A história de Roberta Goldstar: os 80 anos de um ícone transformista de Caxias

Rubens revive memórias da época nos palcos, encara envelhecimento com dificuldade e sonha em voltar a se montar após um AVC.

Por Yuri Alves Fernandes | ODS 10 • Publicada em 27 de junho de 2025 - 10:26 • Atualizada em 27 de junho de 2025 - 10:46

Rubens no aniversário de 80 anos. Ao lado, foto do tempo em que se transformava em Roberta Goldstar (Foto Arquivo Pessoal)

Esta reportagem nasceu de um e-mail que recebi de Ana Bernardino: “Meu tio Rubens é um excelente personagem, fará 80 anos e gostaria que você registrasse a festa. Montado, ele atende pelo nome Roberta Goldstar.” A conversa seguiu para o Instagram. Nesta breve descrição de suas linhas, a história já se mostrava imperdível. Não consegui comparecer ao evento, que ocorreu no dia primeiro de maio, mas, dias depois, liguei para Rubens para conhecer um pouco mais desse personagem que logo me tomou de entusiasmo e rendeu a reportagem a seguir.

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Rubens — ou Binho, para os mais chegados — nasceu em Aracaju (SE). Após o pai abandonar a família, ele precisou se mudar, aos 6 anos, para Duque de Caxias (RJ), junto com a mãe e três irmãos mais novos. Completou o ensino médio e trabalhou por 38 anos como assistente de almoxarifado na gráfica do Jornal do Brasil — e se aposentou há 20 anos. 

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Mas, no meio dessa trajetória — brevemente resumida aqui — nasceu Roberta Goldstar, por volta de 1985, quando ele tinha 40 anos. Fã de Alcione, fez uma apresentação despretensiosa — ainda desmontado — para homenagear a artista na casa de uma amiga, no bairro Engenho de Porto, onde vive até hoje. Iniciava ali uma nova vida nos palcos, que resistiu e brilhou por décadas. Não sabia se maquiar, por isso contava com a ajuda de uma profissional. Ver-se pronta era o que mais lhe dava prazer: “Eu mudo completamente.”

Considera-se transformista, nome mais usado até meados das décadas de 1980 e 1990. Só depois popularizou-se o termo drag queen.

A história de Roberta Goldstar: os 80 anos de um ícone transformista de Caxias
Rubens conta que chegava a fazer até cinco shows em um único dia (Foto: Arquivo pessoal)

Estrela da noite em Caxias

Eram tempos de ouro para a estrela. Chegou a ter 10 dançarinos e costumava fazer até cinco shows numa única noite, geralmente aos sábados, quando o cachê era de 500 reais por apresentação. De sexta a domingo, ele garante que a agenda era lotada. “As pessoas aclamavam”, lembra, reforçando que sempre atuou em Caxias. Homem preto e nordestino, afirma que o palco o ajudou a encarar os desafios da vida. 

Morava com a mãe — com quem nunca falou abertamente sobre sua arte. “Ela nunca me viu montada. Eu me arrumava nas casas de colegas e, antes de chegar na minha, trocava de roupa. Mas ela tinha uma desconfiança. Um dia perguntou: ‘E uma tal de Roberta Goldstar cantando Alcione?’ Mas eu nunca quis falar sobre”, compartilha.

Minha mãe nunca me viu montada. Eu me arrumava nas casas de colegas e, antes de chegar na minha, trocava de roupa. Mas ela tinha uma desconfiança […] Mas eu nunca quis falar sobre

Rubens/Roberta Goldstar
Aposentado/Transformista

Assim como a performance, a sexualidade de Rubens era um tabu dentro de casa. Não falava sobre e contou que chegou a levar namorados para casa, mas eles eram tratados como amigos pela mãe, que faleceu há cinco anos.

Rubens teve o maior problema familiar com o irmão mais novo, que, ao tomar conhecimento sobre Roberta, chegou a tentar agredi-lo fisicamente. “Fizemos as pazes antes de ele morrer, quando finalmente reconheceu: ‘Ele é um artista’.”

Foi na vizinhança do bairro Engenho de Porto que encontrou o maior acolhimento — local onde garante que boa parte da população o conhece. “Nunca me perturbaram. São maravilhosos. Todo mundo sempre me respeitou aqui, é um lugar confortável para viver. Na rua, todo mundo me chama de Roberta e pergunta sobre os shows.”

A história de Roberta Goldstar: os 80 anos de um ícone transformista de Caxias
Aniversário de 70 anos: última vez que Rubens se montou (Foto: Arquivo pessoal)

Goldstar: A arte em repouso

Atualmente, vive sozinho, mas conta com o apoio da amiga Elizabeth durante o dia, tanto para as atividades da casa quanto para o suporte emocional.

A última vez em que encarnou Roberta Goldstar foi há 10 anos, no aniversário de 70. Teve um AVC no ano passado, que deixou sua perna direita com mobilidade reduzida. “Sinto falta. Hoje é só saudade.”

Eu não aceito a velhice. Me olho no espelho, sozinho em casa, e choro. Estou acabado

Rubens/Roberta Goldstar
Aposentado/Transformista

O envelhecimento, para Binho, é um processo ainda difícil de aceitar. O que mostra a importância do tema da Parada LGBT+ de SP deste ano: “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro”. O #Colabora contou a história de outras três pessoas da comunidade durante o mês de junho: Dora Cudgnola, Jovanna Baby e Tchaka Drag Queen

“Ficar velho é foda. Eu não aceito a velhice. Me olho no espelho, sozinho em casa, e choro. Estou acabado. Quando envelhece, já era.” São nestes momentos de tristeza que a amiga Beth se torna ainda mais essencial: “Às vezes vem a depressão, mas a Beth tenta levantar o astral — a gente conversa, assiste TV. Sou flamenguista, amo acompanhar.”

A história de Roberta Goldstar: os 80 anos de um ícone transformista de Caxias
Rubens no aniversário de 80 anos com as sobrinhas Thatyana (à esquerda) e Ana Bernardino (à direita). (Foto: Arquivo pessoal)

Roberta Goldstar está guardada num lugar muito especial para Binho, que ainda sonha em trazê-la de volta: “Quando eu melhorar da perna, quero me montar de novo, mas só para amigos.”

E foi com muitos desses amigos que Rubens celebrou a chegada dos 80 anos. Queria fazer um registro mais à altura deste artista — mas fica aqui agora o meu convite para estar no retorno de Roberta – que confio que será em breve. 

Yuri Alves Fernandes

Jornalista e roteirista do #Colabora especializado em pautas sobre Diversidade. Autor da série “LGBT+60: Corpos que Resistem”, vencedora do Prêmio Longevidade Bradesco e do Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade LGBT+. Fez parte da equipe ganhadora do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, com a série “Sem direitos: o rosto da exclusão social no Brasil”. É coordenador de jornalismo do Canal Reload e diretor do podcast "DáUmReload", da Amazon Music. Já passou pelas redações do EGO, Bom Dia Brasil e do Fantástico. Por meio da comunicação humanizada, busca ecoar vozes de minorias sociais, sobretudo, da comunidade LGBT+.

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