Trégua no inverno francês

De novembro a março ninguém pode ser despejado de suas casas

Por Marlene Oliveira | ODS 1 • Publicada em 19 de novembro de 2016 - 10:45 • Atualizada em 19 de novembro de 2016 - 13:23

Manifestantes em Paris protestam contra os despejos na cidade. Só em 2015 foram mais de 60 mil. Foto de Dominique Faget/AFP
Manifestantes em Paris protestam contra os despejos na cidade. Só em 2015 foram mais de 60 mil. Foto de Dominique Faget/AFP
Manifestantes em Paris protestam contra os despejos na cidade. Só em 2015 foram mais de 60 mil. Foto de Dominique Faget/AFP

Embora o inverno ainda não tenha começado oficialmente, basta colocar o pé do lado de fora para constatar que a partir de novembro, as temperaturas caem a um dígito e ficar em áreas externas, mesmo por períodos curtos, exige um bom agasalho e um plano de passeio que inclua lugares ao abrigo do frio. De preferência com aquecedores. Muitos aquecedores. Acho que isso explica, em parte, a afluência enorme aos museus nessa época do ano.

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Dados oficiais mostram que o número de pessoas vivendo nas ruas francesas dobrou nos últimos 10 anos. Hoje, ter um diploma não garante teto: 14% dos “sem teto” ingressaram numa faculdade e 10% concluíram o curso universitário.

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Se a temperatura gelada incomoda mesmo quem planeja da só um passeio, imagine o que é viver na rua! Com 3,5 milhões de pessoas consideradas “mal abrigadas” e 112 mil SDFs oficiais – pessoas vivendo na rua, Sem Domicílio Fixo –  a França coloca em prática, desde 1954, uma trégua invernal: uma lei que impede proprietários de despejarem locatários, mesmo por falta de pagamento.

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De 1° de novembro a 31 de março, ninguém pode ser despejado ou ter a eletricidade ou gás cortados por falta de pagamento. Uma forma de evitar que a população de rua cresça nessa época gelada do ano. Quem burla a lei está sujeito à penas que podem ir até 3 meses de prisão e uma multa de 30 mil euros. Atenção, a trégua termina em 1° de abril, quando as temperaturas, em teoria, voltam a ser mais amenas e viver do lado de fora, passa a ser mais suportável.

55% dos SDFs recenseados são estrangeiros

Em 2015, nos meses permitidos, foram 67.406 ordens de despejo que exigiram a presença da polícia para se fazer cumprir. Um aumento de 25% comparado com o ano anterior. Uma consequência clara do valor crescente dos aluguéis nos grandes centros e do número insuficiente de “imóveis sociais” – apartamentos cujos aluguéis são, em grande parte, custeados pelo governo.

Segundo dados divulgados pelo INSEE – Instituto Nacional da Estatística e Estudos Econômicos, o número de pessoas vivendo nas ruas dobrou nos últimos 10 anos. Não só esse percentual vem crescendo, como o perfil da população de rua vem mudando. Hoje, ter um diploma não garante teto: 14% dos “sem teto” na França ingressaram numa faculdade e 10% concluíram o curso universitário.  Aliás, ter trabalho também não garante teto, visto que 25% dos SDFs declararam ter um trabalho, sem contrato, que lhes garante uma renda mensal entre 300 e 900 euros. Considerado abaixo da linha da pobreza.

Cerca de 55% dos SDFs nasceram fora do país e mais da metade vem de uma nação africana, geralmente de uma ex-colônia francesa. Dos que não falam francês, a maioria vem de um país do leste europeu. No total, a população de rua é, em sua maioria, composta por homens e jovens, embora as mulheres SDFs nascidas no exterior já representem 38%.

Outro dado interessante diz respeito à escolha do lugar para se instalar. Os SDFs se “instalam”, normalmente, em cidades consideradas grandes – entre 20 e 200 mil habitantes, mas 44% elegem a “cidade luz” como porta de entrada.

Apesar dos aluguéis mais caros, da poluição, do clima e do mau-humor parisiense, as chances de conseguir um trabalho e de contar com um dispositivo de alojamento social é muito maior na capital do que em outras cidades. A Grande Paris, que já dispõe de alojamento público para 92 mil pessoas, acaba de anunciar a abertura de mais 2870 vagas, incluindo um novo centro de alojamento, num dos bairros mais chiques da capital, em pleno Bois de Boulogne. Mesmo sendo anunciado como temporário, pois deve durar apenas 3 anos, o centro já sofreu um incêndio criminoso e enfrenta a rejeição dos moradores locais e da prefeitura do bairro.

Marlene Oliveira

Jornalista e profissional de comunicação, vive em Paris e conhece bem a ebulição do ambiente corporativo. Acredita que a queda do império romano "é pouco" perto das transformações que a sociedade está vivendo mas, otimista até a raiz dos cabelos, acredita que dias melhores virão. Inxalá!

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