Covid-19 agrava a pandemia da fome

Estudo da ONU aponta que mais 560 milhões de pessoas cairão abaixo da linha de pobreza com a crise sanitária mundial

Por José Eduardo Mendonça | ODS 1ODS 2 • Publicada em 10 de junho de 2020 - 09:04 • Atualizada em 17 de junho de 2020 - 12:00

Moradores de Johannesburgo, na África do Sul, fazem fila para receber alimentos: pandemia aumenta a fome no mundo (Foto: Marco Longari/AFP)

A pandemia do coronavírus trouxe a fome para milhões de pessoas no mundo. Lockdowns e medidas de distanciamento social estão prejudicando o trabalho e a renda, e deverão causar disrupção na produção agrícola e nas rotas de distribuição, deixando milhões preocupadas de não conseguirem o bastante para comer. 

Pensou-se em um primeiro momento que o vírus igualaria as classes sociais, mas quando se fala em alimentos ele termina agravando  uma disparidade que já existia. São os pobres, inclusive grandes segmentos das nações mais pobres, que estão agora com fome e sofrendo com a perspectiva de que as coisas vão piorar.

A situação, agravada pela pandemia, não é de qualquer modo recente. Os especialistas do Programa Mundial de Alimentos da ONU estabelecem como fome crônica quando – não importam a circunstâncias – as pessoas vão dormir com fome: isto é o normal para elas. Este número, quatro anos atrás, somava 796 milhões de indivíduos. No final de 2019, o número de pessoas sofrendo de fome crônica havia subido para 896 milhões.

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Esta crise da fome, de acordo com estudiosos, é global e causada por diversos fatores ligados à pandemia, à interrupção causada por ela na ordem econômica –  a perda repentina de renda para milhões de pessoas que já vivem da mão para a  boca, o colapso dos preços do petróleo, escassez de moeda no setor de turismo, trabalhadores que vivem no exterior sem dinheiro para mandar para casa – e ainda a problemas correlatos como a mudança do clima, violência, deslocamentos de populações e desastres humanitários.  Com escolas fechadas, cerca de 368 milhões de crianças perdem uma fonte de alimentação; muitas vezes, a única disponível.

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De acordo com a Organização Mundial do Trabalho, em torno de 1.6 milhão dos 12 milhões de trabalhadores informais em todo o mundo já perdeu sua fonte de renda  Esse número inclui trabalhadores no mercado de bicos nas economias ocidentais, mas a vasta maioria está nos países em desenvolvimento, onde a maioria dos empregos são informais. São trabalhadores que dependem do pagamento diário se quiserem para comer no fim do dia.

Manifestantes protestam em Santiago, no Chile, contra as dificulades em conseguir auxílio emergencial durante a pandemia: "Se não nos mata o vírus, nos mata a fome" (Foto: Martin Bernetti/AFP)
Manifestantes protestam em Santiago, no Chile, contra as dificulades em conseguir auxílio emergencial durante a pandemia: “Se não nos mata o vírus, nos mata a fome” (Foto: Martin Bernetti/AFP)

A perda de renda para pessoas que já vivem na margem da sobrevivência chegará a 50 milhões de pessoas a mais que as levarão à pobreza extrema este ano, revertendo três décadas de ganhos na guerra contra a fome, estima o Banco Mundial. E um estudo das Nações Unidas mostra que 580 milhões podem passar para abaixo da linha de pobreza. 

E com a perda da renda, a pandemia da fome pode eclipsar a pandemia do coronavírus. Em 2019, 135 milhões de pessoas sofriam de fome aguda – é a definição das Nações Unidas para as pessoas que estavam bem mas então aconteceu algo (guerras, desastres naturais, uma crise sanitária global) e, por causa disso, elas passaram a ter problemas estão com problemas e estão com fome. De acordo com a ONU, a pandemia pode praticamente dobrar os atingidos pela fome aguda, elevando esse total a 265 milhões sem ter o que comer.

O problema não é escassez de alimentos. Os lockdowns iniciais levaram a problemas como ao do fornecimento de curto prazo, e falta localizada de alguns produtos, que ficaram mais longe do alcance de gente sem trabalho. O problema é que as pessoas não ganham o bastante para conseguir esses produtos e mesmo comer os nutrientes necessários. “Esta é uma situação muito dramática para pessoas que normalmente não precisam de ajuda”, diz Arif Husain, economista chefe do Programa Mundial de Alimentos. “Isto é muitas vezes mais dramático em países pobres nos quais as pessoas gastam 60% da renda para comprar comida”.

De acordo com pesquisa na África, 85% daqueles forçados a ficar em casa estão pulando uma refeição ou comendo menos por conta do lockdown. Para eles, a fome poderá ser letal.  De acordo com o Programa Mundial de Alimentos, 300 mil pessoas podem morrer diariamente por desnutrição em três meses de pandemia em todo o planeta.

Alguns hábitos são novos e espera-se que perdurem. À medida que o vírus avança desde março, a pandemia mudou indiretamente o modo como muitas pessoas pensam sobre alimentos e suas sobras, e em seus descartes desnecessários. Uma das atitudes resultantes é a distribuição de alimentos que estão chegando à sua data de vencimento mas estão ainda bons para o consumo.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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2 comentários “Covid-19 agrava a pandemia da fome

  1. Marcio disse:

    Favor corrigir o texto onde é afirmado que os trabalhadores informais são 12 bilhões de pessoas.
    Pois a Terra tem 7,7 bilhões de pessoas no total.

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