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Refugiados afetados por enchentes no sul encaram incertezas sobre reconstrução e ajuda humanitária

Dia Mundial do Refugiado: lideranças relatam ausência de diálogo na elaboração de políticas públicas de reconstrução do Estado

Refugiados e imigrantes afetados pelas enchentes no Rio Grande do Sul convivem com desafios que se acumulam. Antes do desastre socioambiental, Sandra Monrroy, 45 anos, morava no bairro Sarandi, em Porto Alegre (RS) – um dos mais atingidos pela cheia do Guaíba em 2024. “Minha casa foi alagada três vezes, antes dessa enchente que foi a pior. As primeiras sempre chegavam até os joelhos, mas essa passou do telhado”, conta a venezuelana que mora há 7 anos no Brasil. Assim como outros grupos marginalizados, imigrantes e refugiados enfrentam barreiras extras na busca por direitos básicos, como saúde e trabalho.
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Segundo dados da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), 43 mil pessoas refugiadas estavam no Rio Grande do Sul durante o desastre, a maioria venezuelanos (67%), haitianos (28%) e cubanos (3%). Grande parte residia em periferias e áreas vulneráveis, como o bairro Sarandi. Como o #Colabora mostrou – logo após as enchentes – imigrantes ainda sofreram xenofobia em abrigos no Estado.
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Veja o que já enviamosMakhariannys Gonzalez foi uma das imigrantes que denunciou o preconceito sofrido na época das enchentes. Há seis anos no Brasil, ela também morava no bairro Sarandi e se mudou para Cachoeirinha, município da região metropolitana de Porto Alegre. “Não foi fácil para ninguém e pior para nós imigrantes. A maioria voltou para o lugar da enchente”, comenta a venezuelana.
Parte dos refugiados atingidos no RS foram encaminhados para o Centro Humanitário de Acolhimento (CHA) Recomeço, gerido pela Agência da ONU para Migrações (OIM). “Durante a emergência, o ACNUR realizou escuta ativa das comunidades afetadas, capacitação de equipes locais e promoção da inclusão social e econômica de pessoas refugiadas”, diz nota da agência.
Por outro lado, existe incerteza com relação ao futuro da ajuda humanitária no Rio Grande do Sul e em outros locais, devido aos cortes de financiamento promovidos, principalmente, pelos Estados Unidos. Em março deste ano, a ACNUR divulgou declaração com apelo por apoio dos Estados-membros da ONU.

“Ainda estamos tentando nos levantar dessa catástrofe”
Makhariannys Gonzalez aponta que a maioria dos imigrantes e refugiados conseguiu acesso ao auxílio emergencial no valor de R$5.100, pago pelo governo federal para as vítimas do desastre no Rio Grande do Sul. Segundo ela, os novos deslocamentos por conta da catástrofe levaram muitos imigrantes a perderem seus empregos. “Ainda estamos tentando nos levantar dessa catástrofe”, acrescenta.
Seria muito importante, nós que atuamos diretamente nesses territórios e com esses imigrantes, pudéssemos colocar o nosso ponto de vista dessa catástrofe, mas isso não ocorreu
Uma das alternativas criadas em dezembro de 2024 foram cursos e capacitações, uma parceria da ACNUR com associações de imigrantes. “Cursos de português, cursos de corte e costura e orientações constantes sobre direitos e assistência”, descreve Makhariannys, uma das lideranças da Associação dos Venezuelanos de Cachoeirinha.
Em uma média por mês, participam das oficinas de costura cerca de 30 mulheres imigrantes. Com o apoio do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR), nove delas foram empregadas por uma empresa de costura. Makhariannys faz um apelo pelo apoio de outras entidades para manter os cursos, que envolvem custos para pagar o aluguel do espaço e o auxílio aos professores. “Como associação, conseguimos ajudar os imigrantes na documentação, por enquanto, não temos como financiar essas oficinas”, pontua.
Políticas de reconstrução não mencionam imigrantes
Um dos principais instrumentos de proposição de políticas públicas e ações para a reconstrução do Rio Grande do Sul, o Plano Rio Grande não menciona nenhuma iniciativa voltada para imigrantes e refugiados. Coletivos e associações dessa população também não foram convidadas a fazer parte do Conselho do Plano Rio Grande, grupo que possui cerca de 160 representações do Poder Público e da sociedade civil.
Presidente da Associação dos Angolanos e Amigos do Rio Grande do Sul, Narrador Kanhanga lamenta a ausência de diálogo por parte do governo estadual. “Seria muito importante que nós que atuamos diretamente nesses territórios e com esses imigrantes, pudéssemos colocar o nosso ponto de vista dessa catástrofe, mas isso não ocorreu”, comenta Kanhanga – que atua há cerca de 6 anos como liderança e articulador de imigrantes.
“Nós somos a população e os sujeitos dessa pauta (ambiental e climática)”, pontua Kanhanga. Segundo ele, não existem informações disponíveis nem para as associações e lideranças sobre as ações relativas à reconstrução direcionadas para os imigrantes e refugiados no estado.
A reportagem do #Colabora entrou em contato com a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do RS para solicitar informações sobre as ações para apoiar e incluir refugiados e imigrantes na reconstrução do Estado. Até o momento da publicação, não havíamos recebido resposta.

Sandra já não sabe a quem recorrer
No caso de Sandra Monrroy e de sua família, eles conseguiram apoio para alugar um local e não precisaram ficar em abrigos. “Eu já tinha trauma de morar em abrigos, porque a gente já tinha morado em abrigos em Roraima e vimos muita coisa”, explica. Apesar disso, ela enfrentou dificuldades para ter acesso à doações de alimentos no período.
Sandra conseguiu receber o auxílio emergencial do governo federal e, atualmente, mora em um apartamento no bairro Ipanema, zona sul de Porto Alegre. O imóvel foi adquirido pelo programa “Compra Assistida RS”. Porém, a venezuelana afirma que ainda não conseguiu recuperar todos os móveis de casa.
Há cerca de um mês, o marido de Sandra – Hector José Perez – teve um infarto e desde então a família enfrenta dificuldades para se sustentar e obter assistência. Antes, Sandra trabalhava como copeira e chegou a tentar empreender vendendo roupas, mas perdeu todas as mercadorias na enchente. Após assumir a tarefa de cuidado do marido e pela falta de uma rede de apoio, Sandra não conseguiu mais trabalhar.
“Fico triste, porque a gente é imigrante, mas não estou pedindo porque quero, estou pedindo porque preciso. Sempre fui atrás do meu trabalho e o Hector sempre trabalhou”, desabafa a venezuelana. Por um tempo, Sandra participou das oficinas da ACNUR e conseguiu auxílio para comprar os remédios do marido, porém, a ajuda cessou e ela já não sabe a quem recorrer. Ela também se preocupa pelos filhos e pela neta que tem 1 ano e 8 meses.
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Micael Olegário
Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.