A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial alterou profundamente vários aspectos da vida no país – até o beisebol. Os ídolos do esporte tatuado na alma ianque foram convocados como soldados para enfrentar os nazistas na Europa, quando um empresário teve a ideia de criar um campeonato de mulheres. Nascia a Liga Americana de Beisebol Feminino (All-American Girls Professional Baseball League, no original).
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]A equipe que pisou o gramado do Maracanã na terça-feira (16) escalava, entre suas 19 selecionadas, cinco desempregadas. Isso mesmo – as goleiras Barbara e Aline, a zagueira Bruna Benites, a volante Thaisa e a espetacular meia Formiga recebem salários da CBF para não ter que mudar de profissão. As outras 13 atuam no exterior, porque no intervalo entre as Olimpíadas o futebol das mulheres inexiste por aqui.
[/g1_quote]Como antes, durante e depois na história da humanidade, os machistas estrilaram, por enxergar uma profanação. Mas o projeto vingou – e o beisebol, com todas as suas tradições, rendeu-se à atitude das mulheres. De 1943 a 1954, mais de 600 americanas atuaram pelos 15 times, diante de um público que, somente em 1948, somou 900 mil pessoas – a maioria de homens!
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Veja o que já enviamosA história deu na ótima comédia dramática “Uma equipe muito especial” (“A League of Their Own”), de 1992, com Tom Hanks, Geena Davis e Madonna, que hoje vaga pelas reprises dos canais a cabo (veja o trailer abaixo). A trama ensina lições que nós brasileiros relutamos em aprender. Nossa versão da liga de emergência ressurge a cada quatro anos e dura menos de três semanas, o átimo em que o distinto público permite-se olhar além da obsessão chamada futebol (masculino). Só as Olimpíadas conseguem bater a monocultura esportiva e de gênero que domina corações e mentes brazucas. Mas o sonho se apaga com a pira, para dar lugar – de novo e para sempre – à aborrecida ciranda de Flamengo e Neymar, Real Madrid e Tite, Premier League e Corinthians, Galvão Bueno e CBF…
Pouco exemplos da mazela podem ser mais eloquentes do que a odisseia do futebol feminino. As obstinadas lideradas por Marta encaram eternamente um adversário mais forte do que o Barcelona em casa e com juiz arranjado: o abandono inapelável. A seleção insiste de teimosa, porque desde Atlanta/1996, só recebe a atenção da torcida e, pior, dos cartolas na temporada olímpica. (A espetacular 10, canhota, melhor inquilina do número desde que Rivaldo se aposentou, ainda desfruta da fama de ter sido melhor do mundo cinco vezes. Mas é pouco.)
A equipe que pisou o replantado gramado do Maracanã sob sol de verão em plena terça-feira (16) de inverno escalava, entre suas 19 selecionadas, cinco desempregadas. Isso mesmo – as goleiras Barbara e Aline, a zagueira Bruna Benites, a volante Thaisa e a espetacular meia Formiga recebem salários da CBF para não ter que mudar de profissão. As outras 13 atuam no exterior, em países como China, Estados Unidos, França, Espanha, Suécia – porque no intervalo entre as Olimpíadas o futebol das mulheres inexiste por aqui. Tampouco existem camisas do time feminino à venda para os torcedores.
E olha que as jogadoras têm estrada para ostentar. Ganharam duas medalhas de prata (2004 e 2008) – derrotas doídas para os Estados Unidos, sempre na prorrogação – e duas de bronze (1996 e 2000). Não adianta. Enquanto isso, os americanos massificaram o soccer em escolas e universidades e, como consequência, conquistaram quatro campeonatos olímpicos e três mundiais. Por lá, é jogo de mulher. (Só agora a liga masculina parece vingar, turbinada pela contratação de astros como o italiano Pirlo e o brasileiro Kaká.) O novo título olímpico não veio por uma zebra, a mesma retranca sueca que vitimou o Brasil.
A envelhecida seleção de Marta (30 anos), Formiga (38) e Cristiane (31) reencontrou seu destino cruel, ao ser eliminada da final. Mesmo assim, deixou o Maracanã sob uma torrente de aplausos. Enquanto isso, nem o ouro livrará os Neymarboys da desconfiança – eles, não se esqueça, amargam o sexto lugar na eliminatória para a próxima Copa do Mundo, e a CBF mantém-se paralisada por um constrangedor escândalo de corrupção, com o presidente exilado em seu próprio país, foragido do FBI.
Elas, de novo, encantam pela atitude típica das desbravadoras. Na pororoca incessante de memes dos Jogos do Rio que varreu a internet, aparece a imagem de um menino com a camisa 10 canarinho, o nome de Neymar riscado e o de Marta escrito à mão, com um coração do lado. O recado aos protagonistas, ao mesmo tempo, valorizava a entrega das mulheres e detonava o jeito blasé dos homens e seus fones de ouvido gigantes, os clichês esfarrapados nas entrevistas, a sem-cerimônia diante dos resultados pífios. Ser jogador de futebol no Brasil, hoje, é um gigantesco “se fui pobre não me lembro”. O público anda crescentemente enjoado do jeito boleiro.
Tomara que um dia esse jogo vire, e a vitória chegue para quem mais a merece – aí sim, teremos um final de cinema.