As lições do Japão para lidar com o envelhecimento populacional

Alimentação saudável, exercícios diários, trabalho pós-aposentadoria e socialização estão entre os segredos da Terra do Sol Nascente

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 11 • Publicada em 28 de outubro de 2024 - 09:43 • Atualizada em 3 de novembro de 2024 - 09:10

Idosos se exercitam com halteres de madeira no terreno de um templo em Tóquio, para celebrar o Dia do Respeito ao Idoso no Japão. Pessoas de 50 anos e mais já representam metade da população do país. Foto Yoshikazu Tsuno/AFP

O Japão está entre os 12 países mais populosos, possuindo a maior expectativa de vida ao nascer e a estrutura etária mais envelhecida do mundo. A idade mediana era de 21 anos em 1950 e chegou a 50 anos em 2024, o que significa que metade da população já possui 50 anos ou mais de idade.

Este rápido envelhecimento populacional decorre não somente da redução das taxas de mortalidade, mas principalmente da queda da taxa de fecundidade total (TFT), que diminuiu rapidamente logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. O número médio de filhos por mulher caiu abruptamente e, em consequência, houve uma rápida redução da proporção de crianças e adolescentes, enquanto, simultaneamente, aumentava o peso das gerações mais idosas. A população japonesa já está decrescendo desde 2009 e terá o número de habitantes reduzido para quase a metade até 2100.

A população do Japão era de 86,4 milhões de habitantes em 1950, sendo 30,4 milhões de jovens de 0-14 anos (35,2% do total), 13 milhões de pessoas de 50+ (15% do total), 6,6 milhões de 60+ (7,7% do total) e 389 mil idosos de 80+ (0,5% do total). Estes números mudaram substancialmente até 2024, ano em que a população total japonesa chegou a 123,8 milhões de habitantes, sendo 14,2 milhões de jovens de 0-14 anos (11,4%), 62 milhões de pessoas de 50+ (50%), 44,5% de idosos de 60+ (35,9%) e 13,1 milhões de idosos de 80+ (10,6%). Portanto, as pessoas de 50 anos e mais de idade já representam metade da população japonesa e a proporção de idosos deve continuar crescendo ao longo do século XXI.

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O gráfico abaixo mostra a evolução de quatro grupos etários da população japonesa de 1950 a 2100, segundo dados da Divisão de População da ONU. A população de 0-14 anos que era de 30,4 milhões de crianças e adolescentes em 1950, cresceu até o pico de 31 milhões em 1953, tem diminuído desde então e deve cair para apenas 8,8 milhões de jovens em 2100. A população de 50 anos e mais era de 13 milhões de pessoas em 1950, ultrapassou o número de jovens de 0-14 anos em 1980, com 28,2 milhões, vai chegar ao pico de 63,8 milhões em 2029 e deverá cair para 41,8 milhões de pessoas em 2100.

A população de 60 anos e mais de idade era de 6,6 milhões de pessoas em 1950, ultrapassou o número de jovens de 0-14 anos em 1991, com 22,6 milhões, vai chegar ao pico de 47,9 milhões em 2038 e deverá cair para 33,2 milhões de idosos em 2100.

A população de 80 anos e mais de idade era de 389 mil pessoas em 1950, deve ultrapassar o número de jovens de 0-14 anos em 2027, com 14,1 milhões, vai chegar ao pico de 19,1 milhões em 2060 e deverá cair para 16,2 milhões de idosos em 2100.

Em 2100, a proporção de pessoas 50+ deve chegar a 54% da população total, a proporção de 60+ deve chegar a 43% e a proporção de 80+ deve chegar a 21% da população total. A expectativa de vida ao nascer que está em 85 anos em 2024, pode chegar a 94 anos em 2100, segundo a Divisão de População da ONU.

Desta forma, o Japão, entre os grandes países, tem a maior proporção de idosos no mundo e tem implementado diversas iniciativas para aproveitar o potencial da geração prateada, promovendo uma sociedade que valoriza a experiência e a contribuição contínua dos idosos. Algumas das principais abordagens são:

  1. Extensão da Vida Ativa e do Trabalho Pós-Aposentadoria

O governo japonês tem incentivado os idosos a permanecerem no mercado de trabalho por mais tempo, promovendo políticas que permitem a extensão do período de trabalho. As empresas são incentivadas a reter trabalhadores com mais de 60 anos e a criar condições de trabalho mais flexíveis, como meio período, horários flexíveis e trabalho remoto.

  1. Requalificação e Treinamento de Idosos

Programas de requalificação e treinamento para idosos têm sido desenvolvidos para permitir que continuem a contribuir economicamente. O governo japonês oferece cursos de educação continuada e treinamentos em novas áreas, como tecnologia e serviços, permitindo que eles adquiram habilidades atualizadas.

  1. Envolvimento em Atividades Voluntárias

Muitos idosos no Japão participam ativamente em atividades de voluntariado, desempenhando papéis importantes em suas comunidades, como cuidadores, mentores e educadores. Programas comunitários incentivam o engajamento de idosos em iniciativas locais, o que, além de beneficiar a sociedade, promove o bem-estar social e mental desses indivíduos.

  1. Tecnologia e Inovação

O Japão também está à frente na aplicação de tecnologia para apoiar a população idosa. Desde robôs de assistência até serviços de saúde digital, o país tem investido em inovação para ajudar os idosos a manterem sua independência por mais tempo. A tecnologia também facilita o trabalho de cuidadores e familiares.

  1. Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças

Há um grande foco na promoção da saúde entre os idosos, com programas preventivos que visam reduzir a dependência de cuidados médicos. Programas de exercícios físicos, acompanhamento nutricional e consultas regulares são incentivados. Além disso, há um esforço em melhorar os serviços de saúde domiciliar e comunitária, para que os idosos possam permanecer em suas casas por mais tempo.

  1. Planejamento Urbano e Inclusão Social

Para adaptar-se ao envelhecimento da população, o Japão tem investido em um planejamento urbano inclusivo, que facilita o acesso a serviços e infraestrutura por parte dos idosos. Cidades estão sendo adaptadas para serem mais amigáveis, com transporte acessível, habitação adaptada e espaços públicos que atendam às necessidades dessa faixa etária.

Essas iniciativas fazem parte de uma estratégia mais ampla de “envelhecimento ativo”, promovida pelo Japão para garantir que a população idosa continue a desempenhar um papel vital na sociedade e na economia.

Estudantes e turistas visitam a cidade de Kyoto. O número de jovens no país representa pouco mais de 10% da população. Foto Yomiuri Shimbun/AFP
Estudantes e turistas visitam a cidade de Kyoto. O número de jovens no país representa pouco mais de 10% da população. Foto Yomiuri Shimbun/AFP

As lições das “Zonas Azuis” e o exemplo de Okinawa

A série da Netflix “Como Viver até os 100: Os Segredos das Zonas Azuis” do escritor Dan Buettner relaciona cinco regiões específicas do mundo onde as pessoas tendem a viver mais e de maneira mais saudável, frequentemente ultrapassando os 90 e até os 100 anos de idade. As cinco zonas azuis identificadas são: Sardenha, Itália; Ikaria, Grécia; Okinawa, Japão; Nicoya, Costa Rica e Loma Linda, Califórnia, EUA.

No caso de Okinawa, o autor relaciona vários motivos para explicar a alta longevidade, envolvendo uma combinação de fatores genéticos, culturais, alimentares e de estilo de vida, tais como:

1) Dieta Tradicional

A dieta de Okinawa é rica em alimentos saudáveis e de baixa caloria. A base dessa alimentação inclui: Vegetais – O consumo de vegetais, especialmente batata-doce roxa (um alimento básico local), e folhas verdes, como o goya (melão amargo); Peixes – A população consome regularmente peixe, que é rico em ômega-3, associado à saúde cardiovascular; Tofu e soja – Alimentos à base de soja, como tofu e missô, são fontes de proteína de alta qualidade e contêm compostos chamados isoflavonas, que têm efeitos antioxidantes; Chá verde e ervas – O chá verde e as ervas medicinais, como o açafrão, são populares e têm propriedades anti-inflamatórias; Restrição calórica moderada – Os habitantes de Okinawa praticam o “Hara Hachi Bu”, um conceito que incentiva comer até estar 80% satisfeito, evitando excessos alimentares.

2) Atividade Física Constante

Mesmo na velhice, muitos habitantes de Okinawa mantêm-se fisicamente ativos. São comuns caminhadas diárias, jardinagem e atividades leves, promovendo a saúde cardiovascular e muscular.

3) Forte Coesão Social

Os idosos de Okinawa fazem parte de uma rede social forte e solidária. Eles participam de grupos de apoio chamados “moai”, que oferecem amizade, apoio emocional e financeiro ao longo da vida. Esse senso de comunidade ajuda a reduzir o estresse e promove um envelhecimento saudável.

4) Sentido de Propósito (Ikigai)

O conceito de “ikigai” significa ter um propósito de vida ou razão de ser. Em Okinawa, as pessoas valorizam ter um propósito, que pode ser algo simples como cuidar da família, praticar um hobby ou estar envolvido na comunidade, o que está associado a menores níveis de estresse e melhor saúde mental.

5) Baixo Nível de Estresse

O estresse crônico está relacionado a várias doenças. Os habitantes de Okinawa parecem ter uma abordagem mais calma e relaxada em relação à vida, o que pode ser um fator protetor contra doenças relacionadas ao estresse, como problemas cardíacos e hipertensão.

6) Genética

O autor indica que a genética também desempenha um papel na longevidade de Okinawa. Estudos mostram que os habitantes possuem certas variações genéticas que podem contribuir para a resistência a doenças crônicas, como doenças cardíacas e câncer.

7) Baixos Níveis de Doenças Crônicas

Os okinawanos tendem a apresentar taxas mais baixas de doenças relacionadas à idade, como doenças cardíacas, derrames e certos tipos de câncer. Isso se deve, em parte, ao estilo de vida e à dieta, além de fatores genéticos.

8) Baixo Consumo de Alimentos Processados

A dieta tradicional de Okinawa é muito baixa em alimentos processados e açúcar refinado, que são conhecidos por contribuir para a obesidade e outras doenças crônicas.

Segundo o escritor Dan Buettner, a combinação desses fatores fez de Okinawa um exemplo de como o estilo de vida e a cultura podem impactar positivamente a saúde e a longevidade das pessoas. A expectativa de vida ao nascer do Japão era de 59,3 anos em 1950, passou para 84,9 anos em 2024 e está projetada para incríveis 94,4 anos em 2100, segundo a Divisão de População da ONU.

Contudo, estudos mais recentes questionam a excepcionalidade das zonas azuis. O demógrafo britânico Saul Newman avaliou os dados da longevidade nestas cinco zonas e descobriu que os dados epidemiológicos estavam cheios de erros e de vieses estatísticos incompatíveis com o rigor das pesquisas da comunidade científica. Desta forma, as análises excessivamente otimistas do aumento da longevidade foram questionadas.

No dia  07 de outubro de 2024, a revista Nature Aging publicou o artigo “Implausibility of radical life extension in humans in the twenty-first century” (Olshansky et al. 2024) mostrando que a tendência mundial de aumento da expectativa de vida desacelerou e que será quase impossível que a maioria das pessoas vivam até os cem anos. De fato, os avanços no aumento da longevidade tiveram uma desaceleração considerável dos anos 1990 até 2019. De acordo com o artigo da Nature, os dados indicam que, ao menos nos países com as expectativas de vida mais elevadas do mundo, uma espécie de “teto biológico” está próximo de ser alcançado.

Sem dúvida, é necessário que haja dúvidas sobre alguns números fantasiosos. De qualquer forma, os fatores listados para explicar a alta expectativa de vida dos habitantes de Okinawa não deixam de ser relevantes para causa do envelhecimento ativo e saudável. Como diz o provérbio italiano: “Se non è vero, è ben trovato”. A expectativa de vida ao nascer no Japão está se aproximando de 90 anos e, mesmo que o número de pessoas centenárias não seja tão elevado como suposto nas zonas azuis, o Japão já conquistou uma considerável vida longa e saudável para os padrões internacionais. Se não dá para ultrapassar os 100 anos e além, o fundamental é viver bem.

O 3º bônus demográfico e a Economia Prateada no Japão

O Japão conseguiu enriquecer simultaneamente ao envelhecimento populacional. O país do Sol Nascente aproveitou bem o 1º bônus demográfico (o bônus da estrutura etária). Mas a janela de oportunidade demográfica já se fechou e o envelhecimento populacional é a nova realidade, embora não seja o fim da linha para o progresso social.

O Japão tem buscado liderar a discussão sobre outros bônus demográficos. O 2º bônus demográfico (ou bônus da produtividade) é um conceito que se refere ao impacto positivo que o aumento da produtividade tem sobre a economia e os salários dos trabalhadores. Em termos simples, ele ocorre quando os trabalhadores produzem mais bens e serviços por hora de trabalho, o que pode resultar em melhores salários, maior competitividade das empresas e crescimento econômico sustentável.

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O Bônus da Produtividade permite: a) Aumento da eficiência, quando as empresas e os trabalhadores se tornam mais eficientes, utilizando menos recursos para produzir a mesma quantidade ou mais, gerando um excedente econômico. A produtividade pode ser aumentada por meio de inovações tecnológicas, melhores práticas de gestão, qualificação dos trabalhadores ou investimentos em capital, b) Mais Investimentos, quando o aumento da produtividade atrai mais investimentos, tanto internos quanto externos e as empresas que são mais produtivas conseguem gerar maiores retornos sobre os fatores de produção (capital e trabalho).

O 3º bônus demográfico, ou dividendo prateado, é um conceito que se refere ao aproveitamento do potencial produtivo e criativo das gerações prateadas (de 50 anos e mais de idade). O artigo “Population Aging and the Three Demographic Dividends in Asia” (Ogawa et al, 2021) mostra que o Japão – o país mais envelhecido do mundo – tem tomado uma série de medidas para reduzir a escassez de recursos humanos no país. Os autores usaram um modelo de simulação para avaliar a capacidade de trabalho inexplorada para idosos japoneses. A “capacidade de trabalho não explorada” foi definida como uma folga entre a probabilidade de emprego real e a prevista.

Desta forma, o Japão está buscando se adaptar para a nova realidade da mudança da estrutura etária e para o aproveitamento da economia prateada (“Silver economy”), que se refere ao conjunto de atividades econômicas que abarcam as contribuições, as necessidades e as demandas da população idosa, especialmente de 50 anos e mais de idade (Alves, 17/09/2024). Com o envelhecimento da população se espraiando por todos os quadrantes do planeta, a economia prateada tem ganhado cada vez mais destaque e atenção e deverá atingir todas as áreas da sociedade ao longo do século XXI.

Referências:

Dan Buettner. Como Viver até os 100: Os Segredos das Zonas Azuis, Netflix, 2023

https://www.netflix.com/br/title/81214929

Olshansky et al. Implausibility of radical life extension in humans in the twenty-first century, Nature Aging, 07/10/2024 https://www.nature.com/articles/s43587-024-00702-3

Naohiro Ogawa, Norma Mansor, Sang-Hyop Lee, Michael R.M. Abrigo, and Tahir Aris. Population Aging and the Three Demographic Dividends in Asia. Asian Development Review, vol. 38, no. 1, pp. 32–67, 2021 https://direct.mit.edu/adev/article/38/1/32/98309/Population-Aging-and-the-Three-Demographic

ALVES, JED. Envelhecimento populacional, economia prateada e o terceiro bônus demográfico, Portal do Envelhecimento, 17/09/2024 https://portaldoenvelhecimento.com.br/envelhecimento-populacional-economia-prateada-e-o-terceiro-bonus-demografico/

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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