Decrescimento demográfico e econômico, mas com bem-estar social e ambiental

Futuro só será realmente sustentável se houver uma redução da pegada ecológica e um aumento da biocapacidade global

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 10 • Publicada em 13 de novembro de 2022 - 17:31 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 20:09

Arte Claudio Duarte

A população mundial era de 4 milhões de habitantes há 12 mil anos, chegou a 190 milhões no ano 1 da Era Cristã, atingiu 1 bilhão por volta de 1800, chegou a 4 bilhões em 1975 e passou a acrescentar mais 1 bilhão de habitantes a cada 12 anos, conforme mostra o gráfico abaixo. Segundo as novas projeções da Divisão de Populacional da ONU, a população global chegará a 8 bilhões de habitantes no próximo dia 15 de novembro de 2022.

Entre os anos 1 e 1800, a população mundial passou de 190 milhões para 990 milhões, significando um crescimento médio anual de 0,1% ao ano. Entre os anos 1800 e 1960, a população mundial foi multiplicada por 3 vezes, significando um crescimento médio de 0,7% ao ano. Mas entre 1960 e 1975, a população mundial passou de 3 para 4 bilhões de habitantes, apresentando um crescimento médio de 2% ao ano. O maior crescimento da história.

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Entre 1975 e 2022, a população mundial dobrou de tamanho e, em apenas 47 anos, o mundo adicionou 4 bilhões de pessoas, o mesmo montante que só foi atingido após 200 mil anos desde o surgimento do Homo sapiens. Em termos absolutos foi o maior acréscimo humano no menor período de tempo. Mas em termos relativos, houve redução do crescimento, pois a taxa média ficou em 1,5% ao ano. Portanto, a população mundial cresce a um ritmo cada vez menor, embora a economia ainda permaneça com o pé no acelerador.

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O gráfico abaixo, da Divisão de População da ONU, mostra que o pico do crescimento populacional aconteceu na década de 1960, ficou abaixo de 2% ao ano a partir da década de 1970, atingiu variação abaixo de 1% ao ano a partir 2020, teve leve recuperação com o fim da pandemia, mas deve continuar caindo ao longo do século, atingindo o crescimento zero em 2086 e passando para uma fase inédita de decrescimento (ou crescimento negativo) nos últimos anos do atual século.

Evidentemente, um crescimento demográfico infinito é inviável em um Planeta finito. O fim do crescimento populacional está com os dias contatos, pois a Divisão de População da ONU prevê o pico de habitantes em 10,4 bilhões em 2086, com um pequeno decrescimento para 10,3 bilhões de pessoas em 2100. O número de idosos está em 1,1 bilhão atualmente e deve chegar a 3,1 bilhões de pessoas de 60 anos e mais (30% da população) em 2100. Assim, o futuro da humanidade será, necessariamente, mais envelhecido, com menos nascimentos e com a inversão da curva do crescimento exponencial.

O crescimento “demoeconômico” global

Se a população humana cresceu muito nos últimos 250 anos a economia cresceu ainda mais. Turbinada pelos combustíveis fósseis e pela superexploração da natureza, a população mundial cresceu 9,2 vezes, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 135 vezes, por conseguinte, a renda per capita cresceu 15 vezes, entre 1772 e 2022. Os ganhos sociais foram tremendos, por exemplo, a expectativa de vida média, ao nascer, estava em torno de 25 anos e passou para quase 75 anos em dois séculos e meio.

O ser humano se tornou não só a espécie dominante, mas ocupou todos os espaços da nossa Casa Comum e dificultou a vida e a sobrevivência das demais espécies do Planeta. A humanidade cresceu e o meio ambiente retrocedeu. O conjunto das atividades antrópicas ultrapassou a capacidade de carga da Terra e a Pegada Ecológica da humanidade extrapolou a Biocapacidade do Planeta. Mas ao invés de reconhecer os limites da dominância humana, a ideologia hegemônica defende a continuidade do aumento da produção de bens e serviços.

Sem embargo, existe uma verdade simples e inquestionável que são os limites naturais à expansão produtiva. Indubitavelmente, existem limites biofísicos ao crescimento econômico como escreveu, em 1971, Nicholas Georgescu-Roegen no livro The Entropy Law and the Economic Process (1971), onde mostra, com base na Primeira Lei da Termodinâmica, que o metabolismo do processo produtivo é entrópico e não cria nem consome matéria e energia, apenas transforma recursos de baixa entropia em calor e resíduos de alta entropia (ALVES, 2022).

O exemplo mais evidente dos efeitos da entropia é a geração de dióxido de carbono pela queima dos combustíveis fósseis. Refletindo o volume e o crescimento da economia, as emissões globais de CO2 estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 25 bilhões no ano 2000 e atingiram 37 bilhões de toneladas em 2019. Em consequência, a concentração de CO2 que estava abaixo de 280 partes por milhão (ppm) antes da Revolução Industrial e Energética passou para 421 ppm em maio de 2022. O efeito estufa tem provocado o aumento da temperatura global, a acidificação dos solos, dos rios e dos oceanos, o degelo dos polos, glaciares e da Groenlândia, elevando o nível dos oceanos e ameaçando centenas de milhões de pessoas que vivem nas áreas litorâneas, além de dificultar e encarecer cada vez mais a produção de alimentos.

Em 2022, o Instituto “Circle Economy”, lançou o relatório “The Circularity Gap Report 2022”, mostrando que o uso insustentável de recursos naturais está destruindo o planeta e reduzindo a biocapacidade da Terra. O relatório mostra que a quantidade de material consumido pela humanidade já ultrapassa 100 bilhões de toneladas a cada ano e, apesar deste alto volume de exploração da natureza, a proporção de reciclagem está caindo. Os autores do relatório alertam para o perigo de tratar os recursos do mundo como ilimitados, o que pode levar a um desastre global, com aumento da taxa de extinção das espécies e com o agravamento da emergência climática.

Diante da crise ambiental e do perigo de um colapso sistêmico global, o decrescimento surge como uma proposta para reduzir a sobrecarga antrópica sobre o Planeta, buscando diminuir a Pegada Ecológica e aumentar a Biocapacidade, visando eliminar o déficit ambiental. O decrescimento é um movimento acadêmico e social que se opõe à ideologia global do crescimento continuado e insustentável. A ideologia “crescentista” prega a ampliação da produção de mercadorias para um número cada vez maior de consumidores, concentrando o lucro em parcelas privilegiadas da sociedade. O decrescimento é o contrário.

O planejamento do decrescimento “demoeconômico”

A palavra decrescimento assusta, mas ela simplesmente tem como objetivo eliminar a sobrecarga antrópica sobre os ecossistemas. Para tanto, é preciso uma diminuição tanto da população, quanto da economia, pois se houver redução do PIB e manutenção do volume da população haverá redução da renda per capita e as pessoas, em média, ficarão mais pobres. Decrescer apenas a população exigiria uma redução muito forte para equilibrar a Pegada Ecológica com a Biocapacidade, o que seria muito difícil na prática. Mas existe um caminho que o mundo pode trilhar no sentido de promover um decrescimento “demoeconômico” com prosperidade econômica e social e com sustentabilidade ambiental. Evidentemente, não é possível diminuir a população e o desemprego da noite para o dia, pois isto tem que ser planejando no médio e no longo prazo.

Devido à inércia demográfica é pouco provável um decrescimento imediato da população e da economia. Mas no longo prazo a situação é diferente. O gráfico abaixo apresenta um exercício de simulação de um decrescimento “demoeconômico” de 2040 a 2240. Devido ao “momentum demográfico”, vamos supor que a população mundial continue crescendo até o pico de 9 bilhões em 2040. Supondo, de forma simples, que o PIB global é 10 vezes maior do que a população (sendo, por exemplo, uma renda per capita de 10 mil unidades monetárias), então a população seria de 9 bilhões de habitantes em 2040 e o PIB de 90 trilhões de unidades monetárias.

A partir deste período de adaptação e reorientação das novas estratégias, a população começaria a cair a partir de 2041, em média, a 0,7% ao ano e o PIB cairia em média 0,35% ao ano. O resultado, mostrado no gráfico, seria uma população de cerca de 4,5 bilhões de habitantes no ano de 2140, com uma economia menor em termos absolutos, embora maior em termos relativos, com uma renda per capita de 15 mil unidades monetárias. Para 2240, ceteris paribus, haveria 2,25 bilhões de habitantes e um PIB duas vezes maior em termos relativos, ou seja, uma renda per capita de 20 mil unidades monetárias (duas vezes maior do que de 2040).

Decrescimento da população e do PIB com crescimento da renda per capita

Fonte: simulação com decrescimento anual de 0,7% da população e 0,35% do PIB

Ou seja, se a redução da população acontecer em um ritmo mais rápido do que a queda do montante de bens e serviços produzidos, ao contrário do decrescimento recessivo, o mundo poderia ter um decrescimento “demoeconômico” com prosperidade, com aumento da renda per capita e elevação do bem-estar social e ambiental. Além de facilitar a meta da redução da pobreza e da desigualdade, seria muito mais fácil para se atingir a meta de emissão líquida zero de carbono e até para se chegar às emissões negativas (isto é, com captura de carbono e redução da concentração de CO2 na atmosfera).

Embora exista um tabu na discussão demográfica, boa parte dos países do mundo devem passar pelo decrescimento, como mostram as projeções populacionais da ONU. A China, o país mais populoso do mundo, vai começar o decrescimento demográfico em 2023 e deve perder mais de 650 milhões de pessoas até 2100 (cerca de 10 milhões de pessoas ao ano, ou – 0,8% aa, entre 2050 e 2100). Cuba também terá um decrescimento elevado, de – 0,7% ao ano, no século XXI. O Brasil deve começar o decrescimento demográfico na década de 2040 e deve perder cerca de 50 milhões de pessoas até o final do século. Assim, o decrescimento já está acontecendo em diversos países e em diversas regiões e tende a se generalizar.

Com o agravamento da crise ambiental e climática, o decrescimento “demoeconômico” será um fator de mitigação da crise e, também, fator de adaptação. Poderá haver menor exploração da natureza e menor poluição se a população mundial cair (como no exemplo acima, diminuindo pela metade até 2140) e, também, o PIB global cair, mesmo que em um ritmo um pouco menor. Vários outros cenários de decrescimento podem ser traçados.

No decrescimento com prosperidade, o fundamental é decrescer as atividades poluidoras, mas estimular o crescimento das atividades amigáveis ao meio ambiente. Há diversas maneiras de fazer decrescer as atividades mais poluidoras e degradadoras da natureza, abrindo espaço para crescer as atividades mais voltadas para a preservação e a regeneração ecológica, tais como:

  • Decrescer os gastos militares e reduzir a produção e uso de instrumentos de guerra e aumentar os investimentos em atividades de engrandecimento da solidariedade nacional e internacional, na promoção da paz e na ampliação do bem-estar social (com melhoria da saúde, da educação e cultura ecocêntrica).
  • Decrescer a produção e o consumo de fertilizantes químicos e agrotóxicos e aumentar os investimentos na agricultura orgânica, na permacultura e na agricultura urbana, produzindo alimentos saudáveis perto dos grandes centros urbanos (para decrescer os custos de transporte e o desperdício dos alimentos).
  • Decrescer as áreas de pastagem e a produção e o consumo de proteína animal, promovendo a transição para uma dieta vegetariana e vegana, além de aumentar as áreas de florestas e vegetação nativa.
  • Decrescer a produção e o uso de carros particulares (principalmente aqueles grandes, pesados e que demandam muita energia por quilômetro rodado) e aumentar os investimentos em transporte coletivo e no compartilhamento de automóveis elétricos.
  • Decrescer as desigualdades, o consumo conspícuo, os bens de luxo e investir em bens e serviços que permitam a universalização do bem-estar, aumentando as atividades da economia solidária, da economia colaborativa, de forma a diminuir os impactos das atividades antrópicas.
  • Decrescer a demanda dos serviços ecossistêmicos, reduzir a poluição e diminuir as áreas ecúmenas (exploradas pelo homem), aumentando as áreas verdes (florestas e matas), limpando os rios, lagos e oceanos para viabilizar a recuperação da biodiversidade, o aumento das áreas anecúmenas e o incremento do bem-estar ecológico.
  • Decrescer a economia material e aumentar a economia imaterial, a produção de bens intangíveis e a sociedade do conhecimento, da solidariedade e do compartilhamento.

O fato é que a humanidade precisa mudar o estilo de vida e o padrão de produção e consumo para diminuir a degradação ambiental. O alerta feito, em 1972, no livro “Limites do Crescimento” continua válido. Mas não basta mais limitar o crescimento. O desafio atual é promover o decrescimento “demoeconômico” para que produção global caiba dentro das Fronteiras Planetárias.

Ao mesmo tempo, segundo o historiador Yuval Harari existe uma preocupação das pessoas comuns de serem deixadas para trás em decorrência do processo de automação e do uso da Inteligência Artificial, que podem tornar os trabalhadores humanos irrelevantes em termos militares e econômicos, pois a quantidade de pessoas deixou de ser a métrica da grandeza das nações.

Como disse o Secretário-geral da ONU, António Guterres, na abertura da COP27, no Egito: “Estamos na autoestrada para o inferno climático e com o pé no acelerador”. As duas palavras que anunciam o caminho do inferno climático e ambiental são “policrise” (crise múltipla) “permacrise” (crise permanente). Para manter a Terra habitável é necessário interromper a marcha descontrolada do aquecimento global e a perda generalizada da biodiversidade gerada pela 6ª extinção em massa das espécies.

Por conseguinte, o decrescimento de longo prazo, tanto da população, quanto da economia, pode contribuir para o aumento da renda per capita, em um futuro com menos pessoas e menos consumo, em sociedades menores com redução das atividades antrópicas e elevação do bem-estar humano e ambiental. Em síntese, ao invés do grande volume de pessoas e de bens e serviços, o mundo deveria investir na redução da pegada ecológica e na maior riqueza ecossistêmica da biocapacidade global.

Referências

Circle Economy. The Circularity Gap Report 2022, Circularity Gap Reporting Initiative, 2022

https://www.circularonline.co.uk/wp-content/uploads/2022/01/Circularity-Gap-Report-2022.pdf

Max Roser et. al. World Population Growth, Our World in Data, 2022

https://ourworldindata.org/world-population-growth

ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022

https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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