ODS 1
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Veja o que já enviamosCoragem estratégica para celebrar a aprovação do PL de Cotas
Brasil precisa de um fundo de reparação da escravidão - reparação para os crimes raciais, reparação para o genocídio da população negra
Cota não é esmola. Como já cantava Bia Ferreira em sua composição autoral, que é um verdadeiro manifesto poético sobre o racismo estrutural no Brasil. A música faz coro com outros gritos, abafados e silenciados por séculos de escravização. Ontem, no Senado Federal, minutos depois de presenciar a aprovação do PL de Cotas no serviço público, senti na pele que só faltava essa música para orquestrar a celebração que significa muito para a minha ancestralidade e geração — e a nossa sociedade. Enquanto o projeto segue para sanção presidencial, olhamos para trás, para a história do nosso país. Nossos passos, de fato, vêm de longe.
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Na votação do projeto de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS), ontem presenciei uma das cenas mais marcantes da minha jornada de ativismo e militância. Cercado de adolescentes e juventudes negras da UneAfro, o senador chorou. Há espaços políticos que não nos permitem chorar. Nos quais a emoção é estigmatizada de fragilidade. Eu mesma caio nessa falácia, me contenho em muitos momentos que demandam mais assertividade e pouca emoção. Mas ele chorou, sangrou lágrimas de felicidade, de cansaço, de alívio e de esperança. Choramos todos e todas.

Além de ampliar o percentual de reserva de vagas de 20% para 30%, o projeto inova ao incluir quilombolas e indígenas como público da política de ação afirmativa; o PL também institui mecanismos antifraude, como as bancas de heteroidentificação — que é uma demanda histórica do movimento negro brasileiro. Quando olhamos para trás, a composição do serviço público era homogênea e com uma branquitude dominante. Em um Brasil de privilégios e desigualdades sobrepostas, não há discurso meritocrático tentador capaz de contra a realidade das oportunidades e aprovações em concursos, vestibulares e outras disputas de espaços de ensino e exercício profissional. É uma conta inconclusiva.
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Veja o que já enviamos“Experimenta nascer pobre, preto na comunidade. Cê vai ver como são diferentes as oportunidades. E nem venha me dizer que isso é vitimismo. Não bota a culpa em mim para encobrir o seu racismo”. O manifesto de Bia Ferreira entra em uma crescente que, na voz e melodia, nos levam para outro patamar. O racismo está organizado como um crime que vai além do seu enfrentamento. Logo, políticas de reparação e equiparação são o mínimo aceitável para que consigamos sonhar com novos futuros e novas possibilidades do bem viver.
Há de se reconhecer a pouca articulação política no Brasil em torno de outras conquistas que ainda (espero eu) desejamos testemunhar. E sem recurso e investimento, a reparação é uma ilusão. O que a gente precisa, de fato, é um fundo de reparação da escravidão. Reparação para os crimes raciais, reparação para o genocídio da população negra. Precisamos abrir frentes dialógicas sobre qual tipo de reparação queremos e quais, de fato, serão efetivadas.
Do alto das minhas inquietudes e perguntas sem resposta, pergunto como definir justiça econômica? É reparação. Logo, celebrar a aprovação do PL de Cotas com coragem estratégica e sem neutralidade diplomática envolve um processo contínuo e não-linear de letramento, insistência e estratégia por mais políticas públicas racializadas e específicas — que sigam desbravando, até mesmo onde não há, caminhos para populações negras, quilombolas e indígenas nos tempos presentes e gerações futuras.
Igor Lins, coordenador de advocacy do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC), nos lembra que “com a aprovação do PL de Cotas, pessoas negras, indígenas e quilombolas poderão atuar em órgãos ambientais e levar seus saberes e vivências para a proteção e fiscalização do território. Isso fortalece a justiça climática com servidores que conhecem, na prática, os impactos do racismo ambiental”. Para mim, isso é sobre celebrar, construir e fortalecer o direito à justiça, reparação e memória. E eu quero justiça, quero reparação e que memória. O momento é de encruzilhadas. Que não esqueçamos, nunca,do que nos trouxe até aqui.
Por menos que conte a história
não te esqueço meu povo
se Palmares não vive mais
faremos Palmares de novo
(QUILOMBOS, de José Carlos Limeira)
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