IDH global avança em ritmo mais lento na atual década

Impacto da pandemia da covid-19 foi decisivo para a desaceleração no progresso do IDH, afetando todas as regiões em desenvolvimento

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 10 • Publicada em 19 de maio de 2025 - 09:05 • Atualizada em 19 de maio de 2025 - 09:45

Enterro de vítima da covid-19 em 2021 no cemitério público Nossa Senhora Aparecida em Manaus: cpm pandemia, IDH global avançou mais lentamente (Foto: Bruno Kelly / Amazônia Real – 22/03/2021)

O relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), divulgado em maio de 2025, indica que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) atingiu o maior valor em 2023, mas apresenta uma preocupante tendência de desaceleração, além de uma ampliação da lacuna entre o IDH muito alto e baixo. 

O IDH varia entre 0 e 1 e, quanto mais próximo de 1, melhor. O gráfico abaixo – no painel da esquerda – mostra que o IDH global era de 0,651 no ano 2000 e passou para 0,731 em 2015, um aumento de 0,8% ao ano. O IDH de 2020 era de 0,742 e passou para 0,756 em 2023, um aumento de 0,6% ao ano. Portanto, o IDH global continua aumentando, mas em ritmo mais lento. O PNUD estima que a variação entre 2023 e 2024 tenha se reduzido ainda mais. O fato é que a pandemia da covid-19 afetou os três componentes do índice – saúde, educação e renda – e a recuperação pós pandemia tem ocorrido de maneira mais morosa.

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O grupo de países com desenvolvimento humano muito alto tinha um IDH de 0,797 em 1990 e passou para 0,914 em 2023, enquanto o grupo de países com desenvolvimento humano baixo tinha um IDH de 0,346 em 1990 e passou para 0,515 em 2023. A diferença entre os dois grupos que era de 0,451 em 1990, caiu para 0,394 em 2020, mas subiu ligeiramente para 0,399 em 2023. Portanto, como mostra o gráfico abaixo  – no painel da direita – a diferença entre os dois grupos estava diminuindo e apontando para um processo de convergência. Porém, a lacuna voltou a aumentar e o grupo de países com IDH baixo passou a apresentar um desempenho mais lento do que o grupo de países com IDH muito alto.

O impacto da pandemia da covid-19 foi decisivo para a desaceleração no progresso do IDH, afetando todas as regiões em desenvolvimento, sendo que a América Latina e Caribe (ALC) foi a região mais atingida, conforme mostra os gráficos abaixo.

A evolução do IDH no Brasil e no mundo

O Brasil subiu cinco posições no ranking de desenvolvimento humano, em uma lista de 193 países, passando de 89º lugar em 2022 para 84º lugar em 2023, ao lado de Palau. O Brasil foi superado pela Colômbia, mas ultrapassou República Dominicana, Equador, Cuba, Peru, Moldova e Maldivas. No entanto, outras nações da região aparecem bem à frente no ranking, como Chile (45ª posição, IDH de 0.878), Argentina (47ª posição, IDH de 0.865) e Uruguai (48ª posição, IDH de 0.862).

O topo do ranking global é liderado por Islândia (IDH de 0.972), Noruega (0.970), Suíça (0.970), Dinamarca (0.962), Alemanha (0.959) e Suécia (0.959). Já as últimas colocações são ocupadas por Sudão do Sul (0.388), Somália (0.404), República Centro-Africana (0.414), Chade (0.416), Níger (0.419) e Mali (0.419).

A tabela abaixo mostra o IDH e seus componentes (saúde, educação e renda) para o Brasil e o mundo em 1990 e 2023. O IDH no Brasil passou de 0,641 para 0,786 no período, um crescimento de 22,6% e, no mundo passou de 0,608 para 0,756, um aumento de 24,3%. Portanto, o IDH brasileiro se manteve acima do IDH mundial, mas a diferença diminuiu entre 1990 e 2023. O ritmo de avanço desacelerou entre 2015 e 2023, mas as perdas durante a pandemia da covid-19 já foram recuperadas em 2023. 

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Na expectativa de vida ao nascer, o Brasil passou de 65,9 anos para 75,9 anos, um avanço de 10 anos no período e o mundo passou de 65,1 anos para 73,4 anos, um avanço de 8,3 anos entre 1990 e 2023. Neste componente a vantagem é brasileira.

No componente de anos esperados de escolaridade, entre 1990 e 2023, o Brasil passou de 14,1 anos para 15,8 anos, com vantagem em relação ao mundo que passou de 9,3 anos para 13 anos. No componente média de anos de estudo, o Brasil passou de 3,7 anos para 8,4 anos e o mundo, com melhor desempenho, passou de 5,9 anos para 8,8 anos. 

Na renda per capita, o Brasil levava vantagem em 1990 com uma renda per capita, em preços constantes em poder de paridade de compra (PPP$ 2021), de $ 12.178 contra uma renda per capita mundial de $ 11.274. Mas em 2023, mesmo com a renda do Brasil crescendo para $ 18.011, a renda média mundial foi superior e atingiu $ 20.327.

O gráfico abaixo compara a evolução do IDH do Brasil com o IDH da vizinha Venezuela e da China e da Índia, os dois países mais populosos do mundo, entre 1990 e 2023. Nota-se que a Venezuela tinha o maior IDH até 2015, mas a crise política e econômica fez o IDH venezuelano diminuir entre 2015 e 2023. O Brasil ficou em segundo lugar, sendo que em 2020 superou a Venezuela, porém, foi superado pela China, que assumiu a liderança entre os quatro países considerados. A Índia estava em um distante quarto lugar em 1990 e quase empatou com a Venezuela em 2023, além de se aproximar do Brasil. 

Nestes 33 anos em questão, o IDH avançou somente 0,2% ao ano na Venezuela, 0,6% ao ano no Brasil, 1,3% ao ano na Índia e 1,5% ao ano na China. Portanto, o desempenho do IDH do Brasil foi melhor do que o da Venezuela, mas ficou atrás do ritmo de avanço da Índia e, especialmente, atrás da China. 

O IDH e as desigualdades sociais e de gênero

O Brasil difere da média mundial em relação às desigualdades de gênero do IDH. A tabela abaixo mostra que, em 2023, no mundo, o IDH dos homens de 0,772 foi maior do que o IDH das mulheres de 0,737. A expectativa de vida ao nascer foi maior para o sexo feminino, com 75,9 anos para as mulheres e de 71 anos para os homens. No componente anos esperados de escolaridade há praticamente um empate entre homens e mulheres, em torno de 13 anos. Na média de anos de estudo a vantagem global foi dos homens com 9,2 anos contra 8,4 anos das mulheres. E no componente renda a diferença é ainda mais acentuada para os homens, com uma renda per capita de $ 25.751 para o sexo masculino e de $ 14.943 para o sexo feminino.

No Brasil, o IDH feminino de 0,785 foi ligeiramente maior do que o IDH masculino de 0,783. As vantagens das mulheres brasileiras está na saúde e na educação. A expectativa de vida ao nascer das mulheres brasileiras em 2023 era de 79 anos, contra apenas 72,8 anos dos homens. No componente anos esperados de escolaridade as mulheres alcançavam 16,5 anos, contra 15,1 anos dos homens. Na média de anos de estudo a vantagem continua feminina com 8,6 anos para as mulheres e 8,2 anos para os homens. Os homens brasileiros levam vantagem na renda per capita de $ 22.268 contra apenas $ 13.886 das mulheres. 

O relatório do PNUD também apesenta um ajuste do IDH levando em consideração o aspecto da desigualdade social. Nesse caso, o IDH do Brasil é ajustado para 0,594, o que faz com que o país fique apenas na 105ª posição global e caia para a categoria de IDH médio. O IDH mundial ajustado fica em 0,590.

O IDH, a Inteligência artificial e a Agenda 2030 da ONU

O tema deste ano do relatório do PNUD é a inteligência artificial. O último Relatório de Desenvolvimento Humano de 2025, dedica uma atenção significativa a como lidar com a inteligência artificial (IA) para o progresso do desenvolvimento humano.

O relatório argumenta que a IA representa uma “encruzilhada” para o desenvolvimento humano, oferecendo tanto oportunidades sem precedentes quanto riscos potenciais. Em vez de tentar prever o futuro da IA, o relatório enfatiza a necessidade de moldar ativamente seu desenvolvimento e implementação por meio de decisões conscientes e ousadas.

Os principais pontos sobre como lidar com a IA destacados no relatório incluem:

  • Governança e Regulamentação: Os governos devem assumir um papel ativo na regulação e governança da IA para garantir que ela seja desenvolvida e utilizada de forma ética, segura e para o bem comum. É crucial evitar que a tecnologia dite o rumo do desenvolvimento humano, mas sim usá-la como uma ferramenta para o progresso.
  • Colaboração Humano-IA: O futuro do trabalho e da economia deve se basear na colaboração entre humanos e IA, em vez de uma competição direta. Isso exigirá a criação de novas oportunidades de emprego e a adaptação das habilidades da força de trabalho.
  • Incorporação da Agência Humana: A agência e a autonomia humana devem ser centrais em todo o ciclo de vida da IA, desde o projeto até a implementação. As decisões sobre como a IA é usada não devem ser deixadas apenas para algoritmos ou empresas de tecnologia.
  • Modernização de Sistemas: Os sistemas de educação e saúde precisam ser modernizados para preparar as pessoas para um mundo com IA, garantindo que todos tenham as habilidades necessárias para se beneficiar dessa tecnologia.
  • Redução de Desigualdades: É fundamental garantir que os benefícios da IA sejam compartilhados por todos, e não apenas por alguns. Os países mais ricos devem ajudar os mais pobres a integrar a economia digital de forma justa, evitando o aumento das desigualdades existentes.
  • Foco no Desenvolvimento Humano: O desenvolvimento e a implementação da IA devem ter como objetivo ampliar as capacidades humanas, promover a criatividade, a diversidade e a confiança na construção de um futuro comum.

Em essência, o relatório clama por uma abordagem proativa e centrada no ser humano para a IA, com o objetivo de maximizar seus benefícios e mitigar seus riscos para o avanço do desenvolvimento humano em todas as dimensões. Os últimos resultados revelam um progresso frágil, com o menor crescimento no IDH desde o início dos anos 1990.

Além de tudo, a desaceleração do avanço do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) pode comprometer significativamente a Agenda 2030 da ONU e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de diversas maneiras interconectadas:

  • Atraso no alcance das metas: A Agenda 2030 estabelece metas ambiciosas para serem alcançadas até 2030, abrangendo áreas como erradicação da pobreza, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades e crescimento econômico sustentável. O IDH é um indicador chave que reflete o progresso nessas dimensões. Uma desaceleração no avanço do IDH indica que o progresso nessas áreas está estagnado ou ocorrendo em um ritmo mais lento do que o necessário para atingir as metas da Agenda 2030 no prazo estipulado.
  • Ampliação das desigualdades: A desaceleração do IDH pode ser um reflexo ou uma causa do aumento das desigualdades dentro e entre os países. Se o desenvolvimento humano não estiver avançando de forma equitativa, certos grupos populacionais e nações podem ficar para trás, dificultando o alcance do ODS 10 (Redução das Desigualdades) e minando o princípio fundamental da Agenda 2030 de “não deixar ninguém para trás”.
  • Impacto em múltiplos ODS: O IDH é uma medida composta que está intrinsecamente ligada a vários ODS. Por exemplo, avanços em saúde e educação (componentes do IDH) são essenciais para alcançar os ODS 3 (Saúde e Bem-Estar) e 4 (Educação de Qualidade). Uma desaceleração no IDH pode, portanto, ter um efeito cascata negativo sobre o progresso em diversos outros ODS.
  • Redução da resiliência: Um desenvolvimento humano mais lento pode tornar as sociedades menos resilientes a choques e crises, como pandemias, mudanças climáticas e instabilidades econômicas. Isso pode dificultar a manutenção dos progressos já alcançados e o avanço em direção aos ODS, especialmente em um contexto global de crescentes desafios.
  • Fragilização da coesão social e da paz: A falta de progresso no desenvolvimento humano, especialmente quando acompanhada por aumento das desigualdades, pode levar à frustração, instabilidade social e conflitos, comprometendo o alcance do ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes).
  • Diminuição da capacidade de implementação: O desenvolvimento humano está ligado à capacidade dos países de implementar políticas e programas eficazes para alcançar os ODS. Uma desaceleração no IDH pode indicar fragilidades nas instituições, falta de investimento em capital humano e outros fatores que dificultam a ação em prol da Agenda 2030.

Ou seja, uma desaceleração no avanço do IDH serve como um sinal de alerta de que o mundo pode não estar no caminho certo para cumprir a ambiciosa Agenda 2030. Reverter essa tendência e acelerar o desenvolvimento humano de forma equitativa e sustentável é crucial para garantir o sucesso dos ODS e a construção de um futuro melhor para todos.

O tarifaço de Donald Trump e o progresso do desenvolvimento humano

A guerra comercial iniciada pelo “tarifaço” de Donald Trump, em abril de 2025, caracterizada pela imposição de tarifas sobre importações de diversos países, principalmente a China, gerou impactos significativos na economia global, com potenciais efeitos negativos no IDH e na Agenda 2030 da ONU.

Como mostrei no artigo “Tarifaço tresloucado de Trump promove caos na economia global”, publicado aqui no # Colabora (Alves, 07/04/2025), as medidas protecionistas podem prejudicar as condições de progresso humano com inclusão social. Uma guerra comercial global pode atrapalhar ou inviabilizar o avanço do IDH e da Agenda 2030 da ONU.

Impactos no IDH:

  • Desaceleração do crescimento econômico: As tarifas e as retaliações comerciais levaram a uma desaceleração do comércio global e do crescimento econômico, afetando negativamente a renda e o emprego em diversos países. 1   
  • Aumento da inflação: As tarifas aumentaram os custos de produção e os preços dos bens de consumo, reduzindo o poder de compra das famílias e impactando negativamente o padrão de vida.
  • Aumento da desigualdade: A guerra comercial afetou desproporcionalmente os países em desenvolvimento e os grupos mais vulneráveis, ampliando as desigualdades econômicas e sociais.
  • Redução do investimento em saúde e educação: A instabilidade econômica, o aumento dos gastos militares e a redução da receita dos governos podem levar a cortes nos investimentos em saúde e educação, componentes essenciais do IDH.

Impactos na Agenda 2030 da ONU:

  • Dificuldade em alcançar os ODS: A desaceleração do crescimento econômico e o aumento da desigualdade dificultam o progresso em direção aos ODS, especialmente aqueles relacionados à erradicação da pobreza, redução das desigualdades e crescimento econômico sustentável.
  • Fragilização da cooperação internacional: A guerra comercial minou a cooperação internacional e o multilateralismo, essenciais para a implementação da Agenda 2030.
  • Impacto no comércio internacional: O aumento de barreiras comerciais dificulta o comercio internacional, o que dificulta o progresso para o objetivo número 8 dos ODS, que visa o crescimento econômico sustentável e o trabalho decente.
  • Aumento da instabilidade global: A guerra comercial contribuiu para a instabilidade global, com impactos negativos na paz e segurança, componentes importantes do ODS 16.

Em resumo, a pandemia da covid-19 reduziu a expectativa de vida global e prejudicou a luta contra a pobreza e a fome desarticulando as cadeias produtivas. Portanto, as guerras sangrentas (como na Ucrânia e em Gaza) e a  guerra comercial geraram um ambiente de incerteza e instabilidade que prejudica o progresso econômico e social, com potenciais efeitos negativos no IDH e na capacidade dos países de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 

Referências:

The Human Development Report 2025, UNDP, 2025 

https://hdr.undp.org/content/human-development-report-2025

ALVES, JED. Tarifaço tresloucado de Trump provoca caos na economia global, # Colabora, 07/04/2025

https://projetocolabora.com.br/ods12/tarifaco-tresloucado-de-trump-promove-caos-na-economia-global/ 

 

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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