atua para desestimular o uso de transportes individuais, estabelecendo o pagamento de cobranças e multas de um pedágio urbano para evitar congestionamentos; Paris, onde a Métropole du Grand Paris, reunindo a cidade de Paris e mais 130 comunas francesas, equivalentes aos municípios brasileiros, tem a responsabilidade pela integração, inclusive nos transportes, sendo responsável pela coordenação da RATP, que reúne os modais; Lisboa, onde a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), que fiscaliza e regula o setor da mobilidade, considerando seus múltiplos modais: transporte fluvial, rodoviário, marítimo, ferroviário e terrestre; Medellin, onde a autoridade metropolitana é resultado da parceria entre a prefeitura da capital colombiana, da Região Metropolitana do Vale do Aburrá e o metrô, entre outras entidades públicas e privadas; e brasileira Curitiba, onde a Coordenação da Região Metropolitana é responsável por coordenar as Funções Públicas de Interesse Comum (FPICs), entre os 29 municípios, incluindo o setor de mobilidade urbana, mas também outras áreas como saneamento e habitação. “São necessários mecanismos de governança para a efetiva integração das políticas públicas”, apontou a engenheira Beatriz Rodrigues, coordenadora sênior de Transporte Público no ITDP Brasil.
O ITDP ajudou a Casa Fluminense em listar no De Olho nos Transportes os passos para eletrificação do transporte público, outro ponto abordado pelo relatório. “Nós não podemos ter mais cidades voltadas para os carros. Precisamos de um sistema de transporte limpo, sustentável e inclusivo”, destacou a coordenador do ITDP. O documento da Casa Fluminense também alerta para as ameaças à saúde causadas pela poluição do ar, citando estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, de 2018, que explorou indicadores de morbidade e mortalidade associando-os com a poluição do ar em seis regiões metropolitanas brasileiras. A RMRJ foi a com maior concentração média anual do material particulado fino (MP 2,5), poluente emitido pela queima de combustíveis fósseis e matéria orgânica, responsável por problemas de saúde como câncer de pulmão, asma e pneumonia. De acordo com estudo, essa poluição pode causar 6.800 por ano na região.
Os dados sobre a poluição e seus efeitos na saúde são mais um componente para a Casa Fluminense defender a urgência da eletrificação do transporte e da coordenação do sistema para que sejam feitas menos viagens e mais baratas. Integrantes da Casa Fluminense estiveram na manhã desta quinta no Terminal Alvorada, que reúne várias linhas de ônibus na Zona Oeste, para chamar a atenção para o perigo das emissões de gases poluentes pelos veículos. “É mais uma marca da desigualdade: quem mais sofre e mais paga caro pela precariedade do transporte público são os mais pobres, que também são os mais expostos à poluição do ar”, lembrou Victor Mihessen. “A Casa Fluminense tem um compromisso político com um transporte bom, barato, seguro e limpo”.